As duas castas

Mandaram-me uma cópia de um plano de reestruturação da Polícia Militar. Duas sugestões saltam à vista: a primeira, excelente, é que os futuros oficiais trabalhem primeiro como praças, no policiamento, gastando sola dos coturnos e vivendo o dia a dia dos que um dia serão seus subordinados.

A segunda consegue ser tão ruim quanto a primeira é boa: sugere-se que seja necessário um diploma superior para ingressar na PM. É o mesmo engano que já vi em vários projetos, de várias forças policiais do Brasil. Em São Paulo já chegou a haver a exigência de curso superior para ingresso na carreira de investigador de polícia, depois retirada, proposta novamente, retirada novamente, e por aí vai. Desisti de acompanhar, confesso.

Esta exigência é absolutamente descabida por uma razão simples: a polícia – seja a PM, seja o investigador da Civil – deve ser parte do povo, para que possa entender o povo e agir de acordo com os costumes que tem o dever de proteger. A exigência de curso superior faz com que ela passe a ser recrutada entre uma pequena elite, treinada para que não fale, aja ou pense como a população menos favorecida.

O investigador deve poder se misturar entre os que investiga; o policial militar deve entender os padrões morais dos que protege, completamente diferentes dos ensinados nos caros bancos da Academia. Aliás, diria eu, infelizmente os padrões morais vigentes nas nossas universidades estão muito abaixo dos vigentes nos bairros menos abastados.

Essa ideia de jerico de querer policiais “doutores” é oriunda de uma peculiaridade do sistema de pagamento dos funcionários públicos brasileiros, que os divide em duas grandes “castas”: a dos cargos que demandam ensino superior e a dos que não o demandam. A superior, antes oriunda da classe média urbana tradicional, recebe salários em geral muito maiores que os que não precisam ter o famoso “canudo”; não adianta tê-lo se o cargo não o exige. Assim, visando um pagamento menos indigno, os policiais das categorias de base acabam percebendo a exigência de diploma superior como maneira de valorizar a categoria, sem perceber que na verdade isso é apenas um quebra-galho extremamente contraproducente.

É dever da sociedade pagar um salário digno aos policiais, mas para isso não se pode impedir os mais vocacionados de prestar concurso. Para ser investigador ou PM, não é necessário ser um acadêmico agarrado aos livros e sim alguém inteligente e conhecedor da realidade das ruas, o que nenhum curso superior pode fabricar.

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