A reação desproporcional das autoridades judaicas ao papa

NOTA DO VS: O seguinte texto do Rabino norte-americano Irwin Kulla, publicado em The Washington Post, é uma defesa do Papa Bento XVI frente às acusações lhe dirigidas pela Mídia e por certos grupos de judeus após o levantamento da excomunhão do Bispo Richard Williamson, da Fraternidade São Pio X. Apesar de algumas imprecisões, oriundas de sua formação não-católica (especialmente no que diz respeito ao ensino da Igreja sobre os Judeus, que não sofreu “mudanças revolucionárias” após o Concílio Vaticano II: apenas foi mais bem explicitado naquilo que sempre foi crido com relação aos destinatários da Antiga Aliança), o Rabbi Irwin Kulla trata com maestria da questão do Bispo Richard Williamson, separando muito bem o que são as opiniões pessoais deste Bispo e o ensino da Igreja e do Papa. O Rabbi Irwin Kulla, apesar de judeu, mostra muito mais sensatez em sua análise – muito inteligente, diga-se de passagem – do que vários católicos que desataram em críticas infudadas ao Santo Padre, após o levantamento da excomunhão do Bispo Williamson. É deveras relevante, também, a crítica do Rabino às reações extremadas de grupos de judeus (como o Grande Rabinato de Jerusalém) à atitude do Santo Padre, reações estas que não consideram a responsabilidade do Sumo Pontífice de sanar as feridas e problemas internos de sua Igreja: o Rabino qualifica esta reação como “terrivelmente exagerada” e sugere: “Que tal dar ao Papa […] um refresco, já que ele está tentando sarar sua própria comunidade”. A análise do Rabbi Irwin Kulla se nos configura, portanto, como de especial importância para a defesa do Papa Bento XVI diante das críticas infundadas que lhe são dirigidas, tanto pela sua sensatez e inteligência, quanto também por provir de um não-católico, judeu, Rabino importante da comunidade judaica americana. Esclarecemos, contudo, que, apesar de concordamos com o conteúdo essencial do texto, não compartilhamos dos qualificativos – a nosso ver, ofensivos – que são por vezes dirigidos a Dom Richard Williamson. Esperamos que o seguinte texto do Rabbi Irwin Kulla sirva para mostrar que ainda resta um pouco de sensatez no mundo, que não se deixa levar pelos ventos sedutores, sensacionalistas e de substância nenhuma que são soprados pela Mídia contra o Papa Bento XVI, em detrimento de sua pessoa e da Igreja Católica.

A Reação Desproporcional dos Judeus ao Papa

A reação oficial da comunidade Judaica à recente decisão do Papa Bento XVI de estender a mão à Fraternidade Sacerdotal São Pio X e revogar a excomunhão (embora sem determinar função) de quatro bispos demostra bem o estado psico-social da liderança judaica americana, ou pelo menos a liderança que diz falar pelos judeus americanos.

As enervantes, senão dolorosas, opiniões sobre a negação do Holocausto, que um desses bispos, o Britânico de nascimento Richard Williamson, um velho mal-humorado, obscuro e irrelevante, emitiu na TV Sueca, evocaram a ira de não mais que a Liga Anti-Difamação, o Comitê Americano Judaico, o ‘B’nai B’rith International’, a Comissão Internacional Judaica para Consultoria Interreligiosa e o Museu Memorial do Holocausto dos EUA. “A decisão prejudica o sólido relacionamento entre Católicos e Judeus”, protestaram. “Estamos chocados que o Vaticano tenha ignorado nossos interesses”, proclamaram.

Haverá “implicações sérias para as relações Católico-Judaicas” e haverá um “custo político para o Vaticano”, ameaçaram. De Israel, o Rabinato Supremo, uma das instituições religiosas mais corruptas nas democracias Ocidentais, entrou na briga colocando em dúvida a iminente visita do Papa a Israel. Todo esse tumulto e esbravejar ansioso sobre um assunto interno da Igreja com relação a esse tipo de elemento: um ranzinza, caprichoso, trivial, desconhecido imbecil – o tio rabugento que te envergonha toda vez que sai em público –  tipo que todos reconhecemos que existe em nossas comunidades.

Como rabino da oitava geração e alguém que perdeu muitos familiares no Holocausto, poderia ser eu, mas essa reação oficial Judaica me parece terrivelmente exagerada. Será que milhões de judeus americanos realmente se importam se o Papa revogou a excomunhão desse bispo desconhecido a ponto das maiores organizações Judaicas devotarem tanta energia e atenção a isso, tornando o fato uma causa célebre digna de primeira página? E é essa a forma com que nos dirigimos uns aos outros depois de décadas de trabalho interreligioso bem sucedido em melhorar nosso relacionamento?

Como a opinião de um bispo mal-humorado que não tem poder nenhum pode evocar gritos de crise nas relações entre Católicos e Judeus apesar das mudanças revolucionárias nos ensinos da Igreja em relação aos Judeus desde o Vaticano II? Onde está a “proporcionalidade”, onde está o “benefício da dúvida” – um imperativo religioso e espiritual central – em resposta a algo que é admitidamente chocante, mas no conjunto é menos que trivial, especialmente dada a visita histórica do Papa a Auschwitz, na qual ele reconheceu, sem ambiguidade, o mal perpetrado aos Judeus no Holocausto e da maneira dele “penitenciou-se” por qualquer contribuição que a distorção dos ensinamentos da Igreja possa ter feito para criar-se condições para que tamanho mal emergisse.

Alguma coisa está fora do lugar aqui. É possível que as lideranças das agências de defesa Judaicas, pessoas com as melhores motivações que historicamente têm feito trabalho de importância crucial na luta contra o anti-semitismo, tenham ficado tão obsecadas por seus papéis de monitores do anti-semitismo, tão assombradas por seus medos não-resolvidos, culpa, e até mesmo vergonha com relação ao Holocausto, e talvez tão guiadas inconscientemente por como essas questões literalmente mantêm suas instituições visíveis, que tenham se tornado incapazes de distinguir entre as opiniões ridículas, tontas e nada dignas de crédito de um bispo sobre o Holocausto e uma Igreja cujo Papa claramente e repetidamente reconheceu o mal feito aos Judeus no Holocausto, pedindo que esse mal nunca fosse esquecido.

Talvez isso merecesse um pouco de compreensão do que deve ser efetivamente administrar uma comunidade espiritual de 1.2 bilhões de pessoas (da qual discordo em muitas questões), tentando criar um senso de unidade da direita para a esquerda, de liberalismo extremo a tradicionalismo extremo – mais ou menos como o liberal Barack Obama convidando Rick Warren, apesar de suas opiniões contundentes sobre a homossexualidade, para proferir a invocação na inauguração. Que tal dar a um Papa, que sabemos que, juntamente com o seu antecessor, está provavelmente entre os mais sensíveis historicamente às questões sobre o anti-semitismo, Holocausto, e sobre o relacionamento com o Judaísmo e os Judeus, um refresco, já que ele está tentando sarar sua própria comunidade. E é possível que o desejo / esperança / necessidade do Papa em reintegrar a Igreja (Ele também se mostrou acessível ao teólogo liberal Hans Küng) pode ser mais importante tanto para a Igreja como para a religião do planeta do que se nós Judeus estamos chateados com o levantamento da excomunhão de um bispo irrelevante.

Nós Judeus gostaríamos de ser julgados pela coisa mais antipática, mais grotesca, mais agressiva e estúpida que algum rabino no mundo dissesse sobre os Católicos ou Cristãos ? Nós Judeus não somos mais organizados no sentido de excomungar e um rabino não pode ser privado da função da forma que a Igreja faz com seu clero, mas certamente há rabinos individualmente que dizem coisas tão absurdas sobre os “outros” que embora os chamemos rabino nós não gostaríamos de ser censurados por assim fazer.

E não será possível que trazer Richard Williamson de volta para o seio da Igreja possa efetivamente influenciá-lo a ver o quão errado está nessa questão, dada a clareza das posições da Igreja frente ao Holocausto e seu compromisso com as relações entre Católicos e Judeus ? Afinal o Papa mesmo disse, “Espero que esse meu gesto seja seguido pelo solícito esforço deles em alcançar os próximos passos necessários para realizar a plena comunhão com a Igreja, assim testemunhando verdadeira fidelidade e verdadeiro reconhecimento do Magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano Segundo”.Não há outra forma de ler isso que não seja concluindo que para ser plenamente reinserido na Igreja Católica, todos aqueles que passaram pelo primeiro teste precisam agora superar o grande obstáculo: ou aceitam o que a Igreja Católica ensina ou permanecem à margem. E o que a Igreja ensina, entre outras coisas, é a necessidade de respeitar os Judeus.

Ademais, não deveria a liderança da agência de defesa Judaica, que tem em sua conta o fato de ser a mais eficiente em seu trabalho em comparação com qualquer outro grupo étnico ou religioso nesse país, tentar entender as categorias internas dos outros, especialmente depois de décadas de diálogo interreligioso e inter-grupal ? Nesse caso, que existe uma diferença entre heresia – uma acusação da qual o Papa está tentando sarar parte de sua comunidade – e estupidez. E qual o custo de não enxergar a diferença entre heresia e estupidez ?

Finalmente, quando o Papa, bem como funcionários-chave do Vaticano disseram, em praticamente 24 horas, que as opiniões de Williamson são “absolutamente indefensáveis” e que nas palavras do próprio Papa, a Igreja sente “plena e indiscutível solidariedade com os Judeus acerca de qualquer negação do Holocausto*”, porque não um pouco de humildade na resposta? Não teria sido interessante, assim como eticamente comovente, para aqueles que inicialmente esbravejaram, ter reconhecido que talvez eles reagiram mal e que eles sabem que a Igreja e especificamente esse Papa são muito sensíveis a estas questões. Mas que pedimos ao Papa e à hierarquia da Igreja que por favor compreendam, justificados que estejamos ou não, que ainda estamos muito expostos e vulneráveis em relação ao Holocausto e por isso lamentamos se reagimos mal e que somos gratos pela reiteração inequívoca do Papa daquilo que sabemos que é sua opinião e ensinamento contemporâneo da Igreja.

Fonte: The Washington Post

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