A elegância cristã: uma amostra do caráter

Publicado em: Blog En Garde!

A elegância é uma virtude. O que é belo deve expressar uma realidade maior: a beleza de Deus, o Sumo Belo. Por isso a Liturgia é bela (quando bem celebrada), por isso os cantos gregorianos são tão angélicos, por isso as igrejas góticas são tão magnificamente arquitetadas: toda esta beleza quer fazer pensar em Deus.

Com a queda de nossos primeiros pais e a entrada do pecado no mundo, os sentidos humanos ofuscaram-se. Foi perdido aquele dom preter-natural da pureza dos sentidos. Por isso adão sente vergonha de Eva, e Eva de Adão: sua visão ofuscada não conseguia enxergar a imagem de Deus além da criatura e via somente o corpo nu do outro.

A beleza é um ideal a ser alcançado. Não por vaidade, nunca por soberba: para manifestar a Beleza de Deus.

Em primeiro lugar, e antes de tudo, a beleza do caráter. Ter hábitos cristãos, solidez e firmeza, costumes sóbrios, seriedade, pés no chão e olhos no céu. A “elegância da alma” deve ser uma luta diária, uma cruzada constante: dia após dia, vencendo o pecado… dia após dia.

Mas a beleza do caráter não pode ficar escondida. Os cristãos devem dar mostras externas de sua ordem interior, da beleza de sua alma. A Sagrada Escritura nos aconselha estas demonstrações externas da beleza interior:

“Pelo semblante se reconhece um homem; pelo seu apsceto se reconhece um sábio” (Eclesiástico 19,26).

O Livro do Eclesiastes, aquele mesmo que condena repetidas vezes a vaidade, ensina:

“A sabedoria de um homem ilumina-lhe o semblante e a severidade de seus traços é modificada por ela” (Eclesiastes 8,1).

É preciso, pois, para entender o que é a “elegância cristã”, ter primeiro bem claro que seu objetivo não é a satisfação egoísta das vaidades próprias – a elegância cristã não é narcisista – mas sim a demonstração exterior de algo que parte de dentro: é a beleza da alma que se reflete no corpo, é a criatura tentando manifestar um pouco da Suma Beleza do Criador. Esse objetivo transcendente da “elegância cristã” a liberta completamente de qualquer viés egoísitico, vaidoso ou soberbo, e a transporta para um outro nível: o nível em que a elegância é uma virtude, pois quer elevar a Deus.

São Josemaría Escrivá, a respeito, ensinava com palavras fortes:

“Oxalá fossem tais o teu porte e a tua conversação que todos pudessem dizer, ao ver-te ou ouvir-te falar: ‘Este lê a vida de Jesus Cristo'” (Caminho, n.2).

Note-se como o Santo relaciona os sentidos da visão e da audição ao sentimento de Cristianismo: à simples visão ou audição de uma pessoa, seria possível discernir nela Jesus Cristo! E esta manifestação de Cristo no cristão se dá pelo porte e pela conversação: o que manifestaria Nosso Senhor no porte e na conversação dos homens se não um senso elegância avesso à vulgaridade dos inimigos de Cristo?

Por isso, São Josemaría adiciona a este seu conselho sobre a graça no porte e no falar:

“Gravidade. – Deixa esses meneios e trejeitos de mulherzinha ou de moleque. – Que o teu porte exterior seja o reflexo da paz e da ordem do teu espírito” (Caminho, n.3).

O porte exterior deve manifestar, portanto, a paz e a ordem do espírito. O porte exterior elegantemente cristão não deve manifestar a vaidade e a soberba própria, não admite “trejeitos de mulherzinha ou de moleque”, frutos de uma mente imatura e desordenada.

O porte exterior elegantemente cristão transcende a isso, refletindo antes de tudo a paz e ordem interior do espírito ordenado.

Há aí, pois, uma diferença fundamental entre a mera e vulgar vaidade e o ideal da “elegância cristã”.

Na Carta “O Homem revelado por Cristo” (Fevereiro de 2004), o Padre Marcial Maciel, Fundador dos Legionários de Cristo e do Movimento Regnum Christi, fala a todos os mebros do Movimento sobre a elegância cristã, baseada no pudor e na modéstia, buscando na beleza um valor transcendental, e não a mera satisfação de vaidades egoísticas:

“O pudor e a modéstia são virtudes que levam o cristão a se conduzir sempre de acordo com a sua dignidade de filho de Deus, particularmente no cuidado do próprio corpo e na maneira de se vestir. É verdade que ‘o hábito não faz o monge’, mas o cristão testemunha a plenitude do homem novo, de que se revestiu no dia do batismo, ao manifestar quem é e ao refletir de certa forma o talante da própria personalidade no modo de se apresentar: com bom gosto, mas sem ostentação; com discreta elegância e dignidade, com o respeito e o pudor que protege o mistério da pessoa e do amor, e com essa simplicidade que deixa transluzir espontaneamente a riqueza e a beleza do coração (cf. Col 3,9-17).

Longe de sentimentos de repressão, de tabus ou preconceitos moralistas, como alguns podem pensar, esta virtude nasce da consciência de que a nossa alma, desde o batismo e sempre enquanto permanecer em estado de graça, é templo do Espírito Santo, e de que o corpo adquire, de certo modo, um caráter ‘sagrado’, capaz de refletir toda a riqueza de que é portador. ‘Não sabeis —dirá São Paulo— que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós e que recebestes de Deus, e que não vos pertenceis? Fostes bem resgatados! Glorificai, portanto, a Deus no vosso corpo’ (1Cor 6,19-20).

Esta visão cristã do corpo se opõe de frente à tendência cultural predominante, que, por causa de uma liberdade mal entendida e da permissividade dos costumes, estabeleceu um culto ao corpo, narcisista e alienante, que endeusa valores estéticos despojados do seu conteúdo ético e raia às vezes no mau gosto, na vulgaridade e no absurdo. Certos costumes no vestir e no penteado, certas maneiras de tratar o próprio corpo, embora na moda, escondem ou até deformam a beleza mais original da pessoa; e atentam, portanto, contra a dignidade de um homem e de uma mulher que se professam cristãos. Poderiam parecer detalhes nímios ou periféricos, mas não é verdade que às vezes precisamos de uma grande dose de renúncia para não ceder à pressão das ideologias dominantes e aos reclames de determinadas modas, guiadas mais por parâmetros comerciais e hedonistas do que pelos critérios do Evangelho?”

A busca da elegância, pois, deve figurar entre os ideais do bom cristão. Mas sempre – sempre! – como uma amostra de um caráter firme, baseado em sólidos princípios cristãos, transcendendo à reflexão da beleza de Deus.

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