“Creio no Espiritismo porque enxergo os fenômenos espíritas…” (??)

– “O espiritismo, sim: acredito porque vejo…”

Os que assim falam, costumam exprimir-se também nos seguintes termos: “Cremos em fatos, não em dogmas!”

E o que entendem por fatos? Fenômenos (aparições, vozes, mensagens, ruídos) que impressionam imediatamente os sentidos (principalmente a visão e a audição), parecendo comprovar a existência do sobrenatural.

É a esses fenômenos que opõem “dogmas”, os quais são fórmulas dirigidas à inteligência humana, propondo-lhe mistérios concernentes à essência de Deus (p.ex.: Santíssima Trindade) e à disposição de seus dons (Encarnação, Redenção por Cristo, Eucaristia, etc.); os dogmas não caem diretamente sob a apreensão dos sentidos, por isto parecem nebulosos, pouco fidedignos. Em consequência, preconiza-se a religião dos fatos, não dos dogmas.

Aos que adotam essa posição, será preciso lembrar dois pontos de importância capital:

a) Perguntemo-nos o que é Religião. Dir-se-á, obviamente, que é o sistema de relações que levam e ligam o homem a Deus.

Pois bem, nesse binômio — Deus e o homem — não há dúvida de que Deus é, por definição, o Maior, o Ser Supremo. Por conseguinte, será lógico que a via pela qual o homem se encaminha para Deus (a Religião) seja ditada, revelada, por Deus (Deus se pode projetar sobre o homem, impondo-lhe a Religião; o homem, porém, não se pode projetar sobre Deus, concebendo a “sua” religião segundo o seu bom senso). Eis, todavia, que o Altíssimo, revelando ao homem o que este é e qual o seu destino, não pode deixar de comunicar verdades e desígnios que a infinita Sabedoria Divina concebe com muita clareza, mas que a limitada inteligência humana não consegue compreender exaustivamente; trata-se de mistérios divinos. Transcendentes como são, esses mistérios ou dogmas exigem fé, pois nunca poderão ser provados como um teorema matemático. Contudo, antes de os aceitar, o homem terá (e tem) o direito de se certificar de que não contradizem à razão e estão suficientemente credenciados para merecer assentimento.

Em última análise, uma religião sem dogmas deixaria de ser Religião; tornar-se-ia sistema de sabedoria meramente humana que não nos elevaria acima de nós, até Deus. A religião que realmente atinja a Deus tem de apresentar aspecto dogmático; é mesmo a existência de dogmas (devidamente credenciados) que de certo modo garante a autenticidade da Religião.

Quem rejeita os dogmas, professa um certo positivismo, que desvirtua a Religião. Em tal caso, é o homem que cria o seu Deus (conforme as suas dimensões humanas) para fugir ao verdadeiro Deus e não se deixar plasmar por Ele.

Não é de admirar que o Espiritismo se baseie nesse positivismo: Allan Kardec escreveu seu código em meados do século passado; a mentalidade da época, se não era de todo ateia, concebia tal distância entre Deus e os homens que julgavam não dever preocupar-se muito com Deus; toda a religião de Allan Kardec se desenrola preponderantemente num intercâmbio com os espíritos, que se manifestam aos sentidos do homem; no Espiritismo, é o homem quem se salva, não é Deus quem salva o homem.

b) Note-se, porém, que a religião dos dogmas de modo nenhum exclui os fatos.

O Catolicismo pode apontar em sua História recente (para não mencionarmos épocas anteriores) numerosos fenômenos extraordinários, fatos milagrosos (curas, aparições, comunicações preternaturais..,) rigorosamente comprovados; basta recordar Lourdes e Fátima. É Deus quem suscita tais prodígios a fim de dar estímulo à fé, inculcando assim a autenticidade dos dogmas. Os católicos, portanto, admitem também fatos milagrosos; contudo, afirmam que essas intervenções sobrenaturais não podem ser desencadeadas por fórmulas, ritos, processos mediúnicos, mas [ao contrário] são dons gratuitos que Deus dispensa soberanamente, quando o julga oportuno.

– “Pois que me viste, ó Tomé, acreditas; bem-aventurados, porém, os que acreditarem sem ter visto” (João 20,29).

 

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 3:1957 – jul/1957.

 

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