As Testemunhas de Jeová e 1914

Uma das doutrinas mais curiosas dos Testemunhas de Jeová afirma que a vinda de Cristo que todos os cristãos aguardam já ocorreu em 1914; porém, de forma invisível.

Sim! Você está lendo corretamente: eles afirmam que Cristo retornou, porém, de forma invisível e, por isso, ninguém consegue vê-lo; Ele se encontraria agora reinando sobre a terra. Assim, para analisar profundamente esta doutrina, resolvi fazer este estudo.

ANTECEDENTES

Para sabermos de onde veio esta doutrina, precisamos estudar um pouco a história da Sociedade Torre da Vigia e suas profecias não cumpridas sobre o fim do mundo.

Uma das colunas básicas da Sociedade é o ensinamento sobre o Armagedon e o fim daquilo que denomina “o atual sistema das coisas”. Ao longo da História, se caracterizam [os Testemunhas] por imaginar que o fim encontra-se próximo de cada esquina, anunciando-o reiteradamente para 1914, 1918, 1925, 1941 e 1975.

Citarei a seguir alguns extratos de suas publicações:

– “Tendo em vista a forte evidência da Bíblia, consideramos como uma verdade estabelecida que o fim cabal dos reinos deste mundo e o estabelecimento total do Reino de Deus na Terra se realizarão no final de 1914” (Estudos das Escrituras 2, pp. 76, 78 e 285 [versão em espanhol]).

– “Neste capítulo apresentamos a evidência bíblica que afirma que os Tempos dos Gentios terminarão em 1914. Isto quer dizer que nesta data o Reino de Deus estará estabelecido firmemente na Terra. O Reino do qual Cristo nos ensinou: ‘Venha a nós o vosso Reino'” (Estudos das Escrituras 3, pp. 247 e 306 [versão em espanhol]).

– “Esta guerra culminará na batalha de Armagedon, o que significará o estabelecimento permanente e total do Reino do Messias” (A Atalaia, 01.04.1915 [versão em inglês]; reimpressão).

No entanto, chegando 1915, nada ocorreu. Ao invés de aprenderem com seu erro, voltaram a tropeçar na mesma pedra outras vezes.

– “O dia da Vingança, o qual começou com a Guerra Mundial de 1914, explodirá em uma furiosa tormenta em 1918” (Estudos das Escrituras 7, p. 404 [versão em espanhol], 1917).

– “Nos restam apenas alguns meses antes que se manifeste a grande noite” (A Atalaia, 01.10.1917, p. 6149 [versão em inglês]; reimpressão).

– “O que nos trará o ano de 1918? (…) Os cristãos esperam ver cumpridas totalmente as esperanças da Igreja” (A Atalaia, 01.01.1918, p. 6191 [versão em inglês]; reimpressão).

– “Como já indicamos, o grande ciclo de jubileus terminará em 1925. A partir de então será reconhecida a fase terrestre do Reino. Portanto, podemos confiantemente esperar que 1925 marcará o regresso de Abraão, Isaac, Jacó e os fiéis profetas da Antigüidade, especialmente aqueles citados pelo Apóstolo em Hebreus 11” (Milhões dos que Agora Vivem não Morrerão Jamais, p. 73, 1920).

– “O mais indispensável entre as coisas que deverão ser restauradas é a vida da raça humana e, como quer que seja, há diversas citações que, sem dúvida, indicam a ressurreição de Abraão, Isaac, Jacó e outros fiéis dos tempos antigos. Estes gozarão do primeiro favor: podemos esperar que o ano de 1925 presenciará o regresso destes fiéis saindo do túmulo plenamente restaurados à perfeição humana e constituindo-se em representantes legais e visíveis da nova ordem das coisas na Terra. Uma vez que o Reino Messiânico esteja estabelecido, o grande Messias, formado por Jesus e sua Igreja glorificada, despensará sobre o mundo as bênçãos por tanto tempo aguardadas e desejadas” (Milhões dos que Agora Vivem não Morrerão Jamais, pp. 72 e 88, 1920).

Chegaram, inclusive, a construir uma mansão para que fosse habitada pelos patriarcas quando ressuscitassem (a qual – como você pode imaginar – não ficou sem ser desfrutada [pelo presidente da Sociedade Torre da Vigia]).

Como era de se esperar, novamente passou o ano de 1925 e Abraão, Isaac e Jacó não ressuscitaram, e os dirigentes do Corpo Governante pensaram: “Que raios!”. Conta-se que ficaram tristes porque o fim do mundo não ocorreu.

O fiasco foi tamanho que o próprio presidente dos Testemunhas de Jeová precisou reconhecer que passou por ridículo quando suas previsões do fim não se cumpriram – coisa que [os fiéis] tomaram como “um exemplo de humildade”:

“Exemplos de humildade que devemos imitar…
Outro fiel servo de nossos tempos, muitíssimo usado por Jeová, foi Joseph F. Rutherford, citado no início do artigo. Foi um bravo defensor da verdade bíblica e, concretamente, do nome de Jeová. Ainda que fosse geralmente conhecido como ‘o Juiz Rutherford’, era um homem humilde de coração. Por exemplo, em certa ocasião fez catégoricas declarações no tocante a certos acontecimentos que os cristãos poderiam esperar para o ano de 1925. Quando não se cumpriu o que ele esperava, disse humildemente à família de Betel do Brooklyn que havia caído no ridículo” (A Atalaia, 01.12.1993 [versão em espanhol]).

Mesmo assim, continuaram tropeçando na mesma pedra:

– “A obra do Testemunha [de Jeová] pela Teocracia parece ter se cumprido na maioria dos países da Cristandade; estamos ansiosos e atentamente aguardando o sinal da batalha do Armagedon” (A Atalaia, 01.09.1940 [versão em inglês]).

– “O novo livro ‘Filhos’ provará ser útil nos últimos meses que restam antes do Armagedon” (A Atalaia, 01.10.1941 [versão em inglês]).

– “Estamos nos últimos meses que antecedem a batalha do Armagedon” (A Atalaia, 15.09.1941 [versão em inglês]).

– “Conforme a fidedigna cronologia bíblica, os seis mil anos desde a criação do homem terminarão em 1975 e o sétimo período de mil anos da história humana começará no outono de 1975 da Era Cristã, de forma que os 6000 anos da existência do homem sobre a terra logo terminarão” (Vida Eterna na Liberdade dos Filhos de Deus, pp. 29-30, 1966).

– “Conforme um cálculo mais recente da conta do tempo na Bíblia, os seis mil anos da existência do homem terminarão na segunda metade do ano de 1975. O milênio bíblico está diante de nós” (A Atalaia, 15.04.1967 [versão em espanhol]).

– “Fixem-se nisto, irmãos: faltam apenas 90 meses para que se complete a existência do homem na terra” (Ministério do Reino, p. 4, março/1968 [versão em inglês]).

O pior de tudo são as conseqüências que psicologicamente pode ocasionar este encontrar o fim do mundo em cada esquina. Por exemplo, na seguinte publicação, recomendam adiar o matrimônio até que chegue a paz eterna sobre a terra:

– “É melhor que adiemos o nosso matrimônio até que chegue a paz eterna sobre a terra. Agora não devemos aumentar a nossa carga; temos que estar livres para o Senhor” (Filhos, p. 346, 1941).

Você é capaz de imaginar quantos Testemunhas de Jeová levaram este conselho a sério e adiaram seus matrimônios no aguardo da paz eterna? Terminaram perdendo o vigor. E numa época onde certos medicamentos não existiam, isto certamente foi para eles um verdadeiro “fim do mundo”:

“Ter filhos hoje em dia…
Agora, mais do que nunca, ‘o tempo que resta está reduzido’. Sim, é limitado o tempo que resta para que o povo de Jeová conclua a obra que Ele lhe confiou, a saber: ‘Estas boas novas do reino serão pregadas em toda a terra habitada para testemunho de todas as nações; e então virá o fim’ (Mateus 24:14). Essa obra deve ser realizada antes que venha o fim. Por isso, é apropriado que os cristãos se perguntem que efeito terá em sua participação nessa obra vital que se casem ou, se estiverem casados, que tenham filhos” (A Atalaia, 01.03.1988 [versão em espanhol]).

Imagine você quantos casais, considerando que o tempo estava “reduzido”, decidiram não ter filhos!

A GERAÇÃO DE 1914

Após tropeçar tantas vezes na mesma pedra, a doutrina da Torre da Vigia tomou a sua forma atual, que afirma que em 1914 Cristo se tornou “presente”, porém, de forma “invisível”, estando agora “subjugando” seus inimigos, após o que estabelecerá por completo o Reino de Deus e a paz eterna:

– “Em 2 de outubro de 1914, Charles Taze Russell, então presidente da Sociedade Torre da Vigia de Bíblias e Tratados, anunciou expressamente: ‘Os Tempos dos Gentios terminaram; o dia de seus reis passaram’. Quão verídicas demonstraram ser suas palavras! Ainda que tenha sido invisível aos olhos humanos, em outubro de 1914 ocorreu no céu um acontecimento de transcedência mundial: Jesus Cristo, o Herdeiro permanente do ‘trono de Davi’, começou a governar como Rei sobre toda a humanidade (Lucas 1:32,33; Revelação 11:15)” (A Geração de 1914… Por que é significativa?, w92 1/5 6-7 [versão em espanhol]).

Esta passagem é bastante reveladora porque tenta converter o grande fracasso de Russell, ao prever o fim do mundo para 1914, em uma previsão cabalmente cumprida. Ainda que qualquer pessoa com um pouco de senso comum possa se perguntar como é que Cristo está reinando se a cada dia que passa o mundo cai em uma maior imoralidade (praticam-se cada vez mais abortos, legaliza-se o casamento-gay, legaliza-se a eutanásia, continuam ocorrendo guerras, assassinatos, roubos etc.), eles criaram uma resposta engenhosa:

– “Porém, talvez você pergunte: se Cristo começou a governar em 1914, por que pioraram as condições na Terra? Porque, todavia, existia Satanás, o inimigo invisível da humanidade. Satanás teve acesso ao céu até 1914. Porém isso mudou quando o Reino de Deus foi estabelecido em 1914. ‘Ocorreu uma guerra no céu’ (Revelação 12:7). Satanás e seus demônios foram vencidos e lançados à Terra, produzindo efeitos catastróficos na humanidade. A Bíblia predisse: ‘Ai da terra e do mar, porque o Diabo desceu até vocês, possuindo grande ódio, sabendo que tem um curto espaço de tempo!’ (Revelação 12:12)” (A Geração de 1914… Por que é significativa?, w92 1/5 6-7 [versão em espanhol]).

Esta doutrina também inclui a crença de que o Reino de Deus sobre a terra seria definitivamente instaurado antes que a geração de 1914 morresse.

– “Se Jesus empregou a palavra ‘geração’ nesse sentido e a aplicamos a 1914, então as crianças dessa geração têm agora 70 anos de idade ou mais. E outros que estavam vivos em 1914 têm agora cerca de 80 ou 90 anos; e há alguns que até já alcançaram os 100 anos de idade. Ainda vivem muitas milhões de pessoas daquela geração; algumas delas ‘não passarão de modo algum até que sucedam todas as coisas’ (Lucas 21:32).
A partir do ponto de vista meramente humano, poderia parecer que tais eventos dificilmente poderiam ocorrer antes que a geração de 1914 desapareça de cena. Porém, o cumprimento de todos os eventos previstos que deveriam afetar a geração de 1914 não depende de medidas humanas, que são relativamente lentas. A palavra profética que Jeová pronunciou por Cristo Jesus é: ‘Esta geração [de 1914] não passará de modo algum até que sucedam todas as coisas’ (Lucas 21:32). Ademais, Jeová – que é a fonte da profecia inspirada e infalível – fará com que se cumpram as palavras do seu Filho em um período relativamente curto (Isaías 46:9,10; 55:10,11).
A proximidade do Reino de Deus hoje significa o fim dos divisivos sistemas políticos, religiosos e comerciais da atualidade. Significa que será introduzido um novo governo justo para todas as pessoas obedientes da humanidade. Você pode escolher a vida eterna sob este arranjo de ‘novos céus e uma nova terra’ (2Pedro 3:13; João 17:3). Sim! Você pode chegar a ver esta Nova Ordem prometida, juntamente com os sobreviventes da geração de 1914… A geração que não passará” (1914… A Geração que não Passará, w84 15/5 4-7 [versão em espanhol]).

Até aqui, vimos os antecedentes desta doutrina e sua forma final. Passarei agora a fazer uma humilde análise bíblica dos seus argumentos.

A MANEIRA DE SE CALCULAR A DATA DE 1914

Demonstrarei agora, textualmente, a forma que os Testemunhas de Jeová apresentam em suas publicações de se efetuar o referido cálculo:

– “6. Se você abrir a sua Bíblia em Daniel 4, encontrará uma profecia que revela o objetivo de Deus quanto a exercer Sua soberania sobre a Terra. Declara aí que o objetivo pelo qual se cumpre essa profecia é ‘que saibam os viventes que o Altíssimo é Governante no reino da humanidade e a quem Ele quiser dá-lo’ (versículos 2, 3 e 17). Sabemos que esta pessoa “a quem” o Altíssimo dá ‘o Reino’ é Cristo Jesus. E o último livro da Bíblia fala do tempo em que ‘o reino do mundo’ é dado a Cristo como Rei celestial (Revelação 11:15; 12:10). Isto significa, portanto, que a profecia de Daniel trata do tempo em que Deus intervirá nos assuntos humanos, o que ocorrerá dando ‘o reino do mundo’ a Jesus Cristo. Quando a profecia mostra que isso acontecerá?
7. O sonho profético registrado em Daniel descreve uma imensa árvore que foi derrubada e rodeada com bandas de ferro e cobre até que passaram ‘sete tempos’ sobre ele. Durante esse tempo se lhe daria ‘o coração de um animal’ (Daniel 4:10-16). O que isto significava? Deus fez Daniel explicar: Nabucodonosor, o rei da Babilônia, perderia o juízo, seria removido de seu trono e lançado para longe dos homens, vivendo como um animal. Depois de 7 anos, o rei recobraria o juízo. Isto, na verdade, ocorreu ao rei e foi reconduzido ao seu trono como a pessoa que reconheceu a superioridade do governo de Deus (Daniel 4:20-37). Entretanto, tudo isto tinha um significado maior e, por essa razão, foi registrado na Bíblia.
8. O significado maior tem a ver com um governo mais poderoso, que beneficiaria toda criatura viva da Terra. Desse governo, como diz a profecia, haveria ‘alimento para todos’ e proteção até para os animais e as aves (Daniel 4:12). O único governo que na verdade pode implementar estes benefícios é o Reino de Deus. Os princípios justos desse governo foram demonstrados através da história de Judá, com seus reis em Jerusalém. Porém, pela infidelidade manifestada, Jeová deixou o reino de Judá ser conquistado pela Babilônia, no ano 608 antes da Era Cristã. Foi como se a árvore do sonho fosse cortada e fossem colocadas bandas [de ferro e cobre] ao redor do tôco. Sem intervenção divina, os governos nacionais têm exercido domínio mundial desde então. Visto que estes reinos nacionais são representados na Bíblia como ‘animais’, foi como se um anjo vindo do céu tivesse anunciado: ‘Que lhe seja dado o coração de um animal e passem sete tempos sobre ele’ (Daniel 4:16; 8:1-8,20-22). Com o passar do tempo, porém, aqueles ‘sete tempos’ de governo realizados por governantes semelhantes a animais caducariam. Então as ‘bandas’ seriam removidas e a ‘árvore’ cresceria novamente à medida que começasse a exercer o domínio mundial aquele a quem Jeová daria ‘o reino do mundo’.
9. Quanto durariam esses ‘sete tempos’? Muito mais do que sete anos, porque séculos depois Jesus Cristo indicou que estes ‘tempos assinalados das nações’ ainda continuavam. As nações haviam obtido o domínio mundial com a conquista de Jerusalém pela Babilônia, em 607 antes da Era Cristã, e continuariam a tê-lo por mais algum tempo (Lucas 21:24).
10. Note você como a Bíblia se refere aos ‘tempos’ proféticos: Revelação 11:2,3 mostra que 1260 dias compõem 42 meses ou 3 anos e meio. Revelação 12:6,14 menciona o mesmo número de dias (1260), porém os chama de ‘um tempo, e tempos, e metade de um tempo’ ou 3 ‘tempos’ e meio. Cada um desses ‘tempos’ é de 360 dias (3 1/2 x 360 = 1260). Cada dia desses ‘tempos’ proféticos representa 1 ano inteiro, segundo o princípio de ‘um dia para cada ano’ (Números 14:34; Ezequiel 4:6). Assim, portanto, os ‘sete tempos’ são 2520 anos (7 x 360). Contando desde o outono de 607 antes da Era Cristã, quando Babilônia derrubou o típico reino de Deus em Judá, 2520 anos nos conduzem até o outono de 1914 da Era Cristã (606 1/4 + 1913 3/4 = 2520). Nesse ano, ‘o reino do mundo’ seria confiado a Jesus Cristo” (O Ano Marcado… 1914 E.C., pp. 69-85).

Para que você possa perceber o absurdo deste método de calcular a data do final dos tempos, deve ler completamente o capítulo 4 de Daniel. (…).

Em primeiro lugar, devemos notar que o texto citado, onde os Testemunhas de Jeová dizem que Deus “revela o objetivo quanto a exercer Sua soberania sobre a Terra” se refere não ao final dos tempos, mas a aplicar uma lição em Nabucodonosor, que em sua soberania não reconhecia a soberania de Deus. Deus lhe faz notar, assim, como permitiu que viesse a se tornar rei; com efeito, poderia também tirá-lo do seu trono e colocar nele quem bem desejasse.

O próprio Daniel, quando interpreta a profecia, assim o faz:

– “Esta é a sua interpretação, ó rei, e o decreto do Altíssimo que expediu ao meu senhor, o rei: ‘Serás lançado para longe dos homens e com os animais do campo habitarás; erva, como os bois, terás por comida e serás banhado com o orvalho do céu; sete tempos passarão por ti até que reconheças que o Altíssimo domina sobre o império dos homens e que o dá a quem lhe compraz” (Daniel 4,24-25).

Esta é a explicação do próprio profeta ao interpretar o texto que, segundo os Testemunhas de Jeová, reflete o propósito de Deus de exercer Sua soberania sobre a terra:

– “É a sentença ditada pelos Vigilantes, a questão decidida pelos Santos, para que todo ser vivo saiba que o Altíssimo domina sobre o reino dos homens: é dada a quem lhe compraz e exalta o mais humilde dos homens” (Daniel 4,17).

Assim, tiraram este texto do contexto, porque ali Deus exerce sua soberania humilhando a Nabucodonosor, [mas os Testemunhas de Jeová] fazem crer que se refere à soberania definitiva de Deus no final dos tempos.

Porém, essa não é a única vez que tiram os textos de seus contextos; por exemplo, quando afirmam: “Entretanto, tudo isto tinha um significado maior e, por essa razão, foi registrado na Bíblia. O significado maior tem a ver com um governo mais poderoso, que beneficiaria toda criatura viva da Terra. Desse governo, como diz a profecia, haveria ‘alimento para todos’ e proteção até para os animais e as aves (Daniel 4:12). O único governo que na verdade pode implementar estes benefícios é o Reino de Deus”.

Além do que já tinha interpretado Daniel quanto a essa profecia, [os Testemunhas] encontram um outro significado “maior” (que, ao que parece, passou despercebido pelo profeta Daniel), tomando por base que se menciona um governo mais poderoso no qual haveria “alimento para todos”, o que – segundo eles – somente poderia se referir ao reinado de Cristo. No entanto, erram novamente, já que o próprio Daniel interpretou que essa árvore, da qual se alimentavam todos os habitantes, era o reinado de Nabucodonosor.

– “Essa árvore que viste, que se tornou grande e encorpada, cuja altura atingia o céu e que era visível em toda terra, que possuía formosa ramagem e frutos em abundância, que produzia alimento para todos, sob a qual se abrigavam as feras do campo e em cujos ramos faziam ninho os pássaros do céu, sois tu – ó rei – que te tornaste grande e poderoso, cuja grandeza tem crescido e chegado até o céu, e cujo domínio se estende até os confins da terra” (Daniel 4,20-22).

Daí associam arbitrariamente os 7 tempos de Nabucodosor em seu coração de animal como uma chave oculta que na verdade significariam 360 anos (uma fórmula matemática também arbitrária) contados a partir da queda de Jerusalém (data que também tem recebido muitas críticas, já que adotam uma data diferente daquela que é aceita em geral pelos historiadores).

Antes de escrever este artigo, expressei a minha opinião a diversos Testemunhas de Jeové de que essa associação que faziam do capítulo 4 de Daniel com o fim dos tempos era totalmente arbitrária e não havia razão para se buscar um “significado maior” além daquele que o próprio Daniel, como profeta de Deus, tinha dado à profecia. Eles simplesmente me responderam: “É que você lê a Bíblia como uma estorinha”. Quando comentei com eles que não existia qualquer relação destes 7 tempos com o tempo que seria instaurado o Reino de Deus após a queda de Jerusalém, me disseram: “É que você não tem conhecimento e está com o coração endurecido. Por isso, não consegue entender”. Ninguém pode nada contra argumentos assim “tão convincentes”…

A BÍBLIA FALA SOBRE UMA VINDA “INVISÍVEL” DE CRISTO?

Entre a incontável quantidade de publicações em que os Testemunhas de Jeová afirmam que Cristo falou de sua presença invisível, encontramos esta:

– “2. Pouco antes de encerrar o seu ministério na Terra, Jesus predisse o sinal de sua presença invisível no poder do Reino (Mateus, capítulos 24 e 25). Descreveu claramente como seriam os tempos durante sua presença real e os eventos que cumprem a profeciam mostram que foi entronizado nos céus em 1914. Também apontou uma situação que nesse tempo colocaria à prova a autenticidade da nossa fé. Esta teria a ver com o momento em que Jesus atuaria como Executor para destruir o presente sistema iníquo na grande tribulação, pois disse: ‘Sobre aquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, mas apenas o Pai’. Com isto em mente, passou a dizer: ‘Assim, mantenham-se em alerta, pois não sabem em qual dia virá o seu Senhor’ (Mateus 24:36,42)” (Por que os Testemunhas de Jeová se Mantêm em Alerta?, w94 1/5 21-26).

O certo é que se você ler completamente os capítulos 24 e 25 de Mateus não encontrará Jesus jamais falando de sua presença “invisível”.

O texto começa quando os discípulos se mostram maravilhados com o Templo [de Jerusalém] e Jesus lhes diz que não restaria pedra sobre pedra:

– “Ao sair do templo, os discípulos aproximaram-se de Jesus e fizeram-no apreciar as construções. Jesus, porém, respondeu-lhes: Vedes todos estes edifícios? Em verdade vos declaro: não ficará aqui pedra sobre pedra; tudo será destruído. Indo ele assentar-se no monte das Oliveiras, achegaram-se os discípulos e, estando a sós com ele, perguntaram-lhe: Quando acontecerá isto? E qual será o sinal de tua vinda e do fim do mundo?” (Mateus 24,1-3).

Como se pode observar, os discípulos fazem duas perguntas [a Jesus]:

1. “Quando acontecerá isto?” – Refere-se à destruição do Templo, sobre o quê Cristo acabara de lhes falar (e que ocorreu em 70 d.C.).

2. “Qual será o sinal de tua vinda e do fim do mundo?” – Aqui, sim, perguntam-lhe sobre a sua [nova] vinda.

Os Testemunhas de Jeová alegam que a palavra grega traduzida aqui para “vinda” é “parousía”, mas que na realidade significa “presença”. Consultando dois dicionários de grego (Strong e Barclay), estas fontes dão ambos os significados como possíveis. O certo é que, independente disto, nada aqui faz pensar que será invisível esta “vinda”, “presença” ou como se lhe queira traduzir o termo. A prova se encontra na própria Escritura, quando Cristo responde aos seus discípulos. Ele começa narrando os acontecimentos que ocorreriam antes de sua [nova] vinda (guerras, terremotos, fomes) e que os Testemunhas de Jeová erroneamente interpretam como sinal de que [Jesus] já está presente de forma invisível. Após isto, nos fala sobre sua [nova] vinda:

– “Então aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade. Ele enviará seus anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade do céu à outra” (Mateus 24,30-31).

Aqui, as próprias palavras de Cristo descartam qualquer vinda “invisível”, porque são enfatizados os seguintes fatos:

1. “Todas as tribos da terra baterão no peito” – Porém, como poderiam bater no peito todas as tribos da terra se ninguém percebeu sua vinda?

2. “Verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade” – Contudo, seria um absurdo o texto afirmar que “verão” o Filho se ele está “invisível”.

3. “Ele enviará seus anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos” – Isto quer dizer que os eleitos serão levados à presença de Cristo para estar com Ele para sempre. Entretanto, se Cristo já veio e não fez nada disto, será que Cristo se esqueceu de levar os Testemunhas de Jeova? Foram relatados desaparecimentos em massa em 1914?

Outro texto em que se assinala com mais clareza a vinda de Cristo encontramos no Apocalipse:

– “Ei-Lo que vem entre as nuvens. Todos os olhos o verão, mesmo aqueles que o traspassaram. Por sua causa, hão de lamentar-se todas as raças da terra. Sim. Amém” (Apocalipse 1,7).

Não sei como os Testemunhas puderam entender que quando se diz: “Todos os olhos o verão”, estaria se referindo a uma vinda “invisível”.

Curiosidade: Debatendo com um partidário da vinda invisível de Cristo, este me disse que uma prova de que era invisível é que [a Biblia] diz: “Vem entre as nuvens”, e as nuvens o encobrem!!! (Não, não é brincadeira!).

Outro texto muito claro que afirma que Cristo não terá uma vinda invisível, mas que virá para que a Igreja esteja para sempre com ele, é este:

– “Eis o que vos declaramos, conforme a palavra do Senhor: por ocasião da vinda do Senhor, nós que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1Tessalonicenses 4,15-18).

Aqui também se fala que Cristo virá para se reunir com sua Igreja para sempre. Invisível coisa nenhuma!

COMO QUALIFICAR A ATITUDE DA SOCIEDADE TORRE DA VIGIA?

Definitivamente, não foi nada responsável da parte da Sociedade Torre da Vigia ter feito uso da ladainha de profecias não-cumpridas sobre o fim dos tempos (mais de dez vezes…), pelas conseqüências permanentes que ocasionaram em seus membros (sem contar quantas vezes caiu no ridículo, coisa que o próprio presidente dos Testemunhas de Jeová reconheceu).

Atualmente já deve estar próxima uma alteração na doutrina de 1914, coisa que é necessária, já que a geração de 1914 chegou praticamente ao fim (quando este artigo foi escrito, os Testemunhas de Jeová nascidos nesse ano contavam com 94 anos de idade, e já não devem ser muitos); todavia, “não se chegou ao fim” novamente, como podemos constatar. Um possível sintoma dessa alteração encontramos em uma das frases incluídas de forma explicativa, mantida em quadro à parte, da apresentação intitulada “Por que é publicada [a revista] Despertai!”, pouco antes de 1995 [versão em espanhol]:

– “Mais importante ainda: esta revista promove a confiança na promessa do Criador em estabelecer um novo mundo pacífico e seguro antes do desaparecimento da geração que presenciou os acontecimentos de 1914”.

No entanto, atualmente escrevem assim [versão em espanhol]:

– “Um novo mundo pacífico e seguro logo substituirá o atual sistema de coisas caracterizado pela maldade e rebelião”.

Significa isto que, depois de tropeçarem tantas vezes seguidas na mesma pedra, tentam agora virar o timão? Não sabemos até que venha a ocorrer! Enquanto isso, a doutrina permanece inalterada.

QUAL A MORAL DA ESTÓRIA?

A mensagem de Cristo é que estejamos sempre preparados, pois não sabemos nem o dia, nem a hora. O fim do mundo não se encontra em cada esquina.

Recordemos que, ainda que o mundo viesse a acabar daqui a 4 mil anos, o nosso “fim do mundo” ocorre quando nos chega a morte e precisamos prestar contas a Deus. Como não sabemos quando ocorrerá, o melhor é estar sempre alerta!

– “Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. Estai, pois, preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem” (Lucas 12,39-40).

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