De novo, a onipresente camisinha

Não é verdade que é o sol o centro do universo. Existe uma outra estrela, ainda maior, que provoca maior atração dos planetas e organiza tudo a seu redor. É a camisinha. Tudo é camisinha. Os problemas do mundo ou as soluções do mundo advém dela. Os governantes travam seus reinados a partir dela. Pessoas são julgadas a partir da opinião que detém dela. As religiões sobem ou descem diante dela. Para a sociedade midiática os 2.000 anos de Igreja Católica podem ser desprezados, suas tradições, seus ensinamentos, tudo ignorado, porque ela, a Igreja Católica, não compactua com a camisinha. A camisinha se transformou no valor absoluto, acima do bem e do mal, indiscutível e adorado. 

Eu sempre achei que não precisaria escrever sobre esse assunto. Primeiro para não dar mais publicidade gratuita (não que meus textos sejam assim tão populares) para esse onipresente. Segundo porque tanta gente mais gabaritada já escreveu sobre isso que sentia que nenhuma vírgula poderia ser colocada a mais nessa discussão sem cair em redundância. Mas como os críticos da Igreja são tão redundantes quanto repetitivos, me darei a liberdade de ser redundante também; me parece a única arma intelectual disponível nesse momento. Sim, porque a impressão que passa é a de que somos tão desprezíveis, tão equivocados, tão ignorantes, que nossos argumentos nem precisam ser checados, refletidos ou levados em conta. 

– Ei senhor Drázuio Varela, ei senhor Presidente! Neo-intelectuais! Estão me escutando? Aqui, aqui, alguém tentando ser razoável e que quer ser levado um pouco a sério!? 

É, não estão escutando. Na verdade não querem ouvir. Estão tão certos de suas idéias que nem um simples debate de opiniões está em pauta. E esse era o terceiro motivo pelo qual não queria escrever sobre isso: quem vai ler esse texto já concorda comigo e me fará ser redundante para quem não preciso ser. Como não tenho opções, tentarei ser o mais breve e objetivo possível. No final servirá no mínimo como um exercício de sanidade mental, como algum escritor já disse.

Para muita gente, incluindo aquelas lá em cima, o Papa possui um grande livro  negro de capa dura, empoeirado, datado do primeiro século cristão, chamado “Pode ou não pode?”. Esse livro seria constantemente consultado quando um assunto comportamental, de ordem moral, necessitasse de alguma posição da Santa Sé, dando com facilidade e agilidade a liberação ou o veto do que se pesquisa. A partir daí é só se pronunciar, sem argumentos, sem intelecto, sem razões e motivos, sobre qualquer assunto da pauta do dia, como por exemplo, a já referida camisinha. Como bem sabemos, nada mais distante da realidade. 

Vamos clarificar algo: quando a Igreja Católica se pronuncia, não a faz com mediocridade ou com preguiça intelectual, com “achismos”, mas estuda, repensa, avalia, de acordo com seus 2.000 anos de tradição e de sabedoria intrínseca, e a faz bem. Provavelmente sobre o assunto preservativos, a Igreja Católica já produziu mais páginas de reflexão do que muitos críticos por aí. E é isso o que mais entristece: o modo como os veículos de comunicação em massa subestimam a inteligência do bom católico todas às vezes que retiram o direito de lhe dar voz sempre que enfiam goela a baixo suas convicções sobre “sexo seguro”. Pelo menos nesse campo midiático já vivemos o totalitarismo digno dos regimes de excessão.

Mas a verdade é que por trás de todo esse rebaixamento moral que fazem da Igreja Católica neste tempo moderno, por trás dessa imagem de guardiã dos valores medievais, existem argumentos muito razoáveis para a reprovação da camisinha. Ninguém precisa ser católico, aliás, para endossar seu pensamento. Vejamos por exemplo o descobridor do HIV, Luc Montagnier, ao afirmar a melhor arma contra a AIDS em sua opinião: “São necessárias campanhas contra práticas sexuais contrárias à natureza biológica do homem. E, sobretudo, há que educar a juventude contra o risco da promiscuidade e o vagabundeio sexual”[1]. Opinião certamente censurável pela imprensa brasileira.

Essa frase do eminente cientista sintetiza bem o eixo central do argumento anti-camisinha: ela não protege uma sociedade dos perigos da promiscuidade. Viver uma vida sexual ativa tendo em conta que uma camisinha sempre em mãos impedirá qualquer inconveniente é uma tremenda ilusão. Inúmeras pesquisas mostram que a camisinha está longe de ser 100% segura (com até 30% de indíce de falha em alguns casos) e que estão enganando os filhos dessa nação quando omitem os riscos inerentes de uma vida sexual sem limites [2]. Vejam o exemplo do HPV, que nos últimos anos infectou milhares de mulheres ao redor do mundo, graças em parte a essa falsa sensação de segurança do preservativo, que como se sabe não é capaz de sozinho segurar o vírus. A verdadeira solução para as mazelas das DST’s não estaria portanto na técnica, na borracha, mas no comportamento, que só avança quando se aproxima da moral, da virtude humana. Ou se educa para que casais só iniciem sua vida sexual quando estiverem certos de que não se separarão e de que não serão infiéis, ou continuaremos com infinitas campanhas pró-distribuição de camisinha absolutamente paleativas e infecundas e a paranóia de que qualquer um pode ser um soro-positivo. 

Quem ousa negar que dentro dos ensinamentos da Igreja, o mundo já teria exterminado o vírus da AIDS há muito tempo?  Nos acusam de homicidas nos paises pobres da África. Acontece que a Igreja Católica detém uma modesta influência de 15,6% em sua população total, população esta justamente com menores taxas de infecção do que no restante das outras áreas de outras religiões. Vejamos por exemplo Uganda, o único país do mundo que vem vencendo a luta contra a AIDS, diminuindo de 20% para 6% a taxa de infecções justamente por colocar fim a farta distribuição de preservativos que vemos no restante do planeta. Ela está vencendo esta luta porque vem ensinando as pessoas que o único sexo seguro é dentro de uma fidelidade estável. Está educando de verdade sua população. Está dando dignidade aos seus e não transformando-os em marionetes da indústria do “sexo seguro”. E quando falamos na África nem podemos narrar todos os dramas que esse continente enfrenta, em parte pela tradição de poligamia, o que torna a simples distribuição de camisinha ainda mais paleativa. 

Nos acusam de criminosos. Sob qual alegação? De que as pessoas estão se contaminando com o vírus da AIDS e se engravidando na adolescência por obedecerem a Igreja Católica? Mas ora, a partir do momento em que uma pessoa que se diz fiel aos ensinamentos da Igreja e parte para um enlace sexual fora do casamento, este já está ignorando suas observações mais básicas de fidelidade e castidade. Por que uma pessoa em sã consciência vai obedecer um preceito desobedecendo primícias anteriores tão óbvias? De duas uma: ou quem se contamina quer transferir sua responsabilidade para a Igreja Católica quando não praticou suas orientações, ou a mentira já ofuscou tanto os inimigos da Igreja que estes não se dão nem ao trabalho de pensar. Tal acusão não só carece do mínimo respaldo lógico como de respeito argumentativo. Em geral elas só aparecem quando não existe alguém para refutá-las. Ou seja: quase sempre. 

O governo quer instalar máquinas de camisinhas nas escolas, aumentar a sua distribuição livre a todos os brasileiros (e óbviamente aos turistas sexuais), ensinar aos jovens que fantasias sexuais não existem para serem reprimidas, nas suas apostilas de educação, entre outras medidas do pacote “sexo-seguro”. O que importa é o genitalismo, a troca de favores sexuais, o hedonismo no seu estado mais puro, aquele onde o prazer é o valor máximo a ser perseguido, já que como salientou o senhor Presidente numa autêntica prova de seu romantismo, “sexo é uma necessidade”. Serei muito pessimista se prever um fracasso total a exemplo de outros países, como Inglaterra, EUA, África do Sul, que ao abrirem para a sociedade o sistema self-service sexual de camisinhas só fizeram a coisa desandar de vez? Creio que não. Mas não tem importância, pois para eles, os surdos de plantão, não existem consequências diretas, já que no final das contas, a culpa será mesmo da Igreja Católica, essa mesma Igreja que cuida de 25% de todas as investidas a favor dos soros-positivos no mundo [3]. É claro, porque enquanto os cachorros latem, a procissão segue seu caminho.

[1] Luc Montagnier. “AIDS Natureza do Vírus”, em Atas da IV Reunião Internacional da AIDS, 1989, p.52.

[2] “A Food and Drug Administration (FDA) – entidade do governo dos Estados Unidos encarregada de aprovar medicamentos, próteses, aditivos alimentares, etc. – estudou 430 marcas com 102.000 preservativos; 165 fabricadas nos EUA com 38.000 preservativos e 265 marcas estrangeiras com 64.000 preservativos. O resultado da pesquisa verificou que 12% das marcas de estadunidenses e 21% das estrangeiras não tinha um nível suficiente de qualidade”. “Aceitando essa taxa de defeitos, a probabilidade de falha no caso do preservativo seria de 20,8% anual se mantivessem relações uma vez por semana e de 41,6% se fossem duas vezes por semana” (F. Guillén, I. Aguinaga., “Efectividad de los preservativos em la prevención de la infección por HIV em casais de pessoas soropositivas”. Méd. Clin. N. 105, 1995, p. 542, cit. Por Ernesto Aguilar, loc. Cit.) 

[3] Wall Street Journal, 14 de outubro de 2006

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