Cristo se ofereceu livremente ao sacrifício da Cruz?

Estudando a questão do Sacrifício salvífico de Cristo pela humanidade, constata-se sustentado pela Tradição e Magistério da Igreja Católica, que Cristo se ofereceu livremente ao sacrifício da cruz.

“Ninguém tira a vida de mim, mas eu a dou por minha própria vontade” (Jo 10,18)

Em primeiro lugar, para compreender tal ato, deve-se ter em mente a “união hipostática” de Cristo. Isso quer dizer que em Cristo há uma só pessoa [1] (divina) e duas naturezas (divina e humana). E a natureza humana se subordina a natureza divina, pois a pessoa de Cristo é divina.

“(…) a substancia da natureza humana de Jesus não era devido a uma pessoa humana, e sim, à segunda pessoa da SS. Trindade; esta se tornou pelo mistério da Encarnação, o sujeito responsável em última instância pelas ações de Jesus” (BETTENCOURT, Estevão. Curso de Iniciação Teológica, p.62)

O Magistério da Igreja Católica deixa muito claro, a forma como se relacionava a “vontade humana de Cristo”, em meio à união hipostática:

“Paralelamente, a Igreja confessou no VI Concílio Ecumênico [2] que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas, mas cooperantes, de sorte que o Verbo feito carne quis humanamente na obediência a seu Pai tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo por nossa salvação. A vontade humana de Cristo “segue a sua vontade divina sem estar em resistência nem em oposição em relação a ela; mas antes sendo subordinada a esta vontade todo-poderosa”.” (CIC § 475)

Assim, compreendemos que no Getsêmani, de forma alguma Jesus quis rejeitar doar a sua vida para nos salvar, sendo impelido exclusivamente por mandado do Pai.

“Depois se afastou deles à distância de um tiro de pedra e, ajoelhando-se, orava: Pai se é de teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua”. (Lc 22,41-42)

Este frase de Jesus “afasta de mim este cálice” expressa unicamente a natureza humana que habitava o seu único “Eu” divino, porém, logo em seguida à expressão da natureza humana do Cristo, vem a Sua livre vontade expressa pela natureza e pessoa divina: “Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua”. Ora, a “minha vontade” x “a tua” soa como uma incongruência, visto tratar-se de uma única Pessoa divina: Jesus Cristo. Porém, a “minha vontade” corresponde à vontade humana, e a “tua vontade” corresponde à vontade divina do Pai, que é um com Cristo: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30)

“Ora, Jesus como verdadeiro homem, foi livre e usou de sua liberdade para se entregar generosamente à vontade do Pai. Ele sentiu a dor que tal atitude podia causar à natureza humana; não foi um faquir insensível. Por isto estremeceu e suou sangue diante da perspectiva da sua Paixão; chegou a pedir ao Pai que o isentasse do cálice, mas superou o horror natural, dizendo: “Faça-se a tua vontade,e não a minha ò Pai” (Lc 22,41-44).Foi por espontânea vontade que Jesus assumiu a sua morte no tempo e no lugar previsto pelo Pai (cf.Lc 13,32s; Jo 10,17s)Assim Jesus fez da sua condenação uma oferenda voluntária. Embora não tivesse pecado pessoal”. (BETTENCOURT, Estevão.Curso de Iniciação Teológica,p.69)

O Magistério da Igreja arremata a questão ao afirmar que:

“Ao abraçar em seu coração humano o amor do Pai pelos homens, Jesus “amou-os até o fim” (Jo 13,11), “pois ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Assim, no sofrimento e na morte, sua humanidade se tornou o instrumento livre e perfeito de seu amor divino, que quer a salvação dos homens. Com efeito, aceitou livremente sua Paixão e sua Morte por amor de seu Pai e dos homens, que o Pai quer salvar: “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente” (Jo 10,18). Daí a liberdade soberana do Filho de Deus quando Ele mesmo vai ao encontro da morte.” (CIC §609)

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NOTAS:

[1] HYPÓSTASIS = pessoa em grego.
[2] III Concílio de Constantinopla em 680-1

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