666: a segunda besta do Apocalipse

– Meu nome é J. e tenho uma grande preocupação acerca do Apocalipse. Ocorre que na Internet conheço uns irmãos separados, adventistas, e eles dizem que suas interpretações sobre a Besta do 666 apontam para o Papa e que este é o anticristo, porque a soma das letras de diversos modos de se dizer ‘Papa’ em latim resulta em 666, e dizem também que a Igreja Católica é a Besta; eu, porém, não sei o que dizer, pois eles me oferecem a prova e eu não tenho nada. Estou certo de que deve haver uma outra interpretação e espero que você me dê, para que eu possa explicar-lhes e defender-me. Obrigado por tudo e espero a sua contestação. Atenciosamente.

* * *

Estimado: ofereço a contestação enviando-lhe este artigo. Ao final, você poderá encontrar as referências.

 

PREÂMBULO

A segunda besta do Apocalipse, popularmente conhecida pelo seu número 666, tem sido motivo de confusão em razão da ignorância bíblica, aumentada pelas espetaculares produções cinematográficas que gostam de tocar neste assunto com toda a liberdade. Há aqueles que se ufanam em apontar, em nossos tempos, algum “anti-Cristo”, ao qual podem ser atribuídas as características descritas no Apocalipse e, com inquieta curiosidade, especulam sem cessar, com audaz atrevimento, mas sem fundamentar as supostas coincidências encontradas por eles. E não apenas sobre a besta, mas sobre todos os símbolos usados nesse livro, buscam encontrar “a verdade” nos sinais de nossos tempos, sendo que o autêntico significado está amarrado a um certo tempo, dentro de contextos históricos, alheios ao nosso tempo.

Meu interesse ao escrever este artigo é desenvolver uma breve exegese sobre a perícope dp “falso profeta ao serviço da Besta”, a fim de esclarecer a partir do ponto de vista exegético o verdadeiro significado dessa passagem bíblica. O exercício exposto neste artigo foi realizado de maneira pessoal, mantendo-me sempre no âmbito da “sã doutrina” da nossa Igreja Católica e na linha de nossa exegese contemporânea.

 

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Para começar este trabalho exegético, considero importante explicar os elementos que servem como matérial sólido (e correto) para interpretar esta passagem. O texto bíblico é retirado da edição brasileira da Bíblia de Jerusalém.

 

GÊNERO LITERÁRIO

O Livro da Revelação, ou Apocalipse de João, corresponde precisamente ao gênero literário “apocalíptico”. Este gênero floresceu na literatura hebraica por quatro séculos, a partir do séc. II a.C. até o séc. II d.C.. A apocalíptica depende da literatura profética e da sapiencial. Porém, diferentemente da literatura profética, onde o elemento essencial é “a palavra”, na apocalíptica o elemento essencial é “a visão”. Outra característica do gênero apocalíptico é o uso abundante de símbolos.

A estrutura de um Apocalipse dá-se sempre nestas três fases:

1. Uma etapa de opressão ao Povo de Deus.

2. Uma etapa de castigo e destruição do inimigo.

3. Uma etapa de libertação, vitória e domínio do Povo de Deus.

É importante distinguir o ensinamento existente por detrás da “visão”, do relato que narra “a visão” no Apocalipse. O conteúdo apocalíptico é escatológico ao invés de histórico, motivo pelo qual seu ensino perdura até o fim dos tempos. No entanto, ao ser histórico, seu relato sempre se refere a um tempo concreto imediato, pois que escrito em um tempo de forte opressão. É sob esta ótica que o Apocalipse deve ser interpretado (e, conseqüentemente, a interpretação da perícope neste artigo) se queremos ter um entendimento correto de seu significado. Não obstante, mediante uma boa hermenêutica, podemos fazer uma atualização de seu conteúdo doutrinário.

No Primeiro Testamento [A.T.] encontramos literatura apocalíptica em Is., Ez., Jl, Zac. e Dan. No Novo Testamento, encontramos textos apocalípticos em Mc., Mat. e Luc., quando narram o discurso escatológico de Jesus; em algumas passagens paulinas, nas epístolas aos Tessalonicenses e na 1Coríntios; e, evidentemente, no Apocalipse.

 

CHAVES DE INTERPRETAÇÃO

Para entender não apenas o conteúdo da perícope que analiso neste artigo, mas de todo o conteúdo do Apocalipse de João, é necessário primeiro conhecer o conteúdo e os símbolos do Apocalipse contidos no livro do profeta Daniel. Por sua vez, para entender os símbolos de Daniel, é preciso conhecer e entender os símbolos usados pelo profeta Ezequiel. Isso é de fundamental importância, pois ao compreender os simbolismos de Ez. e Dan. a exegese do Apocalipse de João resulta em um processo mais simples e natural. Fazer uma revisão e oferecer uma interpretação desta simbologia fica fora do escopo deste trabalho. Faço menção, contudo, para que o estudioso que quiser possa aprofundar no tema por conta própria.

Da mesma forma, no caso desta perícope, é imprescindível compreender o significado da Primeira Besta, descrita na perícope anterior. Sobre isso, detalharei em separado, no item “O Contexto Imediato”.

Os Apocalipses são desenvolvidos em uma época de opressão. No caso concreto do Apocalipse de João, este foi escrito no ano 95, segundo geralmente se pensa. Nesse tempo, Domiciano exigia o “culto imperial” ainda mais que seus predecessores Vespasiano e Tito. É neste contexto histórico onde devemos buscar o verdadeiro significado dos simbolismos empregados por João.

 

NUMEROLOGIA APOCALÍPTICA

Todos os números usados no Apocalipse têm um significado específico. Conhecê-los ajuda a entender os símbolos do texto. Para interpretar a perícope que nos interessa, convém conhecer os seguintes:

Número / Significado

2 – Usado para dar solidez, para reforçar; p.ex.: 2 testemunhas, 2 chifres

3 – Perfeição

6 – Um a menos que o 7; significa imperfeição

7 – Plenitude

666 – 3 vezes 6, isto é, a perfeita imperfeição, a imperfeição plena

 

A PERÍCOPE

O falso profeta a serviço da Besta (Ap. 13,11-18)

(11) Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão. (12) Toda a autoridade da primeira Besta, ela a exerce diante desta. E ela faz com que a terra e seus habitantes adorem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido curada. (13) Ela opera grandes maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu sobre a terra, à vista dos homens. (14) Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da Besta, ela seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma imagem em honra da Besta que tinha sido ferida pela espada, mas voltou à vida. (15) Foi-lhe dado até mesmo infundir espírito à imagem da Besta, de modo que a imagem pudesse falar e fazer com que morressem todos os que não adorassem a imagem da Besta. (16) Faz também com que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebam uma marca na mão direita ou na fronte, (17) para que ninguém possa comprar ou vender se não tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome.

(18) Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois é um número de homem: seu número é 666!

 

DELIMITAÇÃO

Contexto Imediato

A perícope de “O falso profeta a serviço da Besta” está delimitada pelas perícopes “O Dragão transmite seu poder à Besta” (12,18-13,10) e “Os resgatados do Cordeiro” (14,1-13).

O Dragão transmite seu poder à Besta (12,18-13,10)

Nesta perícope, João vê surgir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças, e em seus chifres dez diademas, e em suas cabeças títulos blasfemos. A besta do mar era semelhante a uma pantera com patas de urso e mandíbulas de leão, e recebeu do Dragão seu poder, seu trono e grande poderio (cf. 13,1-3). As pessoas se prostravam perante o Dragão e a besta, a quem adoravam (cf. 13,4-8). João conclui advertindo: “Se alguém tem ouvidos, ouça: se alguém está destinado à prisão, irá para a prisão; se alguém deve morrer pela espada, é preciso que morra pela espada” (13,9-10).

“O mar” é, na literatura oriental, um elemento associado ao caos, ao abismo, à rebelião. A descrição da besta é semelhante à visão das quatro bestas de Dan. 7,3-8. Ao situar o texto em seu contexto histórico, o mais coerente é relacionar esta besta que surge do mar com o Império Romano, de grande poderio e avassaladora extensão, protótipo de todos os poderes que se levantarão contra a Igreja através dos séculos.

Os dez chifres e as dez diademas representam dez reis romanos. As sete cabeças com títulos blasfemos simbolizam sete imperadores. Deve-se notar que os números usados são símbolos de totalidade.

O poder da besta se estende sobre toda raça, povo, língua e nação, e provém do Dragão. Da mesma forma, o Império Romano ia se expandindo cada vez mais. O versículo 3 menciona uma cabeça ferida de morte, porém curada, a qual pode ser uma alusão a um momento certo em que o Império Romano se viu em perigo, porém subsistiu. Outros autores preferem entender aqui uma menção à lenda segundo a qual Nero, após suicidar-se, regressaria para tomar o poder de Roma.

A Besta profere com sua boca blasfêmias contra Deus, move guerra aos santos, é adorada por todos os habitantes da terra cujos nomes não estão escritos, desde a Criação do mundo, no livro do Cordeiro imolado. O Império Romano perseguia ardentemente os cristãos pelo fato destes, por sua única fé em Cristo Jesus, negarem-se a prestar culto tanto ao Império quanto a César.

Esta situação de rejeição a Deus e cruel perseguição requer “a paciência e a fé dos santos”.

Entender que esta besta do mar represento o Império Romano é, talvez, a pista mais sólida para se entender a segunda besta, surgida da terra, como explicarei a seu tempo.

Os resgatados do Cordeiro (14,1-13)
Nesta perícope, João encontra um cordeiro sobre o monte Sião e com ele 144 mil [pessoas], que têm escrito na fronte o nome do Cordeiro e o nome de seu Pai.

Uma interpretação fundamentalista e errônea deste número, como a proposta pelos Testemunhas de Jeová, pretende assegurar que apenas 144 mil almas irão para o céu. Nada mais equivocado!

Aos partidários da besta, marcados com seu nome, João opõe os seguidores do Cordeiro, agrupados de forma simbólica em Sião, Jerusalém, a Cidade Santa eleita por Deus. Eles representam o novo Israel. O número 144 mil equivale a 12 x 12 x 1000, que significa o exagero de um número que representa a totalidade e não uma quantidade como tal. Fala dos resgatados, isto é, dos que alcançaram a salvação. As qualidades destes resgatados, segundo a perícope, são: homens que não se mancharam com mulheres, são virgens; seguem o Cordeiro aonde quer que ele vá; foram resgatados dentre os homens; são primícias para Deus e para o Cordeiro; não se encontrou falsidade e sua boca; não possuem mancha (cf. Sal. 30). É significativo o fato de serem “primícias”, razão porque se pode pensão que não se trata neste caso de todos os redimidos, mas um grupo representativo; provavelmente aqueles que já tinham dado a sua vida pela fé.

Contexto Imediato

A perícope em quentão está contida na primeira parte, “Os Prelúdios do ‘Grande Dia’ de Deus”, do segundo título do Apocalipse, “As Visões Proféticas”, que é composta pelas seguintes perícopes:

– Deus entrega o destino do mundo ao Cordeiro (4-5)

– O Cordeiro abre os sete selos (6)

– Os que servem a Deus serão preservados (7,1-8)

– O triunfo dos eleitos no céu (7,9-17)

– O sétimo selo (8,1)

– As orações dos santos apressam a vinda do Grande Dia (8,2-5)

– As quatro primeiras trombetas (8,6-13)

– A quinta trombeta (9,1-12)

– A sexta trombeta (9,13-21)

– A iminência do castigo final (10,1-7)

– O livrinho doce e amargo (10,8-10)

– As duas testemunhas (11,1-13)

– A sétima trombeta (11,14-19)

– Visão da Mulher e do Dragão (12,1-17)

– O Dragão transmite seu poder à Besta (12,18-13,10)

– O falso profeta a serviço da Besta (13,11-18)

– Os resgatados do Cordeiro (14,1-13)

– A ceifa e a vindima das nações (14,14-20)

– O cântico de Moisés e do Cordeiro (15,1-4)

– As sete pragas das sete taças (15,5-16,21)

 

PERSONAGENS

João

O autor do Apocalipse se dá a conhecer como João (1,1.4.9; 22,8), um homem que, devido à sua fé cristão, sofria o exílio na ilha de Patmos, uma colônia penal de Roma. Ainda que pese o seu nome, é difícil imaginar que o autor deste livro seja o Apóstolo João, o mesmo (ou os mesmos) autor(es) do quarto Evangelho ou das cartas joanéias. O mesmo não fala de si como Apóstolo, nem como autor destes outros textos. Alguns Padres da Igreja o identificaram com o Apóstolo, certamente pela afinidade do nome, inclusive Justino, Ireneu, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Hipólito. No entanto, outros como Eusébio de Cesaréia, Cirilo de Jerusalém e, inclusive, Gregório Nazianzeno e João Crisóstomo, negaram esse fato. O vocabulário, a gramática e o estilo apontam dúvidas de que o Apocalipse tenha sido composto pelas mesmas pessoas responsáveis pelos demais escritos neotestamentários firmados por “João”. Por outro lado, existem semelhanças lingüísticas e afinidades teológicas com o quarto Evangelho que permitem supor que o autor do último livro da Bíblia possa ter sido discípulo de João Apóstolo.

Nesta perícope, João mostra-se como o receptor de uma nova visão, onde contempla a segunda Besta.

A primeira Besta – Como explicado anteriormente, o autor do Apocalipse representa o Império Romano com o símbolo da besta surgida do mar.

A segunda Besta – Surgida da terra, a partir desta perícope, o Apocalipse se referirá a ela como “o falso profeta”, que está a serviço da primeira Besta, ou seja, do Império Romano.

Os habitantes da terra – Todos os habitantes da terra são seduzidos pela Besta.

Aqueles que não adoram a primeira Besta – Entendendo que a primeira Besta é o Império Romano, resta evidente que aqueles que não adoram a primeira Besta são os cristãos, que desacatavam o mandato do Culto Imperial, que implicava adorar o “Divus Caesar” (=Divino César) e a “Dea Roma” (=Deusa Roma).

O homem inteligente – Assim qualifica João àquele que sabe calcular a cifra de Besta.

 

INTERPRETAÇÃO DA PERÍCOPE

(11) Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres como um Cordeiro, mas falava como um dragão.

O chifre é símbolo de autoridade no Apocalipse. Vemos que aquele que está simbolizado pela Besta da terra tinha dois chifres, ou seja, tratava-se de alguém com suma autoridade.

(12) Toda a autoridade da primeira Besta, ela a exerce diante desta. E ela faz com que a terra e seus habitantes adorem a primeira Besta, cuja ferida mortal tinha sido curada.

Compreendendo que a primeira Besta é o Império Romano, fica fácil entender que a segunda Besta é o símbolo apocalíptico de um ministro de Roma e que, como explicava há pouco, era alguém que possuía a suma autoridade. Podemos pensar, pois, que se trata de um imperador. Um imperador que tinha a missão do Império de assegurar sua legendária extensão territorial fazendo “com que a terra e seus habitantes adorem a primeira Besta”.

(13) Ela opera grandes maravilhas: até mesmo a de fazer descer fogo do céu sobre a terra, à vista dos homens.

Notamos aqui um sinal de alerta contra as seduções da idolatria, conforme a segunda redação da Lei de Moisés. O Deuteronômio ordena que se surgir um profeta que proponha um sinal ou um prodígio e pede para que sirva outros deuses desconhecidos, tal profeta não deve ser ouvido (cf. Deut. 13,2-4)

O próprio Cristo previne sobre a vinda desses falsos profetas que arrastam seus seguidores para a perdição (cf. Mat. 24,24). É interessante observar que esta prevenção (e predição) de Cristo está contida em seu Discurso Escatológico, ou seja, em um texto eminentemente apocalíptico.

O mesmo se dá na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, onde Paulo antecipa que a vinda do “Ímpio” estará assinalada pelo influxo de Satanás, com toda classe de milagres e prodígios. Todo tipo de maldades acabarão por seduzir aos que não tenham aceitado o amor da verdade salvadora (cf. 2Tes 2,9-10). Outra passagem apocalíptica.

Fica evidente o paralelo dessas três passagens com este versículo do Apocalipse.

(14) Graças às maravilhas que lhe foi concedido realizar em presença da Besta, ela seduz os habitantes da terra, incitando-os a fazerem uma imagem em honra da Besta que tinha sido ferida pela espada, mas voltou à vida.

O Espírito de Deus era o que realizava prodígios na Igreja para provocar a fé em Cristo; a segunda Besta imita o Espírito, como a Serpente, e a primeira Besta imitam o Pai e o Filho. Assim, pois, o Dragão, a primeira e a segunda Besta são uma caricatura anti-ética da Trindade: Pai-Filho-Espírito Santo X Dragão-Primeira Besta-Segunda Besta.

(15) Foi-lhe dado até mesmo infundir espírito à imagem da Besta, de modo que a imagem pudesse falar e fazer com que morressem todos os que não adorassem a imagem da Besta.

Os cristãos sempre rejeitaram o culto ao Império e a César. Vemos aqui que a segunda Besta exterminava os cristãos, era um forte perseguidor destes. Isto vai jogando luz à dedução de seu nome; Trata-se, pois, de um imperador romano que perseguiu encarniçadamente os cristãos.

(16) Faz também com que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos recebam uma marca na mão direita ou na fronte,

A tatuagem na mão e na fronte faz pensar no “culto imperial”.

Mais adiante, um anjo advertirá que aquele que tenha a marca na fronte ou na mão beberá do vinho do furor de Deus (cf. 14,9). Igualmente, sobrevirá uma úlcera maligna sobre os que tenham feito a marca (cf. 16,2). E quando a Besta for capturada, sera lançada viva junto com os que fizeram a marca no lago do fogo que arde com enxofre (cf. 19,20). Sem dúvida, tudo isto é simbolismo, mas resta óbvio a deplorável atitude daqueles que optam por seguir a Besta.

Ao contrário, todos os que não adoraram a Besta, nem fizeram a marca na mão ou na fronte, ou seja, os que não fizeram obras segundo a Besta, nem a aceitaram em sua mente ou atitude, reviverão e reinarão mil anos com Cristo (cf. 20,4).

(17) para que ninguém possa comprar ou vender se não tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome.

O fato de não ter a marca da Besta é motivo de privação das atividades cotidianas no Império Romano e, pior ainda, é motivo de privação de direitos jurídicos e civis.

(18) Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois é um número de homem: seu número é 666!

Ao invés de fornecer o nome da Besta, João usa uma cifra – 666 – e explica que deve ser calculada. Para totalizar 666, há uma grande quantidade de combinações. A base de onde deve se partir este cálculo é o fato de que em grego e hebraico as letras do alfabeto têm valor numérico, já que estas línguas careciam de numerais. A opinião mais aceita entre os exegetas – com a qual concordo pessoalmente – é que João está se referindo a Nero, já que seu nome em hebraico é NRWN QSR (Nerón César), recordando que no hebraico não se escrevem vogais entre as consoantes (e os pontos vocálicos, que de qualquer forma não têm valor numérico, foram adaptados vários séculos depois da escritura do Apocalipse) e as equivalências numéricas são:

letra/nome hebraica – equivalente – valor

Nun – N – 50

Resh – R – 200

Waw – W – 6

Nun – N – 50

Qoph – Q – 100

Samekh – S – 60

Resh – R – 200

SOMA = 666

Em grego, a soma dá 616, motivo pelo qual algumas versões da Bíblia, muito poucas, usam esta outra cifra. Neste caso, 616 não significa “César Nero”, mas “César Deus”. Como quer que seja, tudo parece coincidir com muita força para crer que a passagem se refere a Nero, um dos mais radicais perseguidores dos cristãos, que entre seus “ingeniosos” tormentos, mandava amarrar os cristãos em postes (crux simplex certamente) nos jardins de seu palácio e os fazia arder em chamas, para que servissem de tochas de iluminação.

Devemos recordar, ademais, que o 6 é um número usado para representar a imperfeição, por vir logo atrás do 7, que significa a plenitude. O fato de ser repetido três vezes o número 6 é significativo, pois o 3 é símbolo da perfeição. Repetir 3 vezes um adjetivo equivale ao máximo superlativo possível. Portanto, repetindo três vezes o 6 – 666 – ou seja, “três vezes imperfeito”, “totalmente imperfeito”, equivale de maneira anti-ética o “três vezes Santo”, “Santo, Santo, Santo”, usado para se elevar ao máximo a exaltação da santidade de Deus, o “Todo Santo”.

 

ATUALIZAÇÃO

Falsos profetas, perseguidores do Cristianismo e seduções materiais e pagãs sempre atentarão todos os habitantes do mundo. No entanto, os fiéis cristãos que se mantiverem com paciência na fé, superarão essas provas.

 

CONCLUSÃO

Quem leu este artigo buscando encontrar pistas ou, inclusive, nomes concretos de supostos anticristos contemporâneos, deve ter ficado decepcionado. A apocalíptica é um gênero difícil de ser compreendido em razão da grande quantidade de simbolismos que emprega. No entanto, conhecendo as chaves corretas de atualização e familiarizando-se com os textos de Ez. e Dan., acaba por facilitar o entendimento do Apocalipse.

O hebraico, por carecer de numerais, emprega as letras de seu alfabeto com fins aritméticos. Desta forma, o nome de Néron César, escrito com caracteres hebraicos, coincide, em seu valor numérico, com a cifra 666.

O Apocalipse, sendo escrito no contexto da perseguição cristã pelo Império Romano, encontra o verdadeiro significado de seus símbolos nessa situação histórica concreta. Não obstante, o sentido e o ensinamento do texto são escatológicos. Por isso, se devemos aplicar algo do livro em nossos tempos – que tantas vezes colocam à prova nossa conduta cristã – é o ensinamento de fé e esperança desenvolvido no texto, mais do que pretender empregar os símbolos usados no texto como referências a eventuais cataclismas que deveremos sofrer.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

Edição Brasileira da Bíblia de Jerusalém. Paulinas, São Paulo, 1991.

The New American Bible. Catholic Bible Press, Nashville, 1987.

Carrillo, S., El Apocalipsis. Instituto de Pastoral Bíblica, México, 1998.

Nutting, M., And God Say What?. Paulist Press, New York, 1986.

Yates, K. Nociones Esenciales del Hebreo Biblico. Harper & Row Publishers, New York, 1984.

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