Amorização e entusiasmo

Antes de entrar no assunto seja-me permitido comentar: certa vez escrevi um poema que começava assim:

“Não posso Vos pedir senão perdão”.

As palavras acima, amorização e entusiasmo, tão diferentes na maneira de escrever, são muito semelhantes no que querem significar e produzir.  Que estou a escrever aqui?  Que as palavras têm vontade e propósito?  Isto mesmo, pois entendo que toda palavra procede da Palavra Humanizada.

Entusiasmo significa, literalmente plenitude de Deus, ou intenso estado de espírito proveniente de inspiração divina.  Na Antiguidade tal inspiração seria proveniente, por exemplo, das sibilas, profetisas.   Sibila significava também poesia.   É bem de ver: a poesia é reveladora de mistérios, através de palavras.   Isto de a palavra ter vontade e propósito, pois, é coisa antiga.    Só que a conotação de antigamente é diferente da minha.

Abordada a palavra entusiasmo, abordemos a palavra amorização.

Amorização significa produzir amor.

Ora, Amor é um dos dois nomes atribuídos pelo evangelista João  a Deus, em sua primeira epístola.   O outro nome atribuído por João a Deus é Luz.

Assim, se amorizar é produzir Amor, amorizar significa produzir Deus, pois Deus é Amor.
Então se pergunta? Pode o homem gerar Deus?

O homem, um ser vivo, tem vida e pode transmitir a vida, mas poderia gerar o amor também?

A vida no ser humano provém de um sopro divino, acontecido no ato da concepção.

Essa vida, após o nascimento, precisa ser alimentada.

Se uma mulher grávida der à luz em um lugar ermo, mas depois vier a falecer, o bebê continuará vivendo por algum tempo, mas acabará morrendo de inanição.  A vida precisa ser alimentada.

Um bebê se alimenta dos seios maternos por um certo lapso temporal.   Mais adiante começará a receber outros tipos de alimentos elaborados.

O ato de amamentar, além de alimentar, é também um ato de amor por parte da mãe.   A mulher que amamenta fornece mais que leite: fornece calor, aconchego, fornece o pulsar de seu  próprio coração, perto do qual o bebê suga os seios.   O leite que a mãe fornece não é produzido pela mãe, mas: na mãe.  Quem programou?

O amor transmitido no ato de amamentar não é produzido pela mãe somente mas por Deus e com a colaboração da mãe.   Não se pode delimitar até onde vai o instinto materno – amor de Deus – e onde começa o amor materno, doação.

Os atos de amor por parte da mãe continuam através do fornecimento de alimento e muitos outros cuidados.

A criança, à medida que vai crescendo e se desenvolvendo, deverá buscar os alimentos com as próprias mãos e, mais tarde, com o produto do seu trabalho.

O mesmo acontece com o amor.   A criança o recebe dos pais até uma certa época; depois deverá procurar a fonte do amor por si mesma; caso contrário permanecerá um ser imaturo.

Como se escreveu acima, o Amor é um dos nomes de Deus.  Assim, a busca do amor é uma busca do próprio Deus.  O caminho para isto se chama oração.   Também as boas obras produzem o amor de Deus.

A oração faz a sucção do amor dos depósitos de Deus.

Pergunta-nos e responde-nos Deus em Isaías 49, 15: Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca.

Amorização, então, é a busca de Deus, para si e/ou para outrem.  Dizer que o ser humano tem capacidade de amar, sem o concurso de Deus, eqüivale a dizer que o ser humano é Deus. Lê-se na carta de Tiago, 1, 17: Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade.

Os budistas entendem que não se pode pronunciar o nome de Deus, pois Deus é puríssimo e se nós, seres impuros, pronunciamos o nome de Deus, tornamo-lo impuro.   Isto se constituiria em grave ofensa a Deus: seria tornar o Nome de Deus impuro.

Igualmente os judeus em certas épocas evitavam pronunciar o nome de Deus, por profundo respeito. Ler Isaías 30,27:  Vede! É o nome do Senhor que vem de longe, sua cólera é ardente, uma nuvem pesada se levanta, seus lábios respiram furor, e sua língua é como um fogo devorador.

Às vezes na vigência do Antigo Testamento o nome é como se fosse uma outra mesma pessoa. Jeremias 14,9: Por que sois como um homem desvairado, como um guerreiro que não nos pode mais defender? No entanto,  Senhor, permaneceis entre nós, e é o vosso nome que trazemos. Não nos abandoneis!

Sob a vigência do Novo Testamento, nas palavras do próprio Jesus, ratifica-se a força da palavra nome:  “Onde dois ou três estão unidos no meu nome, aí estou eu no meio deles”, afirmou o Mestre, conforme se lê em Mt 18-20.

O respeito pelo nome de Deus, deste a visão budista e do Antigo Testamento existe também no Novo Testamento, onde a Segunda Carta de Paulo a Timóteo, 2-19, repete uma idéia de Isaías 26,13: “Renuncie à iniquidade todo aquele que pronuncia o nome do Senhor”.

Como ficamos então?,   se devemos praticar o entusiasmo e praticar a amorização e, no entanto, não podemos sequer pronunciar o nome do Senhor?, enquanto houver um resquício de iniquidade em nós?  O problema fica maior quando sabemos existir muita iniquidade em nós.  Como fazer?

A primeira atitude que devemos ter diante de Deus é pedir perdão, assim como a primeira coisa a fazermos, antes de entrar na casa de alguém, se estivemos caminhando pela lama, é limpar os pés.

Isto posto, pode-se aceitar sem muita reserva o primeiro verso do poema adiante:

                 Prece a Jesus

Não posso vos pedir senão perdão:
são minhas orações pré atendidas;
não posso dar-vos mais que gratidão:
nos destes tudo e mesmo a própria vida

e, contra a solidão, de Vossa parte,
mandastes vosso Espírito  de Amor
Consagro-Vos meus versos, minha arte,
e quero proclamar com meu louvor:

da vida sois a Fonte Inesgotável
do bem sois a Vertente e a Raiz
Por Vós não há pecado imperdoável

e, além de perdoar-nos, por amor,
por Mãe nos destes Vossa Geratriz
por Pai nos destes Vosso Gerador

A esse poema se deu o nome de Rosário.  Rosário é aquele conjunto de orações rezadas por algumas denominações cristãs.   Rezam pedindo a intercessão de Maria  pelos pecados.

Uma estorinha antiga pode nos convencer da eficácia da intercessão de Maria.

Consta que num país o rei era pessoa muito estimada por todos.  Por ocasião da visita do monarca a certa província, todos súditos ficaram muito alvoroçados e queriam chegar à presença do rei com presentes ou de alguma outra forma.

Um garoto pobre não tinha outra coisa para ofertar ao rei que uma única maçã.  Aquilo era muito pouco para dar ao rei.  Poderia, quem sabe, até desagradá-lo.

Alguém, conhecendo a situação, sugeriu:

– Menino, conte à rainha de sua estima pelo rei e peça a ela que entregue o presente a seu esposo.  O presente, chegado pela mãos da rainha, será do agrado do rei. Seguramente.  E foi o que o garoto fez.  A pequena fruta foi do agrado do Rei, pois a rainha colocou a fruta em uma bandeja de prata e o cobriu com bela toalha de crochê, apontando o doador do presente à hora que o entregou.   O Rei, agradado com presente, sorriu para o menino ao recebê-lo.

Um outro aspecto do poema é saber que podemos ter a Deus por Pai.    João Paulo II afirmou que a revelação de que Deus é Pai é a maior das revelações de Jesus.

O nome da pessoa implica em dizer de sua filiação.

Aqui se percebe que o nome é uma outra pessoa:
– Quem é esse?
– Esse é o filho de Fulano de Tal.
Depois, todos querem ter uma procedência honorável.
Nosso nome de maior destaque é podermos ser filhos de Deus, é ter a Deus por Pai.

De sua parte, de sua infinita benemerência, Deus é Pai de todos; muitos, porém, desconhecem isto, enquanto muitos não se consideram ou não vivem como filhos de Deus.
 
Quem são os filhos de Deus?   As Escrituras nos ensinam em diversos trechos:

João, capítulo 1, 12: Mas a todos aqueles que o (Jesus) receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,…

Esse versículo se confirma por Gálatas, 3, 26-27:   …porque todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo.   Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos revestistes de Cristo.

Lê-se no fim desse texto que o Batismo nos reveste de Deus.   Existe o Batismo, Sacramento: indispensável, necessário e conveniente.  Mas o Batismo não é um ato; é um sacramento que se renova e que deve se renovar cada vez que devemos escolher entre fazer a nossa vontade ou a vontade de Deus, em que devemos buscar a nossa glória ou a glória de Deus.

É filho de Deus quem faz a vontade de Deus, assim como quem o honra e busca Sua glória.

Podemos ter uma experiência de nos sentirmos como filhos de Deus:

Gl 4,6: A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!

Entenderemos ainda melhor o que seja entusiasmo e amorização lendo o evangelho de João, cap. 3, 14-21: Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem,  para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna.

Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.
Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele.

Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado; por que não crê no nome do Filho único de Deus.

Ora, este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más.

Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.

Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus.

Através desse texto se confirma: o nome de Deus abrange o amor e também a luz, porque Deus é Amor e Deus é Luz.

Até aqui nós lemos sobre o relacionamento aplicável para consigo próprio, para com os irmãos na fé ? os filhos de Deus – e para com Deus.   Agora trazemos dois textos sobre o relacionamento para com os outros, para com aqueles de quem Deus é Pai mas que não se conhecem ou não procedem como filhos de Deus e para com as criaturas de Deus.

Devemos tratar todas as pessoas do mesmo modo: com amor, amor esclarecido.  Leiamos Mateus 5, 45-48:  Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.

Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos?

Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?

Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.

Nosso amor pode e deve ser destinado também às outras criaturas, que não as humanas.

Leiamos a carta de S. Paulo aos Romanos, cap. 8, 18-23: Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada.

Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus.

Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia.

Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo.

Se considerarmos apenas dois itens da destruição da natureza pelo homem, em curso irreversível ao que parece: a devastação do meio ambiente e a poluição da água potável, havemos de compreender com que grande anseio a natureza aguarda a manifestação dos filhos de Deus e que devemos ser nós.


Obs. 1. Críticas e sugestões ao artigo Amorização e entusiasmo são bem-vindas. 2. Fonte da palavra amorização: Oração de Amorização, do Pe. Alírio José Pedrini, SCJ. Também Psicólogo.

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