Dogmas políticos

Essas eleições revelaram a mim algo estranho: os homens têm dogmas muito questionáveis. Sim, eu sou crente! Eu acredito em dogmas, sim. Mas minhas crenças inquestionáveis ficam apenas no campo religioso. Creio firmemente que o homem, nascido em Nazaré, chamado Nazareno, nasceu de uma Virgem, por obra de Deus Espírito Santo. Seu nascimento trouxe júbilo incapaz de ser compreendido racionalmente pela humanidade, pois Nele conviviam, em plena síntese e equilíbrio, a humanidade perfeita e a Perfeitíssima Divindade, a Eternidade do Verbo e temporalidade do Nazareno. Só aos simples é revelada a grandiosa obra que, neste Natal escondido, começa a se realizar. Este homem, chamado Emanuel também, morreu injustamente sob Pôncio Pilatos e sua morte trouxe, aos homens, maior benefício que jamais poder-se-ia conceber. Para espalhar a Boa Nova da Salvação executada pelo Nazareno, Ele mesmo ordenou a testemunhas que levassem essa notícia a todos os povos: creio firmemente que essas testemunhas são a Igreja de hoje e tem no Papa Bento XVI o sucessor de São Pedro. Portanto, tenho sim muitos dogmas religiosos. No entanto, não possuo nenhum dogma político!

Não existe um tipo específico de forma de governo que seja, naturalmente, melhor que outra. Nada garante que a democracia seja melhor que a monarquia. Antes, de acordo com a reflexão política de Platão, toda forma de governo pode ser contraditada pelos vícios inerentes a cada tipo: a monarquia, se mal gerida, pode tornar-se tirania; a democracia, demagogia. As formas de governo não são boas em si mesmas e podem ser modificadas segundo as intenções de cada civilização. Neste sentido, a leitura que Marx faz da realidade não é incontestável: dividir a sociedade entre donos dos meios de produção e proletariado é, no mínimo, duvidoso. Do mesmo modo, supor que a política seja dicotomicamente dividida entre direita e esquerda, liberais e reacionários, democratas e republicanos, capitalistas e comunistas chega a ser risível. No Brasil em que vivemos, quem seria de direita ou de esquerda? Fernando Collor é de esquerda? Está apoiando a Dilma. Ciro Gomes e sua família são de esquerda? Pois é aliado de Lula. Michel Temer é de esquerda? É vice de Dilma. O atual vice-presidente do Brasil é de esquerda? Mas é um empresário milionário!! José Serra é de direita? Pois foi para o exílio fugindo da ditadura. A divisão da política brasileira em direita e esquerda é míope, para dizer o mínimo.

No entanto, as discussões geradas nestes dias pelos debatedores sempre retornavam a esse ponto. Eles não percebiam que, na suposição básica de suas intervenções, estava a distinção simplista entre patrão e empregado. Algumas acusações dos debatedores deixavam o campo dos argumentos e criticavam ideologicamente os participantes de pertencer a esta ou aquela orientação. Mas como é possível, se a própria distinção maniqueísta esta equivocada? Ora, estas posturas, a meu ver, revelaram apenas que alguns possuem convicções muito fortes em política, convicções que eu só reservo para o aspecto religioso. O que suscitou grande reflexão foi a dogmatização de alguns destes elementos políticos e a respectiva relativização de dogmas religiosos. Curiosa mudança que leva alguém a dogmatizar a política e laicizar a religião!

Ora, a liberdade religiosa é um direito natural, que não pode ser aviltado por causa de elementos ideológicos, como desejam algumas propostas políticas dogmáticas; o direito à vida é um bem inalienável de todo humano e nenhuma postura política dogmática pode contestar, não importa de que orientação venha a crítica; a liberdade de opinião igualmente deve ser resguardada e não se pode pôr limites a este direito, mesmo se para isso argumente-se em favor do bem do cidadão. Os dogmas políticos possuem uma interessante característica: de uma só vez rejeitam elementos religiosos sobre assuntos de importância e também a reflexão filosófica mais apurada e segura.

Não troco meus dogmas religiosos por dogmas políticos, pois dos primeiros tenho como testemunha a reflexão filosófica tradicional, além do próprio Senhor Jesus e sua Igreja. De outro lado, quem me garante a veracidade destes dogmas políticos?

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