Ainda sobre o ecumenismo em uma nota da cnbb

Prezado Sr. Marcio Antônio de Campos,

A Paz esteja contigo!

Acabei de ler um artigo de sua autoria publicado nesta página (Sobre o ecumenismo em uma nota da CNBB). Tomo a liberdade para fazer algumas considerações a cerca do que se entende por “ecumenismo” do CV II e sobre a Mortalium Animos de Pio XI.
O decreto Unitatis Redintegratio (UR) sobre o ecumenismo propõe uma “novidade” na Doutrina da Igreja: substituir a prática do ensino (ordenado por Jesus em Mt 28,19 a seus apóstolos) pela do  “diálogo”.

Ensino e diálogo são atividades distintas.

O ensino envolve comunicação UNILATERAL onde um fala e outros escutam. Numa sala de aula, o professor ou mestre é superior aos alunos que o ouvem ATENTOS E CALADOS. O aluno só pode dirigir-se ao professor em caso de dúvida. O aluno expressa uma DÚVIDA, algo que ele não compreende na qual ele (aluno) reconhece sua ignorância. Ele não é livre para expressar seu entendimento no mesmo nível que seu mestre.

Já no diálogo, existe uma forma de comunicação bilateral onde os interlocutores manifestam-se de igual para igual. Suas intervenções têm o mesmo valor e estão num mesmo nível de autoridade. Cada qual expressa seu entendimento sobre o tema facultando a cada interlocutor concordar ou discordar.

O artigo do senhor procurou mostrar que o verdadeiro ecumenismo não foi condenado por Pio XI na Mortalium Animos, afirmando que o diálogo proposto pela UR requer “a união dos cristãos sob a liderança do sucessor de Pedro” e portanto em conformidade com a Mortalium Animos. Vê-se aqui um paradoxo. Num diálogo não há líderes, não há superiores, somente interlocutores que se tratam mutuamente de igual para igual. Portanto seria absurdo que a Igreja “liderasse um diálogo” como o senhor sustenta. Além do mais, o próprio decreto UR não explicita tão bem esta condição que seu artigo ressaltou. Quando ele orienta para o conhecimento dos hereges (os “irmãos separados”) assim descreve:

“Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar principalmente de questões teológicas, ONDE CADA PARTE DEVE AGIR DE IGUAL PARA IGUAL, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos.”(UR 9)

Não se fala em submissão ao Papa. Mas de se tratarem em mútua igualdade. Um pouco antes, a UR orienta os católicos à oração comunitária com os “irmãos separados” (hereges):

“Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a unidade. São uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados: «Onde dois ou três estão congregados em meu nome, ali estou eu no meio deles» (Mt. 18,20)”(UR 8)

Pio XII na encíclica Mediator Dei ensina que a “Lei da Oração corresponde à Lei da Fé”. Considerando que católicos e hereges (os “irmãos separados”) podem ser submetidos a uma mesma Lei da Oração, um leitor desprevenido é induzido a pensar que católicos e hereges também podem estar submetidos a uma mesma Lei da Fé (!!!). Isto, se já não fosse blasfemo por si só, atentando contra as condenações do Concílio de Trento, ainda mostra que não há nenhuma ação sob liderança da Igreja, como o senhor quer mostrar no artigo. A alusão a Mateus 18,20 é maliciosa: dá a entender que basta apenas crer em Jesus, dispensando uma adesão formal e consciente à Igreja, para alcançar a comunhão com o Salvador. Isto é absurdo, pois como diz S. Tiago: até os demônios crêem (Tg 2,19). Tudo isso direciona o leitor desprevenido a um indiferentismo religioso próprio de ideologia liberal tão em voga no tempo da Mortalium Animos. Logo abaixo, a UR dá condições para que esta oração comunitária não seja feita de modo indiscriminado. Esta prática dependeria de dois fatores: 1-testemunhar a unidade da Igreja e 2- a participação nos meios da graça(?). Note que o decreto não condiciona esta oração à submissão ao Papa, como seu artigo aponta. Não seria exato então dizer que o ecumenismo pregado no CV II exigiria necessariamente a conversão ao Papa; exigência que é sustentada claramente na Mortalium Animos. Logo a UR entraria de fato em conflito com a Encíclica de Pio XI.

A UR curiosamente fala em conversão, mas não à Igreja Católica ou ao Papa. Fala em conversão ao Evangelho (UR 1) e conversão interior:???(UR 7), sem uma maior explicitação em que consistiria esta conversão, ou quais seriam as condições para alcançá-la. Esta omissão deixa também uma lacuna perigosa para o irenismo e para o indiferentismo religioso igualmente condenados por Pio XI na referida encíclica.

Ademais, a proposta de diálogo ecumênico do CV II esconde outro tipo de perigo. A UR propõe que as sagradas teologias devam ser ensinadas “sob um ponto de vista ecumênico de modo que respondam mais exatamente à verdade das coisas”, como se antes do CV II esta exposição da verdade das coisas não estivesse plenamente exata. Aponta ainda para que a exposição da teologia “não seja de modo polêmico” (UR 10). Vê-se aqui um sentido de se descobrir a Verdade das coisas apenas e tão somente pela troca de impressões e entendimentos da Verdade, como se a Verdade Revelada pudesse ser alcançada apenas pela força de sua lógica intrínseca, dispensando a graça e a autoridade da Igreja para esta aceitação da Verdade. Trata-se de uma espécie disfarçada de pelagianismo, como denuncia a FSSPX. O homem poderia alcançar a Verdade pelo seu próprio esforço e entendimento apenas.

Diante de tamanhos absurdos, um fiel esclarecido poderia sim receber as propostas de ecumenismo do CV II com prudente reserva, ou mesmo rejeitando-a, até que a Santa Sé reforme estes textos ou os anule de todo, tendo em vista que não se trata de doutrina, mas de meras propostas pastorais. Espero ter contribuído para enriquecer o debate sobre o tema aludido.

Agradeço a senhor pela atenção dada (…).

Que a Virgem Maria interceda por este apostolado e por todos os seus membros.

Caríssimo sr.,

Obrigado pela sua mensagem. Farei recortes no seu texto para melhor respondê-lo:

O decreto Unitatis Redintegratio (UR) sobre o ecumenismo propõe uma “novidade” na Doutrina da Igreja: substituir a prática do ensino (ordenado por Jesus em Mt 28,19 a seus apóstolos) pela do  “diálogo”.


Ensino e diálogo são atividades distintas.

O senhor tem razão. Mas, por outro lado, diálogo e ensino não são mutuamente excludentes. E, dependendo do objetivo que se deseja alcançar, ou das circunstâncias, será mais conveniente adotar um ou outro.

Internamente, dentro da Igreja Católica, partimos do pressuposto de que os fiéis reconhecem a autoridade dos padres e bispos, e que todos reconheçam a autoridade do Papa. Nesse sentido, não faz sentido o diálogo, e sim o ensino.

No entanto, protestantes e ortodoxos não reconhecem essa autoridade, ou a superioridade da Igreja Católica sobre as outras comunidades eclesiais. Sendo assim, aproximar-se deles com a atitude de ensino (nós falamos, vocês se calam e escutam) se tornaria contraproducente. São Domingos, por exemplo, sabia disso e, convencido da superioridade da doutrina católica sobre as doutrinas heréticas, não temia se engajar nas disputas teológicas contra os albigenses, pois era justamente necessário ouvir as teses heréticas para derrubá-las e mostrar a veracidade da doutrina católica.

É nesse sentido que me permito discordar da seguinte afirmação sua:

Já no diálogo, existe uma forma de comunicação bilateral onde os interlocutores manifestam-se de igual para igual. Suas intervenções têm o mesmo valor e estão num mesmo nível de autoridade.

No diálogo, nem sempre as intervenções têm o mesmo valor e estão num mesmo nível de autoridade. A Igreja Católica, por exemplo, já parte do pressuposto de que a sua doutrina é a única verdadeira (isso é confirmado pelos documentos do Vaticano II, a Dominus Iesus e a recente declaração da CDF – todos esses textos confirmam a Igreja Católica como única Igreja de Cristo). Muito provavelmente os hereges também consideram as suas doutrinas superiores. O objetivo da Igreja Católica é realmente convencer o interlocutor. Mas para isso deixa-o falar também, para melhor rebater suas teses – aliás, esse foi o modo católico de agir em todos os Concílios Ecumênicos convocados para repelir heresias: os hereges tinham espaço para argumentar (só não o faziam se não quisessem), mas no fim emergia a verdade católica.

Aí reside a eficácia do diálogo ecumênico como pede a Igreja: ela não coloca duas doutrinas em pé de igualdade, mas primeiro busca, ao deixar o interlocutor falar, desarmá-lo para que ele esteja também disposto a ouvir (na época de São Domingos era mais fácil, pois a arrogância dos hereges era tanta que eles não hesitavam em participar dos debates, confiando excessivamente na ilusória solidez das suas heresias). Muito raramente alguém que não reconheça a autoridade da Igreja e a superioridade dela sobre outras comunidades eclesiais estará disposto a ouvir o que a Igreja tem a dizer, se ela usar a abordagem do ensino. Pelo contrário, poderá até obstinar-se no erro.

O artigo do senhor procurou mostrar que o verdadeiro ecumenismo não foi condenado por Pio XI na Mortalium Animos, afirmando que o diálogo proposto pela UR requer “a união dos cristãos sob a liderança do sucessor de Pedro” e portanto em conformidade com a Mortalium Animos. Vê-se aqui um paradoxo. Num diálogo não há líderes, não há superiores, somente interlocutores que se tratam mutuamente de igual para igual. Portanto seria absurdo que a Igreja “liderasse um diálogo” como o senhor sustenta.

Mas eu não afirmei que a Igreja deve “liderar um diálogo” – a liderança à que me refiro em meu texto já é o estágio posterior ao diálogo, em que os hereges, convencidos da verdade católica, reconhecerão a liderança do sucessor de Pedro e se unirão à verdadeira Igreja.

Além do mais, o próprio decreto UR não explicita tão bem esta condição que seu artigo ressaltou. Quando ele orienta para o conhecimento dos hereges (os “irmãos separados”) assim descreve:


“Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar principalmente de questões teológicas, ONDE CADA PARTE DEVE AGIR DE IGUAL PARA IGUAL, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos.”(UR 9)


Não se fala em submissão ao Papa. Mas de se tratarem em mútua igualdade.

Porque, como eu disse, a submissão ao Papa é um estágio final do diálogo ecumênico, é o objetivo a atingir. Quando um católico e um protestante se sentam para discutir teologia, o protestante ainda não reconhece a autoridade do Papa, nem da Igreja – afinal, se o fizesse, já seria católico e não haveria necessidade de diálogo nenhum. E ele não se submeterá ao Papa sem antes estar convencido da verdade católica.

Um pouco antes, a UR orienta os católicos à oração comunitária com os “irmãos separados” (hereges):


“Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a unidade. São uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados: «Onde dois ou três estão congregados em meu nome, ali estou eu no meio deles» (Mt. 18,20)”(UR 8)

A fé no poder da oração é um desses “elementos de santificação” que a Igreja reconhece haver em outras comunidades eclesiais – sempre lembrando que o próprio Concílio Vaticano II acrescenta que esses elementos “impelem à unidade católica”. Além do mais, ressalte-se que UR 8 fala em específico da oração pela unidade dos cristãos, e não de quaisquer orações em comum.

Pio XII na encíclica Mediator Dei ensina que a “Lei da Oração corresponde à Lei da Fé”. Considerando que católicos e hereges (os “irmãos separados”) podem ser submetidos a uma mesma Lei da Oração, um leitor desprevenido é induzido a pensar que católicos e hereges também podem estar submetidos a uma mesma Lei da Fé (!!!).

Deveriam estar – no sentido de que todos deveriam crer nas mesmas coisas e aceitar o primado de Pedro. Mais uma vez, é esse o objetivo do diálogo ecumênico e da oração pela unidade.

Note que o decreto não condiciona esta oração à submissão ao Papa, como seu artigo aponta. Não seria exato então dizer que o ecumenismo pregado no CV II exigiria necessariamente a conversão ao Papa; exigência que é sustentada claramente na Mortalium Animus. Logo a UR entraria de fato em conflito com a Encíclica de Pio XI.

Na verdade, a Mortalium Animos (16, 17, 18) e a Unitatis Redintegratio (2) são idênticas quando definem o objetivo final do verdadeiro ecumenismo: a submissão ao Papa.

Mas a oração em comum pela unidade defendida em UR 8 não é o objetivo final, e sim uma etapa intermediária do esforço ecumênico – se todos fossem católicos, não seria mais necessário orar pela unidade. Portanto, a oração em comum ainda não pressupõe que todos os orantes se submetam ao Papa, porque a submissão de todos ao Papa é justamente aquilo que se está pedindo na oração pela unidade (pelo menos é o que os católicos pedem; os protestantes podem pedir a “unidade” irenista, mas Deus não atende esse tipo de oração).

A UR curiosamente fala em conversão, mas não à Igreja Católica ou ao Papa. Fala em conversão ao Evangelho (UR 1) e conversão interior:???(UR 7)

Se o Evangelho já é tão claro em relação ao primado de Pedro (e um dos objetivos do diálogo ecumênico é justamente fazer os hereges perceberem isso), uma conversão autêntica ao Evangelho levaria naturalmente à submissão à Igreja Católica e ao Papa.

Ademais, a proposta de diálogo ecumênico do CV II esconde outro tipo de perigo. A UR propõe que as sagradas teologias devam ser ensinadas “sob um ponto de vista ecumênico de modo que respondam mais exatamente à verdade das coisas”, como se antes do CV II esta exposição da verdade das coisas não estivesse plenamente exata. Aponta ainda para que a exposição da teologia “não seja de modo polêmico” (UR 10). Vê-se aqui um sentido de se descobrir a Verdade das coisas apenas e tão somente pela troca de impressões e entendimentos da Verdade, como se a Verdade Revelada pudesse ser alcançada apenas pela força de sua lógica intrínseca, dispensando a graça e a autoridade da Igreja para esta aceitação da Verdade. Trata-se de uma espécie disfarçada de pelagianismo

Não exatamente. Só depois da conversão um ex-herege reconhece que o Espírito Santo o estava guiando no caminho até a verdade. Enquanto o herege está no erro, nem passa pela sua cabeça que Deus o vá conduzir à Igreja Católica, embora seja exatamente isso que aconteça. E, ainda que um católico venha dizer isso ao protestante (“Pela graça de Deus você encontrará a verdade no catolicismo”), ele não acreditará. No diálogo ecumênico, o católico sabe que a graça de Deus está, digamos, “do seu lado” para ajudar o herege a abandonar o erro. Mas, como bem sabemos, o herege precisa corresponder, pois Deus respeita o livre-arbítrio de cada um. A UR não dispensa a graça de Deus na conversão dos hereges – o que faz é recomendar a exposição das verdades da fé, por meio do diálogo ecumênico, como modo de deixar o terreno mais propício a uma resposta positiva, por parte do herege, à ação da graça de Deus que o empurrará ao catolicismo.

Atenciosamente

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