A que equivalem os ‘100 dias’, os ‘365 dias’, os ‘7 anos’ etc. das fórmulas de indulgências?

– “Queira explicar a origem das Indulgências e a que equivalem os ‘100 dias’, os ‘365 dias’, os ‘7 anos’ etc. das fórmulas de indulgências”.

1. O fundamento da praxe das indulgências é a distinção entre a culpa e a pena acarretadas por um pecado (cf. artigo “Qual a necessidade do Purgatório?”):

– A culpa é como que a nódoa que a ação pecaminosa, enquanto tal, imprime à alma do réu.

– A pena é a expiação que o pecador deve prestar ao Criador e às criaturas mesmas, por haver violado a hierarquia dos valores; é como que uma retratação especial que a Justiça Divina e a harmonia do universo exigem da parte do pecador.

2. Passemos agora ao plano da História.

Nos primeiros séculos da Igreja, os pecadores não eram absolvidos senão após ter prestado a satisfação que, segundo a apreciação do bispo ou do sacerdote, correspondia às culpas acusadas; por conseguinte, após a confissão de suas faltas, passavam um período mais ou menos longo (uma quaresma, cem dias, um ano…) agregados à classe dos penitentes e entregues a severos exercícios de expiação. Destarte procurava-se fazer que, quando os pecadores (geralmente na quinta-feira santa) recebessem a absolvição sacramental, lhes fosse cancelada não somente a culpa, mas também todo o débito de expiação decorrente do pecado (cf. artigo “A confissão auricular não visava objetivos políticos?”).

Tal rigor penitencial, porém, trazia o inconveniente de afugentar do sacramento muitos fiéis de saúde ou de ânimo fracos. As autoridades da Igreja, por conseguinte, viram-se obrigadas a mitigá-lo.

Um dos primeiros passos dados neste sentido foi a antecipação da absolvição sacramental. Esta, no séc. VI, começou a ser dada logo após a confissão das faltas; apagava imediatamente a culpa do pecado, mas deixava subsistir a exigência de satisfação que, imposta pelo confessor, devia ser prestada após a absolvição. O rigor com que se determinava a satisfação, ainda era notório nos séc. VII/IX; estavam em uso livros penitenciais ou tabelas em que se achava estipulada a penitência correspondente às faltas mais comuns: reclusão em um mosteiro por todo o resto da vida ou durante dez anos, sete anos, três anos… jejuns mais ou menos prolongados ou repetidos durante quarentenas ou anos…, orações, flagelações, esmolas etc.

Contudo, também esta praxe foi mitigada. A Santa Igreja, depositária dos méritos de Cristo, que frutificaram nos méritos da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos, formando o tesouro da Igreja, houve por bem aplicar esses méritos em favor dos penitentes, levando assim em conta os graves incômodos e a fraqueza física de seus filhos. As severas obras penitenciais foram sendo comutadas por outras mais brandas indulgenciadas, isto é, enriquecidas da remissão da pena temporal devida a pecados já perdoados; tais obras mais suaves que os bispos começaram a indulgenciar eram, por exemplo, orações em lugar de jejuns, o pernoitar em um santuário em vez de longa peregrinação, a doação de uma esmola em vez de flagelações etc. A Sagrada Escritura, no Antigo Testamento, fornecia o fundamento autêntico para essa nova praxe, considerando casos em que as obrigações dos fiéis eram legitimamente comutadas e mitigadas, desde que se tornassem demasiado onerosas (cf. Levítico 5,7.11).

Nos séculos IX e X a prática das comutações ou «redenções» de penitências se foi tornando cada vez mais usual e branda. No séc. XI os bispos começaram a conceder indulgências gerais, isto é, indulgências oferecidas a todos os fiéis, sem que o sacerdote tivesse que intervir determinando as condições particulares do resgate da pena; bastaria que os fiéis prestassem a obra indulgenciada, animados de sincero espírito de penitência, tendo em vista de maneira geral a expiação dos seus pecados (praxe ainda hoje vigente). Com isto, as autoridades eclesiásticas visavam estimular as obras boas e, em particular, a colaboração dos fiéis em algum empreendimento de interesse comum (construção de uma igreja, de um hospital, de uma escola, de uma ponte, sustento de um santuário, as cruzadas no Oriente, na Espanha ou no Sul da França).

Cem dias, um ano ou sete anos de indulgências, nesses casos, significavam a remissão da pena que alguém deveria expiar fazendo cem dias, um ano ou sete anos de penitência rigorosa, avaliada segundo a praxe da Igreja antiga ([até pouco tempo atrás], quando se [falava ainda] de «tantos dias ou anos de indulgência», [supunha-se] a terminologia e o costume dos primeiros tempos; no purgatório não há dias nem meses nem anos); indulgência plenária veio a ser o perdão de toda e qualquer pena satisfatória.

Não há dúvida, porém, de que tais indulgências não podiam (nem podem) ser lucradas sem que os fiéis houvessem previamente confessado as suas faltas (as obras indulgenciadas não obtêm o perdão do pecado como tal) e sem que excitassem em si o espírito de contrição que os teria levado a prestar a rigorosa penitência de cem dias, um ou mais anos da antiga Igreja; sem este ânimo interior, nada se poderia adquirir. De onde se vê que a praxe das indulgências está longe de reduzir a religião a formalismo ou mercantilismo.

Em virtude destes pressupostos, deve-se dizer que na verdade é muito difícil ganhar uma indulgência; quem, ao recitar uma breve prece indulgenciada, pode ter certeza de estar repudiando os pecados como os generosos penitentes da Igreja antiga, postados sobre cinzas e cilício durante semanas ou meses?

3. Em 1457 o Papa Calisto III, pela primeira vez na História, concedeu indulgências que os fiéis poderiam aplicar às almas do purgatório. Tal aplicação, porém, se faz a título de sufrágio, não de absolvição; o que quer dizer: a Igreja na terra, não tendo poder de jurisdição (absolvição) sobre as almas dos defuntos, apenas pode rogar por elas e apresentar ao Senhor méritos que redundariam em proveito dos vivos, pedindo se tornem profícuos para os defuntos. A eficácia desses sufrágios escapa à nossa apreciação: Deus distribui os frutos dos mesmos de maneira que nos fica oculta. Está claro que os sufrágios assim feitos não derrogam à obra redentora de Cristo, pois os merecimentos apresentados não são mais do que o prolongamento e os frutos dos méritos do Salvador.

4. No séc. XV, quando a piedade dos fiéis se tornava mais e mais exuberante, a praxe das indulgências gozava de grande estima; uma das obras mais frequentemente indulgenciadas era a esmola. Em consequência, acontecia que o anúncio de esmolas indulgenciadas, tal como era feito por certos pregadores, tomava vulto extraordinário, ficando sujeito a desvirtuamento; visando mover o povo, usavam de oratória que podia ser mal entendida; além disto, a autoridade civil tinha seus interesses na distribuição das esmolas indulgenciadas, requisitando uma parte das mesmas para o erário público. Daí os abusos que se tornaram famosos e concorreram para dar ocasião (mais do que motivo real) ao cisma de Lutero.

A reação contra esses males partiu do íntimo mesmo da Igreja. Em 1569, o Papa S. Pio V cancelou todas as esmolas indulgenciadas e proferiu a excomunhão sobre os que tentassem comerciar com as indulgências, pena esta que o Direito Canônico [de 1917] renovou (cf. cân. 2327). Não há dúvida, porém, de que os desvios verificados no fim da Idade Média não afetam a doutrina das indulgências como tal; esta por si é apta a estimular os fiéis a obras boas; os documentos oficiais da Santa Igreja (bulas dos Papas, decretos das Congregações Romanas) sempre a propuseram em termos puros e ortodoxos, tendo-se os abusos registrados no procedimento destes ou daqueles eclesiásticos em particular.

Em 1669 o Pontífice Clemente IX criou a Congregação das Indulgências e Relíquias, encarregada de conceder indulgências e controlar o seu uso; supressa essa Congregação, é hoje a Sagrada Penitenciaria que zela por tudo que diz respeito às indulgências.

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Atualização: Desde Paulo VI não se emprega mais a indicação de dias, meses e anos às Indulgências, para evitar as frequentes confusões. Leia-se principalmente os seguintes documentos oficiais da Igreja: Constituição Apostólica “Indulgentiarum Doctrina”, de 01.01.1967, do Papa Paulo VI; e “O Dom da Indulgência”, de 29.01.2000, da Penitenciaria Apostólica.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 2 – fev/1958
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