Digressões sobre a comunhão dos enfermos

Não há nada pela qual a Igreja primitiva mais empenhadamente insistiu do que pela recepção oral da Santa Comunhão. O que posteriormente se tornou conhecido como “Comunhão Espiritual” estava excluído da concepção daqueles dias primitivos. Os cristãos de então consideravam que o ingresso à eternidade freqüentemente era concedido aos doentes que recebiam com sua boca “seu alimento para a jornada”, o Viático, antes de morrerem. Não poderia ser encontrada maior prova de como esse assunto era importante do que o Cânon XIII que providenciava para que, mesmo os severos e invariáveis cânones da penitência pública, dessem vez à necessidade terrível de fortificar a alma na última hora de sua estadia na terra.

É possível que primeiramente tenha ocorrido na Itália ser o Sacramento consagrado na presença do doente, mas em seus tempos primitivos, essas instâncias eram raras e era considerado um favor especial a permissão de se proceder assim, bem como era proibido rezar a missa em casas privadas (como ainda hoje nas igrejas Orientais e Latinas).

A necessidade de manter pão e vinho consagrados para os doentes, levou à sua guarda, uma prática que tinha existido na Igreja desde os mais antigos tempos, tão primitivos como as lembranças conservadas.

São Justino, mártir, escrevendo menos de meio século após a morte de São João, menciona que “os diáconos davam comunhão a todos os presentes e levavam o pão e o vinho consagrados e água aos ausentes”. Ficou evidente que naquele tempo já era um costume há muito estabelecido.

Tertuliano nos conta que uma mulher cujo marido era pagão, e que tinha permissão de guardar o Santo Sacramento em sua casa, podia recebê-Lo à cada manhã, antes de outro alimento. São Cipriano também nos dá um exemplo extremamente interessante da sua guarda. Em seu tratado “Sobre os Apóstatas”, escrito no ano 251 (cap. XXVI), diz: “Outra mulher, tentando com mãos indignas abrir seu repositório no qual estava o Santo do Senhor, foi impedida de tocá-lo por fogo que dele começou a sair”.

É impossível fixar com alguma precisão a data, mas certamente antes do ano 400, era feita nas igrejas uma guarda perpétua da Eucaristia para os doentes. Uma prova muitíssimo interessante desse fato está na descrição emocionante de São João Crisóstomo da grande revolta em Constantinopla, no ano 403, quando os soldados “invadiram o local onde as Santas Espécies estavam guardadas e examinaram todas as coisas que ali estavam, e o Santíssimo Sangue de Cristo se derramou sobre suas vestes”. Desse incidente fica evidente que, naquela igreja, o Santíssimo Sacramento estava guardado em ambas as espécies e separadamente.

Se essa guarda naquele tempo era usual fica difícil de afirmar, mas não há dúvida de que mesmo nos mais primitivos tempos, o Sacramento era dado, em raras ocasiões, em uma única espécie, às vezes sob a espécie somente de pão e, quando os doentes não podiam recebê-Lo, sob a espécie de vinho somente.

A prática chamada “o pão imerso”, que era imergir o pão no vinho, administrando-se as duas espécies juntas, foi uma antiga inovação e ainda é universal no Oriente, não somente quando a Comunhão é dada com o Sacramento guardado, mas também quando o povo comunga durante a Liturgia as espécies consagradas no momento. A primeira menção à “imersão” no Ocidente, foi em Cartago, no séc. V. Sabemos que ela era praticada no séc. VII e, por volta do séc. XII, a retirada do pão imerso no cálice se generalizou, finalmente, no Ocidente. Regino (De Eccles. Discipl., Lib. I, c. LXX) em 906, Burchard (Decr. Lib. V, cap. IX, fol.95, colon. 1560) em 996, e Ivo (Decr. Pars. II, Cap. XIX, p.56, Paris 1647) em 1092, todos eles citam um cânon que dão como de um Concílio de Tours, ordenando a “cada presbítero ter um cibório ou recipiente adequado a tão grande Sacramento, no qual o Corpo do Senhor possa ser cuidadosamente guardado para o Viático dos moribundos, e que a oblação sagrada devia ser imergida no Sangue de Cristo para que o presbítero pudesse dizer verdadeiramente ao doente: O Corpo e o Sangue do Senhor te guarde etc.”.

A guarda do Santo Sacramento era usualmente feita na própria igreja. O erudito W.E. Scudamore é de opinião que assim acontecia na África desde o séc. IV.

Não é sem interesse citar em relação a essas práticas as “Constituiçòes Apostólicas” porque mesmo tendo em vista que, de fato, há muita dúvida da data do Livro Oitavo, ele é certamente de grande antigüidade. Ali lemos: “E após a comunhão de homens e mulheres, o diácono toma o que sobra e coloca-o no tabernáculo”.

Talvez não seja inoportuno antes de encerrar a observação, dizer que há tanto tempo quanto podemos atentar, a guarda do Santo Sacramento na Igreja primitiva era feita somente com o propósito da comunhão, e que as igrejas do Oriente guarda-o até nossos dias unicamente com esse propósito.

Aqueles que desejarem ler sobre este assunto de maneira mais ampla, podem fazê-lo nas “Dissertações” do erudito Muratori que estão no prefixo de sua edição sobre os Sacramentários Romanos (cap. XXIV) e na Notícia Eucarística de Scudamore, uma obra que merece absoluta confiança na precisão de seus fatos, embora alguns poucos possam se sentir constrangidos em aceitar a justeza lógica de suas conclusões.

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