Autoridade da Bíblia ou da Igreja?

– A igreja (católica), ou sua tradição, tem autoridade para mudar aquilo que a bíblia diz (por exemplo, quanto aos 10 mandamentos)? Se sim, qual a base para isso? (E.).

Prezado E.,

Agradecemos pelo seu contato.

Você nos pergunta se a Igreja Católica (ou sua Tradição) “tem autoridade para mudar aquilo que a Bíblia diz”, e cita, como exemplo de uma suposta “mudança”, os Dez Mandamentos.

Em primeiro lugar, a Igreja Católica nunca mudou nem mudará nada daquilo que diz a Escritura Sagrada. O que a Igreja tem o direito – e mais ainda, o dever de fazer – é interpretar a Bíblia com a sabedoria e a autoridade que lhe foram confiadas pelo Seu Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo, pois foi precisamente para isso, ou seja, para orientar o rebanho de Cristo (o que inclui ensinar a correta interpretação da Bíblia), que a Igreja foi criada.

No caso dos Dez Mandamentos, a Igreja julgou melhor fundir os versículos 3 a 6 de Êxodo 20 num só mandamento (no caso, o primeiro) porque esses versículos dizem respeito a um mesmo assunto, a saber: a fidelidade total e exclusiva a Deus. Confeccionar imagens e adorá-las como se fossem deuses, conferindo a tais “deuses” poderes e prerrogativas que são exclusividade de Deus (como criar algo do nada, operar milagres etc.), isso é pecado – uma prática condenada no Primeiro Mandamento.

A propósito, não é isso, evidentemente, que nós católicos fazemos. As imagens dos santos, dos anjos e da Virgem Maria que temos em nossas igrejas e em nossas casas são como que retratos tridimensionais de entes queridos, dignos da nossa estima (veneração) pelo exemplo de amor a Deus e ao próximo que eles deram e pelo papel que desempenharam (e continuam desempenhando) no plano da Salvação e pelo bem das almas. Veneração é diferente de adoração, a qual só prestamos à Santíssima Trindade, ao único Deus Criador. Através das imagens dirigimos nossa estima e nossa veneração àqueles que elas representam, e lhes pedimos que intercedam por nós, assim como nós, aqui na Terra, intercedemos uns pelos outros. Ademais, as imagens favorecem a piedade e avivam a nossa fé. Aliás, o uso religioso de imagens não só foi permitido, mas também ordenado pelo próprio Deus, como se pode ler em Números 21:

“6. Então o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que morderam e mataram muitos.
7. O povo veio a Moisés e disse-lhe: ‘Pecamos, murmurando contra o Senhor e contra ti. Roga ao Senhor que afaste de nós essas serpentes.’ Moisés intercedeu pelo povo,
8. e o Senhor disse a Moisés: ‘Faze para ti uma serpente ardente e mete-a sobre um poste. Todo o que for mordido, olhando para ela, será salvo.’
9. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze, e fixou-a sobre um poste. Se alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, conservava a vida.”

Encontramos outro exemplo em Êxodo 25:

“16. Porás na arca o testemunho que eu te der.
17. Farás também uma tampa de ouro puro, cujo comprimento será de dois côvados e meio, e a largura de um côvado e meio.
18. Farás dois querubins de ouro; e os farás de ouro batido, nas duas extremidades da tampa, um de um lado e outro de outro,
19. fixando-os de modo a formar uma só peça com as extremidades da tampa.
20. Terão esses querubins suas asas estendidas para o alto, e protegerão com elas a tampa, sobre a qual terão a face inclinada.
21. Colocarás a tampa sobre a arca e porás dentro da arca o testemunho que eu te der.
22. Ali virei ter contigo, e é de cima da tampa, do meio dos querubins que estão sobre a arca da aliança, que te darei todas as minhas ordens para os israelitas.”

Outros exemplos podem ser encontrados em 1Reis 6,23-29 e 1Reis 7,23-28s. Confira em sua Bíblia.

Finalmente, o próprio Deus Criador quis tomar uma forma – uma forma humana – encarnando-Se em Nosso Senhor Jesus Cristo. O que antes era invisível tornou-se visível (o próprio Cristo disse: “Aquele que me viu, viu também o Pai”, cf. João 14,9b). Nesse sentido, fica claro que Deus quis Se servir da materialidade para Se comunicar conosco, e esse princípio também dá fundamento ao uso que fazemos das santas imagens.

Em segundo lugar, é preciso compreender que a Bíblia não caiu pronta do céu. Ela não é anterior à Igreja; pelo contrário, a Igreja é que é anterior à Bíblia. Foi no seio da Igreja que a Bíblia foi escrita, e foi a Igreja que definiu, em meio aos muitos escritos que existiam na época, quais os que eram divinamente inspirados e isentos de erros, e que por isso deveriam compor a Bíblia Sagrada. Foi a Igreja, com a sabedoria e a autoridade que Deus lhe deu, que definiu o cânon. Se não fosse a autoridade da Igreja, a Bíblia, tal como chegou até nós, simplesmente não existiria, e ao longo dos séculos livros e mais livros iriam ser escritos entre os cristãos (como foram nos primórdios do cristianismo) e seria impossível saber onde encontrar a Palavra de Deus, surgindo a cada dia novas “revelações”.

E em terceiro lugar, a Bíblia em si é apenas um livro (embora seja o Livro mais importante do mundo), e todo livro permite diversas interpretações. Ora, nós católicos seguimos a interpretação do Magistério da Igreja; os luteranos seguem a interpretação de Lutero e do seus sucessores; os calvinistas, a de Calvino e dos seus sequazes; os metodistas seguem Wesley; os membros da Igreja Universal do Reino de Deus têm o “bispo” Edir Macedo como guia; enfim, os grupos religiosos que seguem uma determinada interpretação da Bíblia são milhares (até os espíritas dizem possuir a verdadeira interpretação do Evangelho!). Isso sem contar aqueles que, tendo pertencido a um desses grupos, hoje seguem apenas a própria consciência, como se cada um fosse uma espécie de “magistério de um homem só”, ou como se fossem “Papas” de si próprios! Quem está com a razão, afinal?

Não é possível que seja assim! Nosso Senhor Jesus Cristo, quando andou entre nós, não deixou o povo à própria sorte, como se a cada um fosse dado viver como bem entendesse. Nosso Senhor escolheu, em meio ao povo, os Doze Apóstolos, e de modo especial Pedro, sobre o qual edificou a Sua Igreja (Mateus 16,15-19). E deu aos Apóstolos, sob a chefia de Pedro (leia também João 21,15-17), a missão de liderar o rebanho, de zelar pela doutrina revelada. Assim nasceu a Igreja, e foi assim nos primórdios do Cristianismo, quando a Bíblia ainda não existia e os primeiros cristãos seguiam tão-somente os Apóstolos, e depois os seus legítimos sucessores. E foi assim durante 15 séculos, até que, com a invenção da imprensa, cópias da Bíblia foram se tornando mais e mais populares, e os primeiros “reformadores” (como Lutero, Calvino e outros) estimularam as pessoas a lerem e interpretarem elas mesmas a Escritura Sagrada. A partir de então, as interpretações individuais (subjetivas) se multiplicaram, os cristãos se dividiram, e muitos não quiseram mais obedecer ao Magistério da Igreja, que fora fundado por Nosso Senhor Jesus Cristo com a eleição dos Apóstolos, no alvorecer da fé cristã.

A verdade, prezado E., é que só na Igreja Católica podemos ter a certeza de seguir a verdadeira interpretação da Bíblia, a verdadeira doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo. Fora da Igreja, embora encontremos fé e temor a Deus, o que há, no fim das contas, é subjetivismo, é uma pluralidade de interpretações em vista da qual torna-se impossível saber onde está a verdade.

Pela sua pergunta, vê-se que você ama a Bíblia. Por isso mesmo, nós o convidamos a conhecê-la melhor à luz da doutrina e da autoridade católicas. E você descobrirá que somente na Igreja Católica podemos compreender, verdadeiramente, a Palavra de Deus. Não conforme esta ou aquela interpretação particular (por mais “razoável” e “correta” que possa parecer), mas conforme a vontade expressa por Nosso Senhor Jesus Cristo, que fundou a Igreja e a confiou aos Apóstolos (e aos seus sucessores) para que nela, e por ela, pudéssemos conhecer e seguir a Sua sã doutrina.

Que a graça e a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo estejam com você e sua família.

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