7. A Temperança

1. Na sucessão das Audiências do meu ministério pontifício, procurei executar o “testamento” do meu estimado Predecessor João Paulo I. Como é sabido, ele não deixou testamento escrito, porque a morte o arrebatou inesperada e improvisamente, mas deixou alguns apontamentos de que se conclui ter-se proposto, nos primeiros encontros das quartas-feiras, falar dos princípios fundamentais da vida cristã, ou seja, das três virtudes teologais — e isto teve tempo de o realizar — e depois das quatro virtudes cardeais — isto o está fazendo [este] seu indigno sucessor. Hoje é a vez de falar da quarta virtude cardeal, a “temperança”, acabando de cumprir assim, de algum modo, o programa de João Paulo I, programa em que pode ver-se como que um testamento do Pontífice falecido.

2. Quando falamos das virtudes — não só das cardeais, mas de todas e cada uma das virtudes — devemos conservar sempre diante dos olhos o homem real, o homem concreto. A virtude não é alguma coisa de abstrato, separado da vida, mas, pelo contrário, tem profundas “raízes” na própria vida; dela brota, é ela que forma. A virtude incide na vida do homem, nas suas ações e no seu comportamento. Disto resulta que, em todas estas nossas reflexões, não falamos tanto da virtude quanto do homem que vive e procede “virtuosamente”; falamos do homem prudente, justo, corajoso e, por fim, hoje exatamente, falamos do homem “temperante” (ou “sóbrio”).

Acrescentemos imediatamente que todos estes atributos, ou melhor atitudes do homem, provenientes de cada uma das virtudes cardeais, estão entre si conexas. Não se pode, por conseguinte, ser homem verdadeiramente prudente, nem autenticamente justo, nem realmente forte, se não se tem ainda a virtude da temperança. Pode-se dizer que esta virtude condiciona indiretamente todas as outras virtudes; mas deve-se dizer também que todas as outras virtudes são indispensáveis para que o homem possa ser “temperante” (ou “sóbrio”).

3. O próprio vocábulo “temperança” parece em certo modo referir-se ao que está “fora do homem”. Dizemos, de fato, que temperante é aquele que não abusa de alimentos, de bebidas e de prazeres, que não toma imoderadamente bebidas alcoólicas, não se priva da consciência pelo uso de estupefacientes, etc. Esta referência a elementos externos ao homem tem contudo a sua base dentro do homem. É como se em cada um de nós existisse um “eu superior” e um “eu inferior”. No nosso “eu inferior” exprime-se o nosso “corpo” e tudo o que lhe pertence: as suas carências, os seus desejos, as suas paixões de natureza prevalentemente sensual. A virtude da temperança garante a cada homem o domínio do “eu superior” sobre o “eu inferior”. Temos aqui humilhação do nosso corpo? Ou diminuição? Pelo contrário, este domínio valoriza o corpo. A virtude da temperança leva o corpo e os nossos sentidos a encontrarem o justo lugar que lhes pertence no nosso ser humano.

O homem temperante é aquele que é senhor de si mesmo. Aquele em que as paixões não tornam a supremacia sobre a razão, sobre a vontade e também sobre o “coração”. O homem que sabe dominar-se a si mesmo! Se assim é, facilmente nos damos conta do valor fundamental e radical que tem a virtude da temperança. É absolutamente indispensável, para que o homem “seja” plenamente homem. Basta reparar em alguém que, arrastado pelas suas paixões, delas se torna “vítima”, renunciando ele próprio ao uso da razão (como, por exemplo, um bêbado, um drogado). Verificamos então com evidência que “ser homem” significa respeitar a própria dignidade e, por isso, em particular deixar-se guiar pela virtude da temperança.

4. Esta virtude é chamada também “sobriedade”. E é bem justo chamá-la assim! De fato, para podermos dominar as paixões – a concupiscência da carne, as explosões da sensualidade (por exemplo nas relações com o outro sexo) etc., – devemos não ultrapassar o justo limite que se põe a nós próprios e ao nosso “eu inferior”. Se não respeitamos este justo limite, não seremos capazes de dominar-nos. Não quer isto dizer que o homem virtuoso, sóbrio, não possa ser “espontâneo”, não possa ser alegre, não possa chorar, não possa manifestar os próprios sentimentos, isto é, não significa que deva tornar-se insensível, “indiferente”, como se fosse de gelo ou de pedra. Não, de modo algum! Basta olharmos para Jesus e convencer-nos-emos.

A moral cristã nunca se identificou com a estóica. Pelo contrário, considerando toda a riqueza dos afetos e das emotividades de que é dotado cada homem — cada um aliás de modo diverso: de um modo o homem, de outro a mulher por causa da sensibilidade de cada um — é necessário reconhecer que o homem não pode chegar a esta espontaneidade madura, senão através de um trabalho intenso sobre si mesmo e uma especial “vigilância” sobre todo o seu comportamento. Nisto está de fato a virtude da “temperança”, da “sobriedade”.

5. Julgo que esta virtude exige de cada um de nós uma especial humildade quanto aos dons que Deus colocou na nossa natureza humana. Diria, “a humildade do corpo” e a “do coração”. Esta humildade é condição necessária para a “harmonia” interior do homem: para a beleza “interior” do homem. Cada um reflita bem neste ponto, em especial reflitam os jovens, e mais ainda as jovens, na idade em que tanto se tem o orgulho de ser belo ou bela para agradar aos outros! Recordemo-nos que o homem deve ser belo sobretudo interiormente. Sem esta beleza, todos os esforços que tenham em vista só o corpo não farão — nem dele, nem dela — uma pessoa verdadeiramente bela.

E não é, por sinal, precisamente o corpo que sofre prejuízos sensíveis e muitas vezes até notáveis quanto à saúde, se falta ao ser humano a virtude da temperança, da sobriedade? A este propósito, muito poderiam dizer as estatísticas e os prontuários clínicos de todos os hospitais do mundo. Disso possuem também grande experiência os médicos ocupados nos consultórios, a quem muitas vezes se dirigem noivos e jovens em geral.

É verdade que não podemos julgar a virtude baseando-nos exclusivamente no critério da saúde psicofísica, todavia abundam as provas de a falta da virtude da temperança, da sobriedade, vir a prejudicar a saúde.

6. É preciso que eu termine aqui, embora esteja convencido de que este assunto fica mais interrompido do que esgotado. Talvez um dia se apresente a ocasião de a ele voltar. Por agora, basta isto.

Deste modo procurei, como pude, executar o testamento de [meu Predecessor] João Paulo I.

  • Fonte: Vaticano, audiência de 22 de Novembro de 1978 (João Paulo II)
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