A perene virgindade de Maria

O Santo Padre Paulo VI instituiu o dia 1º de janeiro de cada ano como a Solenidade de Maria, Santa Mãe de Deus, para que todos tivéssemos a oportunidade de meditar em nosso coração as grandezas de tão sublime mistério: Deus escolheu uma virgem, filha de Sião, colega nossa na humanidade, para que fosse a Mãe do próprio Deus humanado, e para que, através dela, viesse a salvação e a graça ao mundo inteiro.

Jesus Cristo, o Filho de Maria, é Deus e homem verdadeiro. Embora seja Deus e homem, não são dois, mas um só Cristo. Emanuel, Deus-conosco, possui duas naturezas, a divina e a humana, unidas em uma só Pessoa: Jesus Cristo Nosso Senhor. Sendo Maria a verdadeira Mãe de Jesus, ela pode e deve com toda a justiça ser chamada “Mãe de Deus”, porque não se pode separar a natureza humana da natureza divina na pessoa do Cristo. Como advertiu o Apóstolo João, “todo espírito que divide Jesus não é de Deus, mas é um anticristo” (1Jo 4,3).

“Quem narrará a sua geração?” (Is 53,8), pergunta o profeta Isaías, referindo-se ao Messias que haveria de vir. Com efeito, tudo na geração humana e carnal de Jesus é milagroso e sobrenatural. “Uma virgem conceberá e dará à luz um Filho e o seu nome será Emanuel” (Is 7,14). O que haverá de mais admirável do que uma virgem conceber sem o sêmen do varão? Como esclareceu o anjo a José: “o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo” (Mt 1,20). O Senhor Jesus, por seu nascimento virginal, é comparado à “pedra que se desprendeu dum monte sem intervirem mãos humanas” (Dan 2,34), referida na profecia de Daniel, a qual “tornou-se um grande monte que encheu toda a terra”(Dan 2,35).

O fato de Jesus ter sido concebido por uma Virgem ilustra bem o Mistério da Encarnação, que está no centro da nossa Fé cristã: “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14). Efetivamente, Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, sem confusão de naturezas, nem divisão da Pessoa. Ao fazer-se homem, nada perdeu da divindade e, sendo Deus, assumiu em sua integridade a natureza humana. Para mostrar que era um homem, quis nascer de uma mulher; mas para assinalar que era Deus, quis nascer de uma virgem.

Gerando o Filho de Deus por obra do Divino Espírito Santo, Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto. Jesus Cristo nasceu sem ferir sequer de leve a integridade virginal de sua Mãe, do mesmo modo como, mais tarde, Ele entrou na casa em que se encontravam seus discípulos, embora estivessem fechadas as portas (cf. Jo 20,19). Jesus é Deus e para Ele “nada é impossível” (Lc 1,37).

Mais valiosa ainda que a virgindade carnal de Maria, foi sua virgindade espiritual: Maria era virgem do pecado. Redimida de modo mais sublime, em vista dos méritos de seu Divino Filho, foi ela por Deus preservada do pecado original e cumulada da graça do Espírito Santo desde o momento de sua concepção. “Ave, cheia de graça!” (Lc 1,28), assim lhe saudou o Arcanjo Gabriel. Maria soube ser fiel a esta graça durante toda a sua vida, identificando inteiramente sua própria vontade com a vontade de Deus. Por isto, é ela a “Serva” por excelência: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

Em tudo obediente aos preceitos de Deus, esta Virgem sem pecado e cheia de graça ensina aos discípulos de seu Filho o caminho da obediência: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). É por isso que o espírito da desobediência e da rebelião tem tanto ódio de Maria e de seus filhos: “O dragão irou-se contra a Mulher e foi fazer guerra aos outros seus filhos, que guardam os mandamentos de Deus e retêm a confissão de Jesus Cristo” (Apoc 12,17).

Dessa virgindade espiritual de Maria é que decorre a sua virgindade carnal: preservada do pecado original por graça de Deus onipotente, estava isenta da pena do pecado: “darás à luz entre dores” (Gen 3,16). Maria deu à luz Jesus, o Filho de Deus, sem sofrer dor de espécie alguma, pois o nascimento de Cristo não lhe feriu, mas sagrou a sua integridade virginal. Porém, toda a dor que Maria não sofreu no parto, sofreu aos pés da Cruz, suportando no coração tudo o que seu Filho suportava na carne: “Ó vós todos que passais pelo caminho, atendei e vede se há dor semelhante à minha dor” (Lam 1,12). Como profetizou Simeão: “uma espada trespassará a tua alma” (Lc 2,35).

Os nossos irmãos protestantes, supondo que agradam ao Filho desonrando sua Mãe, afirmam que Maria deixou de ser Virgem depois do parto do Senhor e, citando os irmãos de Jesus referidos no Novo Testamento, deduzem que ela teria tido relações sexuais com José. Isso é uma blasfêmia que não tem tamanho. O corpo da Virgem Maria era um verdadeiro sacrário,um templo que por nove meses foi habitado pelo próprio Deus que fez o céu e a terra. Seria um imenso sacrilégio que esse templo fosse possuído sexualmente por homem, por mais justo e santo que ele fosse.

Os irmãos de Jesus, citados nos Evangelhos, eram seus primos. Eram filhos de Maria, mulher de Cléofas. Seus nomes podem ser identificados nos Evangelhos: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?” (Mc 6,3); ?Não se chama a sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, José, SimãoJudas?” (Mt 13,55). Porém, não se diz aqui que Tiago e José fossem filhos da Mãe de Jesus. O que sempre se entendeu é que Tiago, José e os demais fossem filhos de Maria de Cléofas e primos de Jesus.

São João conta que eram três Marias ao pé da Santa Cruz:

“Estavam de pé junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas,Maria Madalena.” (Jo 19,25).

Por sua vez, São Mateus diz que, entre as mulheres que se achavam ao pé da Cruz, “estava Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu” (Mt 27,56). São Marcos diz que “estava Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago menor e de José, e Salomé” (Mc 15,40). Salomé era a mãe dos filhos de Zebedeu: João e Tiago maior. A outra Maria, mãe de Tiago menor e de José, seria a mulher de Cléofas, que também se chamava Maria, mencionada por João em seu Evangelho.

Dos irmãos de Jesus, dois se tornaram Apóstolos: Tiago e Judas Tadeu. Havia dois Apóstolos com o nome de Tiago: Tiago maior, o irmão de João, ambos filhos de Zebedeu, e Tiago menor, o irmão do Senhor, filho de Alfeu. Que Tiago, irmão do Senhor, seja o Apóstolo Tiago, filho de Alfeu, se deduz da Epístola aos Gálatas, em que Paulo escreve que “dos outros Apóstolos não vi nenhum, senão Tiago, irmão do Senhor” (Gál 1,19). Alfeu e Cléofas designam a mesma pessoa, pois ambos são formas gregas do nome aramaico Claphai.

Que o Apóstolo Judas Tadeu seja irmão de Tiago se conclui de Atos 1,13, em que, na relação dos Apóstolos, se faz menção a “Judas, irmão de Tiago”. Tiago e Judas, irmãos do Senhor, são autores de duas das Epístolas do Novo Testamento.

É preciso entender que as Sagradas Escrituras chamam de irmãos não somente os filhos de um mesmo pai, ou de uma mesma mãe, mas quaisquer parentes próximos. Os povos antigos tinham uma noção de família patriarcal, bastante diversa, em certos aspectos, da nossa moderna noção de família nuclear (pai, mãe, filhos). Na grande família patriarcal, todos os que se encontravam ligados por laços de parentesco eram considerados membros de uma mesma família e, portanto, podiam chamar-se de irmãos.

Lot, por exemplo, não era senão o sobrinho de Abraão (cf. Gen 12,5), mas a Escritura o chama de irmão, nesta passagem: “E Abrão, tendo ouvido que Lot, seu irmão, ficara prisioneiro…” (Gen 14,14). Jacó era sobrinho de Labão (Gên 28,2), mas este lhe chama de irmão em Gên 29,15: “Acaso, porque és meu irmão, me servirás de graça?” Jacó, também, quando encontrou a bela Raquel, filha de Labão, “declarou que era irmão de seu pai” (Gên 29,12) quando era de fato seu sobrinho.

No Levítico, depois que Nadab e Abiu, filhos de Aarão, foram mortos por castigo, Moisés chamando os primos dos que faleceram, “Misael e Elisafan, filhos de Oziel, tio de Aarão, disse-lhes: ‘Ide, tirai vossos irmãos de diante do santuário'” (Lev 10,4).

Jesus Cristo é o único Filho carnal de Maria. Todavia, a maternidade espiritual da Virgem se estende a todos os que, renascendo “da água e do Espírito Santo” (Jo 3,5), configuram-se a seu Filho pelo Batismo. Assim como Jesus Cristo é o Novo Adão (1Cor 15,45), a Virgem Maria é a Nova Eva, Mãe de todos os que vivem para Deus em Jesus Cristo ? o nome “Eva” significa “mãe de todos os viventes” (Gen 3,20). Por ter dado crédito à serpente, Eva acarretou maldição e morte ao gênero humano; Maria acreditou nas palavras do Anjo (cf. Lc 1,45), e obteve que aos homens viesse bênção e vida. Por culpa de Eva nascemos filhos da ira (cf. Ef 2,3); por Maria recebemos Jesus Cristo que nos regenera como filhos da graça (cf. Gál 4,4-7).

Foi o próprio Jesus Cristo que, do alto da cruz, enquanto oferecia sua vida e seus sofrimentos para a salvação da humanidade, deixou-nos Maria por Mãe, na pessoa de seu discípulo amado, o Apóstolo João: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26). E a exemplo de João, devemos também nós levá-la para nossa casa (cf. Jo 19,27), isto é, para o nosso coração.

 


 

“À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus;

 

não desprezei nossas súplicas, em nossas necessidades;

 

mas livrai-nos sempre de todos os perigos,

 

ó Virgem gloriosa e bendita!”

PS – Até onde sei, esta é a mais antiga oração mariana depois da “Ave Maria”. Remonta ao século III do cristianismo, tendo sido encontrada no Egito, num pequeno fragmento de papiro.

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