Por Jaime Francisco de Moura

Curiosamente um médico sem religião foi o primeiro homem da ciência a observar e, depois, a vigiar Bernadete Soubirous, a vidente de Lourdes, no exato momento das visões que ela dizia ter em frente à gruta de Massabielle. Desde as primeiras aparições, Dr. Pierre Dozous estava lá, colocava-se um pouco à parte e, quando a vidente entrava em êxtase, abria caminho entre a multidão. Relógio na mão, ele se aproximava silenciosamente da menina e segurava o seu punho para contar as pulsações e avaliar seu estado físico e psicológico.

O Dr. Dozous confessou que não tinha dúvida de que Bernadete “via” alguma coisa. Ele a considerava uma “iluminada”, uma espécie de vidente mística que fabricava ela própria, inconscientemente, a aparição da “Bela Senhora”.

Mas quando alguém veio um dia falar das “curas” milagrosas obtidas pela água da fonte da gruta, o homem enfezou-se. Se havia alguma coisa que o tirava do sério era ouvir falar de tais “curas”. A água da fonte da gruta que havia surgido quando Bernadete cavou o chão com a mão, no lugar onde a Senhora lhe havia indicado, não era nada diferente das águas que corriam por toda parte no vale de Lourdes. E o doutor sabia que essa água não tinha em si nenhum poder terapêutico.

Pois bem: no ano de 1858, o mesmo ano das aparições, o dr. Dozous tinha entre seus pacientes um homem que havia trabalhado numa pedreira. Chamava-se Luís Bouriette. Ele tinha sido vítima de um acidente: não teve tempo de correr para o abrigo, depois de acender o cordão de detonação das bombas que arrebentavam as pedras. A explosão atingiu em cheio seu rosto. Cacos de pedras voaram em todas as direções e um deles encravou-se no seu olho direito. A órbita desse olho tornou-se uma chaga difícil de cicatrizar. Desde o começo o doutor falou claro com ele: “Meu pobre Luís, a medicina não pode fazer nada para lhe restituir a visão desse olho. Fique feliz por ter o outro olho bom e não estar completamente cego.”

Um dia, Luís ouviu falar da fonte da gruta de Massabielle. Diziam que estavam acontecendo coisas misteriosas com a água dessa fonte. E ele contou ao dr. Dozous: “Doutor, dizem que a água da fonte da menina Bernadete está curando. E se eu tentasse…” Douzous estremeceu. Era demais! Um dos seus pacientes, a quem ele havia repetido muitas vezes que era incurável, vinha agora, em seu próprio consultório, dizer tamanha asneira! Aborrecido, quase gritando, disse ao cego: “Ouça-me bem, Luís. Você é livre para ir ou não à gruta de Bernadete. Mas se você voltar de lá curado, então eu acreditarei…”

Luís percebeu a irritação do médico e ficou na dúvida se devia ir ou não à gruta. Resolveu ir. Mais tarde, ele confessou que foi sem ter muita fé: “Fui mais por curiosidade. Mas no fundo de mim mesmo, talvez houvesse um pouco de esperança”. Chegando à gruta, Luís pegou um pouco daquela água da fonte que ainda era suja e barrenta. Esperou que a sujeira se decantasse e, depois, molhou o seu olho cego. Levantou-se e, fechando com a mão o olho bom, tentou, por curiosidade, olhar ao seu redor. O que aconteceu, então, pareceu-lhe totalmente incrível. Balbuciou algumas palavras de espanto e repetiu várias vezes a experiência. Finalmente, convenceu-se de que estava vendo. Em um instante ele havia recuperado a visão do olho, depois de tanto tempo de cegueira.

Tomado de forte emoção, saiu correndo e foi para casa do dr. Dozous. “Doutor, estou curado, estou curado!”. Dozous que já tinha esquecido aquilo que Luís lhe havia dito, de ir à fonte de Massabielle; respondeu calmamente: “É impossível meu caro Luís. O remédio que eu lhe dou não pode curar o seu olho. São apenas gotas para suavizar a dor e evitar que a infecção passe para o outro olho. Você sabe muito bem que é incurável!”. “Mas não foi o senhor que me curou. Foi a água da gruta!”. O doutor, então, lhe disse com ironia: “Ah quer dizer então que você está curado! Você vai ver já se está curado!”. Tomando um cartão, o doutor escreveu esta frase que ficou famosa: “Bouriette tem uma cegueira incurável. Ele não pode ver, ele não verá jamais”. Em seguida, tapando com a mão o olho bom de Luís disse: “Já que você está curado do seu olho, faça um esforço para decifrar o que eu escrevi”. Bouriette leu sem nenhuma dificuldade. O doutor estremeceu. Na narrativa que fez desse episódio ele escreveu: “Se um raio tivesse caído aos meus pés, eu não ficaria tão assustado!”.

Desde esse dia, o doutor Dozous reconheceu honestamente que tinha feito pouco caso de Bernadete e da fonte da gruta. Lembrou-se da promessa que havia feito a Luís: “Se você voltar de lá curado, então eu acreditarei!”. Decidiu consagrar-se, de então em diante, à observação dos fenômenos de Lourdes. Mais tarde ele fez uma declaração: “As curas de que tantas vezes fui testemunha ocular, lançaram em meu espírito uma luz que não me permitiu menosprezar a importância de Bernadete na gruta de Massabielle e a realidade das Aparições com que ela foi favorecida”.

 

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