A Divina Estrutura da Igreja

A Igreja, fundada por Cristo, tem uma estrutura essencialmente divina. Os integrantes da obra de Jesus são criaturas humanas que vivem no tempo. Para os homens entenderem a mensagem sobrenatural, esta se reveste de uma roupagem que a torna mais inteligível às pessoas, em um determinado momento histórico. Lícita e necessária essa adaptação, contanto que não atraiçoe a instituição salvífica deixada pelo Salvador. Essas alterações devem apenas expressar, de maneira mais adequada, o que caracteriza a obra do Senhor.

Há exemplos de legítimas mudanças relatadas na História Eclesiástica. Assim, recentemente, a Liturgia, na oportunidade do Vaticano II, era essencialmente contemplativa: o povo não entendia o latim. Isso não impedia a adoração silenciosa que manifestava a grande comunhão com Deus, Uno e Trino, e com a Igreja. Diante de alguns rigorismos em matéria não essencial, o Espírito Santo, que dirige a Igreja, fez suscitar, no Concílio, não só modificações, mas, acima de tudo, verdadeira renovação do espírito e expressões, tanto pelo uso do vernáculo, como por outras formas participativas.

Surge a pergunta: quais os elementos da Igreja que não podem ser alterados, nem mesmo por ela própria? São aqueles que afetam a estrutura divina pois constituiriam desvio ou abuso, sempre fadados ao insucesso, além de gravemente danosos à comunidade.

A resposta nos vem pelo próprio Jesus. Ele nos ensinou que é fundamental sua atitude de amor e adoração ao Pai, como o Absoluto, a Fonte e Meta. Ele é o Filho encarnado. Quem não O recebe, rejeita o próprio Pai (cfr Mt 10,40). A tessitura básica que Jesus comunicou à sua Igreja é a radical e amorosa obediência ao Pai, que O enviou (cfr Jo 6,38-40). Toda sua autoridade decorre de ser um com Ele. Assim, envia o Espírito Santo e estabelece ministros munidos do poder que vem do Alto. Eles estão revestidos de tal forma por Jesus, que este pode dizer: “Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe ao que me enviou” (Mt 10,40 cfr Lc 10,16). Evidentemente, há também uma misteriosa identificação entre Jesus e cada cristão. Entretanto, com seus apóstolos e ministros ordenados esse reconhecimento toma uma forma inteiramente nova. Por isso, o Ressuscitado a eles se dirige da seguinte forma: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes os pecados, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20,22s). Com essa firmeza, São Paulo, sem consultar a comunidade, excomunga um pecador público (1 Cor 5,5). Com essa mesma autoridade, ele condena aquele que tentara mudar a doutrina recebida dos apóstolos (Gl 1,9): “Se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!”

Nos anos após o Vaticano II, à expressão conciliar “Povo de Deus” era dada uma interpretação errônea. Por isso, o Sínodo dos Bispos de 1985 e vários documentos emanados da Santa Sé, esclareceram, sem sombra de dúvida, que o “Povo de Deus” não é conceito jurídico, no sentido de uma sociedade democrática, na qual o poder dos ministros sagrados lhes seria dado por delegação dos fiéis. A comunidade eclesial não se compara com esse regime político. Ela é mistério, comunhão que tem suas raízes na Santíssima Trindade. São Paulo insiste em seu múnus apostólico. Ele não lhe vem dos cristãos mas lhe foi conferido por Cristo: “Em nome de Cristo exercemos a função de embaixadores e, por nosso intermédio, é Deus mesmo que vos exorta” (2 Cor 5,20).

Hoje, ora de modo explícito, ora camuflado, surgem doutrinas que tentam nivelar tudo na Igreja, tanto no campo doutrinal como no poder sacramental dos ministros. O mesmo se diga de sua primordial tarefa de ser princípio de unidade e identidade na Igreja, em cada comunidade.

Recentemente, em uma assembléia de representantes de entidades católicas, foi apresentado um “organograma” em que se colocavam em plena igualdade bispos, sacerdotes, diáconos e leigos. Tal perspectiva de Igreja contradiz a original estrutura, segundo a qual os bispos, em união com o Papa e os presbíteros, diáconos em comunhão com o Bispo, se constituem princípio de unidade. Eles são pastores em nome e na autoridade de Jesus Cristo e não por delegação de suposta base. Neste caso, estaria caracterizada uma traição ao que é ensinado pela Igreja. Repete a trágica experiência de passado não remoto. Embora possivelmente com boas intenções, os reformadores não conseguiram preservar a sucessão apostólica, isto é, a plena identidade com a Igreja dos Apóstolos.

Algo análogo ocorre com certos ministros, em matéria de Liturgia. Esta foi entregue por Jesus, não a um sacerdote ou a um bispo, mas à Igreja, Esposa do Senhor, como um todo. Por isso, ninguém – sacerdote ou bispo – pode, a seu gosto ou por interpretação particular, mudar a liturgia. Somente a Igreja, como um todo, pelo Papa ou Concílio Ecumênico, pode fazer alterações não explicitamente previstas pelo Magistério. Qualquer outra atitude é afronta à estrutura divina da Igreja. O subjetivismo ou arbitrariedade em matéria litúrgica não expressa a vontade de Deus, pois a Liturgia foi entregue à Igreja, como supremo culto ao Divino Esposo.

Esse nivelamento das funções divinamente outorgadas aos Pastores é um retrocesso e um desvio que geram atritos e desuniões. Nenhuma inovação que afete a natureza da Igreja pode ser aceita, pois atinge a divina estrutura. É oportuno, portanto, em nossos dias, devido a confusões em várias matérias, estar sempre atentos às inovações que possam ser apresentadas, destruindo e jamais construindo a verdadeira Igreja do Cristo.

** artigo publicado originalmente no extinto site Ictis.

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