Por que confessar os pecados a um padre se podemos fazê-lo diretamente a Deus?

– “Confesso os meus pecados diretamente a Deus. Não preciso de intermediário para ser absolvido!” (A.C. – Rio de Janeiro-RJ).

Esta proposição é aparentemente ditada pelo bom senso, Mas… reflitamos um pouco:

Nenhum cristão negará que o pecado é desobediência do homem a Deus, derrogação aos direitos do Soberano Senhor. Deus poderia não perdoar, pois a criatura não tem títulos próprios que ela possa fazer valer diante do Criador. Se, não obstante, o Senhor quer indulgenciar, Ele pode muito bem ter-se reservado o direito de indicar ao homem a via pela qual se há de reconciliar.

Foi o que de fato se deu. Jesus no Evangelho ensinou-nos, de um lado, que não há pecado irremissível, mas, de outro lado, que o ministério da remissão foi confiado aos sacerdotes.

Com efeito, o Senhor, antes da Paixão, prometeu a Pedro (Mateus 16,19) e a todos os Apóstolos (Mateus 18,18) o poder de ligar e desligar validamente na terra e no céu. Mais tarde, no dia mesmo da ressurreição, entregou-lhes esta faculdade, quando, aparecendo aos onze discípulos, lhes disse:

– “‘Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio’. A seguir, soprando sobre eles, continuou: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; àqueles a quem os detiverdes (=não perdoardes), serão detidos'” (João 20,22-23).

As expressões “ligar” e “desligar” eram assaz comuns na linguagem dos rabinos: “ligar” significava “usar de rigor”; “desligar” equivalia a “usar de brandura”. Na casuística judaica, dizia-se comumente: “Neste ponto, Rabi Chamai liga. Rabi Hillel desliga”; o que significava: “Chamai proíbe, Hillel permite”. Nos termos acima, portanto, Jesus fez dos seus Apóstolos os árbitros das consciências, habilitando-os a proferir sentenças de absolvição ou censura que seriam confirmadas no céu.

Ora, quem constitui um árbitro não pode deixar de lhe outorgar os meios necessários para que exerça equitativamente a arbitragem. Entre esses meios, está o conhecimento exato do assunto a julgar, da culpabilidade, das disposições do réu. Já que estes elementos pertencem ao foro da consciência e não se manifestam senão por confissão, segue-se que Jesus, com o poder das chaves, entregou aos seus ministros a incumbência de ouvir a confissão sacramental dos pecadores; somente depois desta acham-se habilitados a absolver ou repreender em nome de Deus.

A prática dos cristãos desde o início da Igreja confirma esta dedução: a confissão aos bispos e sacerdotes é largamente atestada pelos documentos da antiga literatura cristã.

Pergunta-se, porém: porque será que Jesus quis que a remissão dos pecados se fizesse mediante os ministros da Igreja?

Lembremo-nos de que o pecado não é um ato que atinja Deus e o pecador apenas; tem profundas consequências espirituais (às vezes também temporais e concretas) para os demais homens, pois Deus nos fez solidários entre nós tanto nos méritos como nos deméritos; principalmente os cristãos se acham unidos entre si na chamada “comunhão dos santos”. Se, pois, o pecado redunda em detrimento para a comunidade dos irmãos na fé, que constituem a Igreja, compreende-se que a remissão outorgada por Deus passe pelo ministério ou pelos ministros da Igreja; são estes que representam a comunhão dos santos e o próprio Deus. É, por conseguinte, a eles que o pecador arrependido deve procurar, a fim de professar o mal cometido e esperar a remissão que Deus se dignará fazer passar por eles. Eis o motivo por que nas circunstâncias normais (não falamos dos casos em que é impossível procurar o sacerdote) não há perdão de pecado em caráter meramente particular, mediante oração do pecador emitida diretamente ao Senhor.

Pretender isto seria desconhecer o plano de Deus, que determinou santificar-nos e consumar-nos em solidariedade mútua, numa comunhão fraterna, num grande Corpo Místico, que é a Igreja.

Do que foi dito se segue que o cristão não confessa os seus pecados ao sacerdote porque julgue que este é isento de faltas (tem-nas, como todo indivíduo humano); nem é da santidade do ministro que ele espera receber absolvição. Não; o sacerdote, ao absolver, nada confere de seu; procede qual mero instrumento a quem o Senhor gratuitamente conferiu o Espírito Santo para discernir o estado de alma do penitente e proferir em nome do Senhor a absolvição. Desde que o sacerdote, sacralmente habilitado pela Igreja, tenha a intenção de fazer o que Cristo faria, é realmente Cristo quem por ele absolve, independentemente das virtudes ou dos defeitos do respectivo ministro.

Estas noções também concorrem para evidenciar que a confissão sacramentai não se pode confundir com psicoterapia religiosa; verdade é que entre os seus efeitos pode estar o alívio de ânimo do penitente, alívio proporcionado pelo “desabafo” da consciência, pelos conselhos dados por um confessor compreensivo, douto, virtuoso, etc. Contudo, mesmo que falte ao sacerdote um tino psicológico esmerado (qualidade certamente preciosa), o seu ministério é válido e a confissão do pecador frutuosa, em virtude da absolvição sacramental, porque o encontro do penitente com o sacerdote se verifica num plano sobrenatural, em que Deus age ultrapassando as capacidades meramente humanas do seu ministro. Por este motivo, entende-se que confissão e direção espiritual possam ser separadas uma da outra. A direção, que consiste em orientar os fiéis no andamento geral de sua vida interior, não pertence propriamente ao rito do sacramento; por isto, a sua eficiência não é garantida pelo poder transcendente das chaves, mas depende, em grande parte, das aptidões naturais, do cabedal de cultura e principalmente do grau de união com Deus que o diretor possua. Donde se vê que, embora todo sacerdote aprovado pela Igreja possa ser confessor, não qualquer um é apto diretor de consciência; tal há de ser escolhido de acordo com o estado de alma de cada um dos fiéis.

As verdades acima nos fazem ver também que a atitude de quem se chega ao sacramento da confissão, está longe de ser uma atitude de autodefesa, de reconhecimento “mercadejado” das próprias faltas. Muito ao contrário, para usufruir em grau máximo do perdão que lhe é oferecido, o penitente procura identificar-se, tanto quanto possível, com a Justiça de Deus; procura desfazer-se do seu egoísmo e transpor-se para o lado do Senhor Santo, a fim de ver e apontar os seus defeitos como Deus os vê e aponta. É, pois, em espírito de sinceridade que não sabe encobrir o mal, mas o denuncia para dele se separar, que o cristão se acusa no confessionário.

A confissão de faltas a um representante de Deus, outrora rejeitada por Lutero, tem sido mais e mais valorizada pelos protestantes dos últimos decênios. Haja vista o VII Congresso Evangélico Alemão realizado em Frankfurt de 8 a 12 de Agosto de 1956: um dos relatores apresentou eloquente dissertação sobre o valor da confissão, da qual se pode destacar o seguinte trecho:

– “Pertence à essência do homem ser responsável. Nós, porém, tendemos a nos desfazer da responsabilidade por expedientes cômodos. Se confessamos as nossas faltas a um irmão, então, e somente então, temamo-las a sério, trazemo-las à luz; elas nos custam rubor e vergonha, somos obrigados a reconhece-las e a reconhecer a nossa responsabilidade. Em tal caso, porém, o pecado deixa de ser agradável, como agradável é a culpa acariciada e oculta; torna-se amargo. Separamo-nos dele. O pecado uma vez trazido à luz, perde muito do seu poder sedutor.

Não diga alguém “Pequei” apenas. Não te queiras entrincheirar atrás de tão generalizadas confissões como: “Todos nós somos pecadores”. Tais são muito frequentemente meros subterfúgios mediante os quais o homem quer escapar a uma intervenção punitiva e santificante de Deus. Fala daquilo que cometeste pessoalmente. Faze, para isto, uma confissão individual. Esta ajuda o pecador a começar de novo; a confissão não deve concorrer para que o pecado continue a viver no indivíduo” (Herder-KorrespondenZj Oktober 1956, XI I).

Como se vê, são apenas razões psicológicas ou psicoterápicas que o orador cita em favor da confissão; não considera o seu aspecto sacramental, ou seja, a comunicação da graça que se faz independentemente do que o confessor e o penitente possam “sentir ou experimentar”. Contudo já esta atitude representa grande novidade, se se considera que é tomada pelo representante de uma ideologia que a princípio rejeitou peremptoriamente a confissão individual dos pecados.

Por ocasião do mesmo Congresso de Frankfurt, foram praticadas a confissão auricular e a abertura de consciência em trinta lugares diferentes da cidade, às vezes até altas horas da noite. Depois do Congresso, o pastor H. Schieber de Stuttgart declarou aos seus fiéis que, a partir do dia 23 de setembro seguinte, na “Paul-Gerhardt Kirche”, teriam diariamente a oportunidade de se confessar entre 7:30 e 8:30 horas, antes do Ofício religioso.

Tais fatos, inspirados pela sinceridade de pessoas que realmente procuram a Deus, indiretamente atestam que a confissão auricular não é instituição de homens prepotentes, mas é praxe espontânea à natureza humana, praxe que, além de conferir benefícios de ordem psicológica, foi elevada por Jesus Cristo à dignidade de sacramento ou canal pelo qual Deus nos vem ao encontro.

 

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 4:1957 – ago/1957.

 

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