Carta a um protestante sobre a Comunhão dos Santos

Carta a um protestante sobre a Comunhão dos Santos:

A Comunhão dos Santos não se restringe aos cristãos vivos. A Comunhão dos Santos é de todos os que estão na Graça de Deus, pois “O Deus de Abraão, Isaac e Jacó não é um Deus de mortos”.

Aqui na terra estamos ainda lutando, e lutando dolorosamente, com as consequências do Pecado Original. A cada momento temos que, auxiliados pela graça de Deus, fazermos a escolha entre adorar a Deus (tê-l’O como fim último de nossos atos e afetos) ou a uma criatura. A cada momento escolhemos não matar, não roubar, não mentir, ajudados pela graça de Deus. Nossa natureza, decaída em consequência do Pecado de Adão, nos impulsiona para fazer o mal, e quanto mais mal fizermos mais fácil se torna resistir à Graça (“Não faça o mal e o mal não se apoderará de ti”, diz o Provérbio). É em decorrência deste combate, desta “corrida”, como diz o Apóstolo, que somos a Igreja Militante.

Mas os que estão no Céu com Deus não têm mais o desejo de fazer o mal, não carregam mais consigo as consequências do Pecado Original. Eles já venceram a corrida de que nos fala o Apóstolo (aliás, mudando de assunto: não consigo achar a msg que você mandou sobre “covardia versus temor” para te responder; estou te devendo ainda uma resposta, desculpe-me). Eles são, portanto, a Igreja Triunfante.

São Paulo nos fala, no início do capítulo 12 da Epístola aos Hebreus, de como estamos “rodeados de uma nuvem de testemunhas”, citadas ao longo de todo o capítulo anterior (cabe lembrar que a divisão em capítulos data de muitos séculos depois de São Paulo…). Estas testemunhas (em grego, “mártires”) são os Santos. Eles estão nos ajudando, e nos ajudando com suas orações. Você, mais que muitos, sabe o que é necessário para a oração. Uma visão natural não é necessária; uma audição também não; e, evidentemente, tampouco é necessário que tenhamos sequer a capacidade de falar. A Oração é um anseio da alma, e pertence a ela. Os Santos dedicam-se à oração, incessantemente, a nosso favor. Pela oração eles nos ajudam, pelos seus pedidos a Deus e pelos seus exemplos para nós, eles nos levam a melhor ver a meta a ser alcançada.

Você pergunta: “Será que o caminho para essa futura “comunhão no ceu” não partiria de uma vida santa, depois de arrependimento dos pecados, conversão e vida cristã alicercada na vontade de Deus?”, ao que só posso responder: “Claro!”.

Mas se quisermos aprender a consertar automóveis, devemos buscar a ajuda e o exemplo de quem sabe consertar automóveis, e já os consertou. Se quisermos aprender a cantar, ou a tricotar, ou a tocar um instrumento, o mesmo vale. Isso também se aplica à Salvação. Pelo exemplo e pelas orações dos Santos, aprendemos a sermos nós também Santos; pelo arrependimento dos Santos aprendemos nós também a nos arrependermos de nossos pecados; a conversão dos Santos nos guia e nos serve de modelo para a nossa conversão, assim como a aceitação por eles da Palavra de Deus nos leva a, nós também, aceitá-la.

Dois Santos de minha particular devoção, por exemplo, são Santo Agostinho e São Jerônimo. Santo Agostinho, como eu (que aliás nasci em seu dia!), teve uma vida turbulenta antes de sua conversão. Dado à sensualidade, dado aos prazeres da carne, para ele, como para mim, a conversão foi um processo intelectual difícil, uma lenta e progressiva negação da mentira e aceitação da verdade. O exemplo dado por Santo Agostinho me é estremamente precioso. Ver aquilo por que este Santo passou em seu caminho, as graças que lhe foram concedidas e a sua tenaz resistência a elas no começo me ajudaram imensamente a aceitar por meu lado graças muito parecidas com as que o Santo recebeu.

Do mesmo modo, São Jerônimo, como eu, foi à Terra Santa estudar as Escrituras. São Jerônimo, como eu, dedicou-se aos embates (intelectuais) pela Fé. São Jerônimo, como eu, dedicou-se ao estudo da Escritura.

Mas eles têm algo que eu não tenho: eles estão já junto a Deus, tendo vencido as armadilhas do demônio que os rondou “qual leão a rugir”, estando portanto contados entre os eleitos, sendo parte daquela nuvem de testemunhas de que nos fala São Paulo. Confio nas suas orações. Confio que Santo Agostinho, ao ver-me passando por momentos difíceis como os que ele passou, tendo dificuldades como ele teve para abandonar a luxúria e a sensualidade, orou pedindo a Deus auxílio para este pobre irmão. Do mesmo modo tenho certeza de que São Jerônimo não deixa de incluir em suas orações um pedido a Deus de que cada vez mais o meu programa de rádio, a ele dedicado, floresça e distribua seus bons frutos pelo País.

Assim os Santos, entre os quais como figura de proa evidentemente está Maria Santíssima, nos dão todos a mesma mensagem: “cumpra-se em mim segundo a Tua Palavra”, ao dirigirmo-nos a Deus, e “fazei tudo o que Ele vos mandar”, ao buscarmos saber a correta ação no mundo.

Os Santos nos dirigem para Deus com exemplos que podem ser aplicados à nossa vida. Para quem luta contra a sensualidade, Santo Agostinho é um exemplo (nunca um fim em si, posto que ele nos direciona para Deus); para quem luta contra a cobiça, São Francisco de Assis é um modelo, que mostrando o reto caminho e fazendo-nos ter confiança filial no Pai que nos dá a graça da conversão, nos faz ver mais nitidamente (nos “testemunha”) o caminho a tomar.

E os Santos também nos dirigem a Deus de forma sobrenatural, ao pedir pela oração que Deus nos mande as graças necessárias para vencermos todas as tentações e provações que encontrarmos.

Não há Santos sem Deus; não se pode falar dos Santos sem falar de Deus. O mais augusto título da mais augusta Santa, a Virgem Maria, Mãe de Deus, é um título que justamente nos remete à sua participação na obra máxima da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Ser Mãe de Deus significa ser mãe de Jesus, ser mãe do verbo feito Carne; significa ter sido aquela que por seu “sim” fez entrar a Salvação no mundo, como o “não” de Eva fez entrar o Pecado.

É portanto uma vida santa, a busca constante da santidade e do perdão dos pecados cometidos (pois se Cristo caiu por três vezes ao carregar a Cruz foi para nos mostrar que todos nós caímos, e temos nos Santos os Cirineus que nos ajudam a nos levantar), que nos leva à Salvação. E os Santos são para nós os exemplos, a, digamos, sinalização da estrada, indicando-nos por seu exemplo a cada encruzilhada o caminho certo. São também irmãos nossos que oram e intercedem por nós, pedindo a Deus que nos dê as graças necessárias para resistir às tentações, para corrigimos a nossa rota quando ela se afasta do Reto Caminho, para, em suma, jogar “fora todo peso e o pecado que nos assedia”; para correr “com perseveranca para o combate que nos cabe, de olhos fitos no autor e consumador da Fé, Jesus.”

Sabemos que nunca estamos sozinhos, sequer estamos apenas “nós e Deus”. Temos irmãos, e belos irmãos. Temos uma família incontável de irmãos que, já na Graça de Deus, já na Visão Beatífica, por nós oram e nossos erros e acertos testemunham.

Mesmo quando tudo parece perdido, temos sempre ao nosso redor uma multidão inumerável de Santos, qual nuvem a nos rodear, mostrando-nos o reto caminho e incitando-nos pelo exemplo e pela oração à perseverança final na dura corrida e no Bom Combate. A Comunhão dos Santos, assim como o amor, vem de Deus e a Deus torna. Não há Santo sem Deus. A Comunhão dos Santos, portanto, se faz por intermédio de Deus. Pelas orações, que Deus faz chegar aos Santos, pelas graças recebidas, etc. O Amor, do mesmo modo, vem de Deus e a Deus deve levar.

Note que Nosso Senhor não se sentou à mesa com os pecadores para incentivá-los no pecado; Ele sempre disse “vá e não peques mais”. Se nós temos (e como temos!) amigos que trilham um caminho errado, nós os amamos, mas não amamos o caminho errado que trilham. Se eu tenho um amigo traficante, por exemplo, eu o amo, mas não amo o seu tráfico. Pelo contrário, odeio o traficante e amo o meu amigo.

Isso ocorre porque eu não o amo “como ele é”, mas como Deus quer que ele seja. Eu não o amo por ser traficante, mas o amo apesar de sê-lo, e rezo diuturnamente para que deixe de sê-lo.

O ser traficante, no caso dele, é algo que o afasta de Deus, algo que o torna menos capaz de Deus. Ora, eu não quero que ninguém vá para o Inferno!, se fosse por mim, iriam todos para o Céu!

É por isso que não amo o traficante em meu amigo, mas amo meu amigo e odeio o tráfico.

Esse é o Amor verdadeiro: o amor que não se limita ao irmão, não pára no irmão como se daí não pudesse avançar. É o amor que leva a Deus, e leva o irmão a Deus. Quando Jesus escandalizou os fariseus ele estava fazendo como meu compadre Padre Adilson, que uma vez escandalisou os fariseus de nosso tempo ao dizer “adoro olhar para o fundo da igreja e ver que está cheio de maconheiros!”. Nosso Senhor estava buscando trazer a Si os pecadores, que Ele ama não por serem pecadores mas por serem capazes de receber a Graça da Salvação, como meu compadre estava trazendo os maconheiros para a Igreja.

Mas a Comunhão dos Santos, apesar de ter pontos em comum, não é a mesma coisa que este amor aos pecadores. Ela é uma comunhão de Santos, ou seja, de quem pode ir para o Céu ou nele está; de quem pelo Batismo ou pela Confissão reuniu-se a Deus e d’Ele tornou-se filho adotivo.

A Comunhão dos Santos é a Igreja, tanto a Igreja Militante (nós, que ainda estamos lutando e buscando perseverar até a Salvação) quanto a Padecente (os que morreram na graça de Deus mas são salvos “como que através do fogo”, por terem ainda apegos desordenados, a “ferrugem do pecado” de que nos fala Sta. Catarina de Sena) e a Triunfante (os Santos no Céu).

A Comunhão dos Santos é a Comunhão dos que estão na Graça de Deus, e ela existe e opera apenas por Deus e em Deus. Uma “comunhão” com o erro (como você diz, com os que têm “conduta e etica diferentes”, “outras formas de fe”) na verdade não é comunhão, mas auto-afastamento de Deus. Devemos sim ir sem medo levar a Verdade a todos, a fariseus, a publicanos e a prostitutas. Todos são seres humanos, que podem e precisam ser salvos. Nenhum deles deve ser maltratado por estar longe de Deus, mas atraído para Ele, pelo exemplo, pela pregação, pelo testemunho.

Mas não podemos substituir a Comunhão dos Santos por uma espécie de amizade aos irmãos caídos em erro, amizade esta que seria aos irmãos por eles, e não aos irmãos por Deus e para Deus.

Não podemos passar a mão na cabeça do ladrão e dizer “vai em frente que você está fazendo a coisa certa”, mas devemos fazê-lo ver o erro do seu modo de vida. Isso só pode ser feito indo a ele, tratando-o como gente e mostrando o nosso amor a ele (e não ao roubo).

Mas isso não é a Comunhào dos Santos. A Comunhão dos Santos é unir em Deus o que é diferente, mas agradável a Deus. É a profecia de Isaías, o cordeiro e o leão lado a lado. Mas o cordeiro não é devorado pelo leão nem o leão se torna um cordeiro. O leão continua leão e o cordeiro continua cordeiro. O que os une é Deus.

A Comunhão dos Santos, portanto, é feita sempre através de Deus e O tendo como fim último.

Amamos o irmão porque Deus o ama, e amamos nele o que Deus ama e o que o faz amar a Deus.

Ao que respondeu ele:

O contexto citado do Livro de Hebreus é muito claro e nada tem a ver com o que você disse. O exemplo dos “cristãos vitoriosos” do passado deve servir para nosso viver diário aqui! E a nuvem de testemunhas é, na realidade, os homens que estão ao nosso redor, vivos! Mortos não são testemunhas!!

Olhaí o preconceito advindo da aceitação de doutrinas meramente humanas em ação…

Você se recusa a aceitar o evidente ensinamento da Escritura porque aceita, antes de aceitar a Escritura, a premissa errônea de que os que faleceram não podem ser testemunhas, já que Lutero inventou isso e você segue a tradição fundada por ele.

Releia os capítulos 11 e 12 de Hebreus e veja.

No capítulo 11 inteiro o Apóstolo escreve sobre os Patriarcas, a fé dos Patriarcas, o testemunho vivo dos Patriarcas, e sobre como eles “não alcançaram a promessa” por não terem Cristo.

Aí ele começa o capítulo 12, dizendo “Deste modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas”. “Deste modo”, diz o Apóstolo.

É mais que evidente que ele está falando do que ocorreu antes. Não fosse assim, ele não poderia usar esta expressão (“deste modo”), que faz justamente a concatenação, a ponte, entre o que foi dito antes e o que ele está a dizer.

Daí ele continua, falando do exemplo de Cristo, que aceitou a morte de cruz “sem fazer caso da ignomínia” (pois para os judeus a cruz era sinal de ignomínia e perdição), e nos conclama a pensarmos em Sua Paixão para que não façamos caso das ofensas dos pecadores.

Depois ele continua, nos lembrando que “O Senhor castiga a quem ama e açoita todo aquele que recebe como filho”, e nos faz ver que o opróbio dos pecadores é uma graça de Deus.

Em seguida ele nos insta a não termos entre nós pessoas sensuais ou profanadores, e nos lembra de nossa proximidade com o Céu (e note como ele coloca, imediatamente antes de Cristo, os “espíritos dos justos que chegaram à perfeição”, e nos insta a mirarmo-nos no exemplo dos Santos que nos transmitiram a Verdade e de sua morte na Graça de Deus).

Quanto à sua idéia de que o Capítulo 11 inteiro seria apenas um exemplo para o nosso viver aqui na terra, ela não procede por uma razão muito clara: se a “nuvem de testemunhas” de Hb 12,1 fosse composta pelos que estão na terra, como você pensa, seria no mínimo coerente que o texto do capítulo 11 falasse do testemunho dos Patriarcas diante dos descrentes, não da Fé deles em Deus e contra os pagãos.

Ora, o que se fala em relação aos descrentes neste capítulo é exatamente o contrário!: Noé “condenou o mundo” (Hb 11,7); “Moisés (…) foi escondido” (Hb 11,23); os pais de Moisés “não se deixaram amedrontar pelo decreto do rei”(idem, ibidem); Moisés “recusou passar por filho da filha do Faraó, preferindo sofrer maus tratos com o povo de Deus a desfrutar das vantagens passageiras do pecado, considerando maior riqueza do que os tesouros do Egito a humilhação de Cristo, pois punha os olhos na recompensa.” e não temeu “a cólera do rei”. (Hb 11,24-26).

Ao longo dos capítulos 11 e 12 o Apóstolo simplesmente nos mostra o oposto do que você quer ver. Lembre-se de que o Apóstolo não era protestante…

Você, simplesmente por aderir a uma heresia que prega serem os falecidos incapazes de testemunhar, nega a verdade da Escritura e torce o texto até significar o contrário, sô!

Se fosse como você quer, para que o Apóstolo pudesse escrever as palavras fatídicas “deste modo”, o capítulo 11 teria que narrar como José pareceu bom aos olhos do faraó, como Moisés pareceu santo aos olhos de todos, como Abraão foi honesto ao comprar a terra para seu túmulo…

Reitero o meu convite: abandone estas fábulas e volte para a verdadeira Fé., Esqueça os falsos pastores, esqueça os falsos doutores e as seitas perniciosas, as mentiras que homens gananciosos inventaram. Bem sei que elas parecem fazer sentido, afinal “enganariam até mesmo aos eleitos, se tal coisa fosse possível”.

Mas são mentira.

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