Antroposofia e Cristianismo

– “O que é a Antroposofia e em que se distancia do Catolicismo?” (M.A.P.M. – Piracicaba-SP).

A) A Antroposofia constitui uma Escola filosófica fundada por Rudolf Steiner (1861-1925). Este pensador até 1913 era o chefe da seção alemã da Sociedade Teosófica, então recém-fundada. Desentendeu-se, porém, com a Presidente desta, a Sra. Annie Besant, por causa das pretensões que Madame Besant nutria, de apresentar ao mundo o novo Messias na pessoa de um jovem hindu, Krishnamurti, o qual já estaria na sua trigésima encarnação… Steiner, julgando que Madame Besant abusava da credulidade de seus discípulos, resolveu separar-se da Sociedade Teosófica para ensinar uma Teosofia remodelada, à qual foi dado o nome de Antroposofia.

B) Quais as principais doutrinas desta Escola?

O termo “sofia” (“sabedoria”, em grego) indica tratar-se de “conhecimentos sapienciais”, isto é, adquiridos não propriamente pela experiência dos sentidos e pelo raciocínio da inteligência (de que se serve, por exemplo, a Teologia), mas sim por uma intuição superior mística, devida a faculdades especialmente apuradas de certos indivíduos. A fonte dessa sabedoria seriam tradições ocultas, oriundas da Atlântida (famoso continente que teria desaparecido) ou de arquivos e bibliotecas antiquíssimas e pertencentes ao Egito e ao Oriente. Essa sabedoria primordial haveria deixado de ser patrimônio comum dos povos, que em seu lugar foram criando as diversas formas de religião hoje conhecidas, todas inferiores à explicação do mundo dada pelas concepções antigas… Ora, a Teosofia, recorrendo no século XIX aos Mestres (Mahatmas) da Ìndia, do Tibet, da Caldeia, do Egito, propunha-se cultivar de novo essa sabedoria primordial, fazendo convergir a sua atenção para Deus (Theós); Steiner, ao separar-se do teosofismo, não abandonou grandes teses doutrinárias deste, mas preferiu explorar o que na ideologia primordial dizia respeito ao homem (donde Antroposofia, de “anthropos”, “homem”).

Steiner julgava que a Teosofia fazia perder ao homem um pouco de seu equilíbrio e o desviava dos respectivos deveres sociais; a Teosofia incutiria uma atitude passiva, prometendo a intervenção de misterioso poder do alto. Por isto, o fundador do antroposofismo quis despertar nos seus discípulos o amor de um método, de uma disciplina imposta às faculdades superiores do homem, a fim de ampliar o raio de alcance do espírito. As teses, porém, que Steiner ensinava como resultantes dessa disciplina, são em grande parte as mesmas que as da Teosofia, a saber:

1) O Panteísmo ou monismo: Deus seria a única realidade existente, da qual o mundo, espiritual e material, se originou por emanação; a substância divina seria impessoal, neutra, sempre em via de evolução no decorrer da História; em cada indivíduo humano ela estaria paulatinamente tomando consciência de si mesma, até chegar à plenitude ou à perfeição: o homem é destarte uma manifestação de Deus, manifestação identificada com a Divindade.

2) A alma humana é um agregado de muitas partes, unidas entre si por relações assaz frouxas. Está claro que não lhe é imposta uma lei moral extrínseca, divina, pois alma e Divindade vem a coincidir entre si; toca a cada indivíduo descobrir dentro de si as normas de sua conduta prática (o que dá margem, sem dúvida, a muita liberdade e arbitrariedade no plano moral).

3) O currículo de vida do homem nesta terra é condicionado pelas obras que o indivíduo tenha realizado em uma vida ou encarnação anterior. É esta a inexorável lei do karma: tudo o que ocorre ao homem neste mundo é efeito e, ao mesmo tempo, causa; efeito em relação à encarnação passada, causa em relação à futura. Mediante sucessivas descidas ao corpo, ou seja, através de longo período de tempo, a alma humana se purifica, passando aos poucos da sua animalidade inicial à plena consciência da sua identidade com a substância única, divina, do universo. Tendo atingido esta consciência, o homem perde naturalmente a sua personalidade, que o singulariza, e mergulha-se no único grande Todo (estado do nirvana, que os conceitos comuns da nossa experiência não poderiam em absoluto descrever).

Em suma, o panteísmo ou monismo e a lei da reencarnação, eis as duas pilastras sobre as quais repousam tanto a ideologia teosofista como a antroposofista. Esta verificação é suficiente para incutir as diferenças radicais que intercedem entre Cristianismo e Antroposofia. Sobre o Panteísmo, veja-se o artigo “Deus é a própria Natureza?”. No tocante à Antroposofia em particular, as potências ocultas de intuição mediante as quais o homem poderia transcender o conhecimento racional, são antes produto da fantasia de Steiner do que objeto de conclusões cientificamente firmadas (não se negam os fenômenos metapsíquicos [=parapsicológicos]; não era, porém, a eles que Steiner se referia).

Verdade é que o pensador alemão, visando o público europeu, ao qual se dirigia, quis apoiar suas concepções em fontes e tradições ocidentais, cristãs, distanciando-se um pouco das fontes orientais para as quais apela a Teosofia. Não foi feliz, porém, porque, para ficar dentro dos quadros de pensamento do ocultismo, teve que negar a Divindade de Cristo; desejando não abater ídolo algum, apresentou Jesus como reencarnação e síntese de Mitra (divindade persa) e Dionísio (divindade grega)!

C. A Antroposofia logrou sucesso logo nos seus primeiros anos (como, aliás, também a Teosofia). Esta boa aceitação se explica por fatores diversos:

a) O materialismo e o racionalismo que imperaram no século XIX parecem ter cansado as mentes e despertado de novo em muitos pensadores sinceros a sede do mistério, do conhecimento místico, ou seja, do conhecimento adquirido não por via meramente humana, mas por uma pretensa iluminação divina;

b) As grandes ruínas, materiais e morais, que o mundo ocidental sofreu nos primeiros decênios do séc. XX concorreram para que não poucos filósofos voltassem sua atenção para o Oriente; este sempre impressionou os ocidentais por parecer muito mais voltado para o transcendente e o eterno; pelo seu caráter conservador, tradicionalista, toma o aspecto de uma arca de paz. É o que explica que Teosofistas e Antroposofistas tenham ido pedir inspiração aos pensadores orientais e hajam encontrado eco satisfatório no Ocidente;

c) É imponente e sedutor o título de «manancial de onde todas as religiões tiraram uma parcela da verdade», titulo que a Teosofia e Antroposofia reivindicam para sua ideologia. Este título é gratuito; nenhum estudioso o pôde jamais comprovar (aliás, por definição, nem seria possível apresentar provas em favor do mesmo, pois se pressupõem tradições e arquivos ocultos ao público — o que realmente constitui bela evasiva!). Não obstante, a fórmula com que a Antroposofia se apresenta ao mundo, é muito apta a bajular o orgulho do homem; aderindo à Teosofia ou à Antroposofia, este poderá dar-se por mais esclarecido e inteligente do que seus semelhantes que fiquem presos às formas tradicionais de religião…

O teosofista e o antroposofista não negam a existência de Deus, mas conseguiram fazer do Soberano Senhor uma entidade impessoal e neutra que na prática não «incomoda» o homem. Embora Rudolf Steiner não se quisesse diretamente incompatibilizar com o Cristianismo nem com alguma forma de religião, ele propõe um conceito de Deus e das relações do homem com Deus que cedo ou tarde tende a remover nos seus adeptos qualquer dos credos religiosos tradicionais.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 3 – mar/1958
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