2000 anos de Igreja: breves reflexões sobre Maria

 Dois Mil Anos de Igreja

Breves reflexões sobre Maria

D. Epaminondas

1- Maria nos Evangelhos

Poucas, mas suficientes e convincentes, são as passagens evangélicas que falam de Maria, a Mãe de Jesus. O culto mariano tem uma fundamentação bíblica. Nossa Senhora foi venerada e honrada pelos seus próprios contemporâneos. Até mesmo um mensageiro de Deus lhe fez uma saudação. Saudação que continua sendo repetida por milhões de vozes e corações a vinte séculos.
Abramos o Evangelho e passemos em vista quatro passagens que nos interessam agora e estão relacionadas com o tema que desenvolvemos.

A) Narra-nos o evangelista São Lucas que o arcanjo Gabriel foi enviado por Deus a Nazaré, cidade da Galiléia, onde morava a Virgem Maria. Entrando o enviado de Deus até onde ela estava, disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres.” (Lc. 1, 26-38). O anjo saúda a Maria. A Zacarias ele não saudou. Saudou a uma jovenzinha, muito embora, em Israel, homem algum saudasse a uma mulher.
A saudação causou surpresa em Maria. Ela teve razão para se perturbar. Foi preciso ouvir do mensageiro celeste o “não temas”, para que recuperasse a tranqüilidade de espírito. Observa Santo Tomás de Aquino que não era a primeira vez que um anjo era enviado a terra. Abraão e os Patriarcas receberam a visita desses mensageiros celestes. Mas, nunca os anjos se inclinaram diante deles, porque, por sua natureza, o anjo é superior ao homem. Quando vê diante de Maria, portador do grande segredo da Encarnação, ele descobre nela a rainha do céu e da terra, e se inclina ao dizer: Ave, gratia plena, Dominus tecun.”
São Lucas usa a palavra “Kekaritomêne” que tem o sentido de agraciada, cheia de graça, aquela que foi e permanece repleta do favor divino. Ao ser saudada como aquela que mereceu uma especial atenção de Deus e que está plena da sua graça, Maria ficou comovida. “De certo, diz um comentarista evangélico, na sua modéstia, não entendia porque um visitante celestial a saudasse em termos tão exaltados.” (Leon Morris – “LUCAS”, pág.70).
Outra observação que fazem os intérpretes é quanto à atitude do mensageiro celeste. “Enquanto na narrativa do anúncio a Zacarias, como de resto noutras passagens bíblicas, diz-se que o anjo Gabriel “apareceu”. Para o anúncio a Maria, o anjo “entra” onde ela está. Na linguagem bíblica, é o ministro (ou súdito) que entra até a presença do rei, vai ter com ele (2 Sam. 14, 33; Êx.9, 1), como também é o fiel que entra na casa de Deus (2 Sam.12, 20; Lc.1, 9). 0 anjo, portanto, dirige-se a Maria levando a mensagem divina, como um inferior a um superior.” (L.Boccali – “COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DE LUCAS”, pág,37).

B) No mesmo capítulo, São Lucas começa a narrar o início da veneração dos homens à Virgem Maria. Ao saber que sua prima Isabel estava para ser mãe, Maria apressou-se em ir visitá-la. Ao entrar na casa de Zacarias, Maria saudou Isabel. E apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, logo o seu filho estremeceu em seu seio. Cheia do Espírito Santo, Isabel disse em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. Donde a mim esta dita de ser visitada pela Mãe do meu Senhor?” (Lc. 1, 39 e ss.).
Isabel, iluminada pelo Espírito Santo, testemunhou que Maria é a Mãe de Deus. A divina maternidade é a fonte de todos os privilégios concedidos a Maria. E é por isso também que ela merece ser glorificada por todas as gerações. Sendo a mais bendita das mulheres, a Virgem Santíssima tem sido sempre lembrada e amada por todos os discípulos do seu Filho.

       C) 0 apóstolo e evangelista São João, testemunha ocular que foi do fato, nos relata o primeiro milagre realizado por Jesus. Com Ele estavam Maria e os Apóstolos, numa festa nupcial, em Caná da Galiléia. Aconteceu faltar vinho. Maria aproxima-se de Jesus e lhe diz: “Não têm mais vinho”. Ao que Jesus respondeu: “Que nos importa isto a mim e a ti? Minha hora ainda não chegou.” Maria previu que o Filho iria fazer. Manda que os servos fìzessem o que Ele ordenasse. E Jesus mudou a água em vinho. (Jo. 2, 1-11).
          “0 convite de Maria aos servos das bodas de Caná pode ser considerado o seu testamento espiritual. São estas (“fazei tudo o que Ele vos mandar”) as últimas palavras que o Evangelho nos transmite dela. Maria não mais falará. Já disse o essencial.” (Aristides Serra – MARIA EM CANÁ E JUNTO À CRUZ, pág.38).
         Um pedido de Maria, e Jesus realiza o seu primeiro milagre. Aos seus filhos e devotos Ela deixou uma recomendação: fazer o que Jesus mandou. Aí está a base da vida cristã. Não se pode ser um verdadeiro servo de Maria, sem a disposição sincera de ouvir e seguir os ensinamentos do seu Filho. Maria respeita a liberdade do Filho, mas sabe que Ele lhe é submisso (Lc. 2, 51). Ainda não havia chegado a hora fixada para manifestar o seu poder. Mas, Jesus a antecipa, para atender a sua Mãe. Com a narração do milagre, o Evangelho também manifesta o poder de intercessão da Santíssima Virgem.

      D) Jesus estava pregado na cruz. Aproximava-se a hora da sua morte. Junto da cruz, entre outras pessoas, estava Maria e o apóstolo João. Dirigindo-se a Maria, Jesus diz: “Mulher, eis ai o teu filho”. E dirigindo-se ao apóstolo: “Eis aí a tua mãe.” (Jo.19,26-27). A partir de Orígenes, do 3° século, escritores eclesiásticos ensinam que todos os fiéis estavam representados por João. 0 teólogo evangélico Max Thurian assim comenta esta passagem bíblica: “0 discípulo amado, ao pé da cruz, simbolizando o fiel, recebeu do Crucificado, Maria, simbolizando a Igreja, como sua mãe: Mulher, eis o teu filho – Eis a tua Mãe. Maria, mãe espiritual da Igreja, nos convida a acolher, nas nossas vidas, a Igreja, como nossa própria mãe, a amá-la, a obedecer-lhe e velar por ela.” (AMOUR ET VERITÉ SE RECONTRENT, pág.83).

          Com estas quatro referências bíblicas, podemos tirar algumas conclusões:

1) Se Maria foi saudada por um enviado de Deus e por Isabel, sob a ação do Espírito Santo, também merece ser saudada por todos aqueles que a reconhecem Mãe de Deus e Mãe da Igreja. Quando por exemplo a reverenciamos com a AVE MARIA, repetimos palavras bíblicas de louvor a Maria, e fazemos uma prece que se tornou comum na Igreja, desde os primeiros séculos. Rezando a AVE MARIA, proclamamos a sua santidade (cheia de graça), a sua singular condição no Cristianismo (bendita entre as mulheres), o seu especial título de glória (Mãe de Deus), ao mesmo tempo que reconhecemos a nossa condição de pecadores e nos confiamos à sua intercessão (rogai por nós, pecadores).

2) Se, em Caná da Galiléia, Maria pediu ao Filho em favor de uma família que estava em apuros, pela falta de vinho, hoje, junto de Deus e do seu Filho glorioso, ela continua a ser nossa advogada. ” Poderá significar muita suficiência, por parte dos protestantes, diz o pastor Roger Schutz, estigmatizar a confiança que os católicos e ortodoxos depõem na intercessão da Virgem Maria. Se nos confiamos a todos que nos são caros, pedindo-lhes para nos terem presentes na sua oração, seria duvidar da vida eterna daqueles que já estão em Cristo, se renunciássemos a associar à nossa oração a um ser desaparecido. Podemos, por isso, compreender que os católicos tenham tão grande confiança na contínua intercessão da Mãe de Cristo – primeira testemunha da Igreja. Entre os santos que foram testemunhas de Cristo, que viveram com Ele e que 0 amaram, a Virgem Maria permanece sempre aquela que, pela simplicidade do seu coração, nos arrasta a viver o espírito das Bem-aventuranças.” (Com outros autores – MARIA, p~.89).

3) Se Maria disse aos servos: “Vocês façam o que o meu Filho mandar”, podemos compreender que a obediência à palavra de Cristo, na espiritualidade Mariana, é a norma fundamental . Maria viveu a Palavra do Senhor. Quis que ela se realizasse em sua vida. Para nós, seus filhos espirituais, ela continua a nos falar e a nos exortar a que sejamos fiéis aos ensinamentos do Senhor Jesus.

2 – A Mãe de Deus

Pela fé, Maria aderiu ao plano de Deus. Aceitou ser a Mãe do Verbo Encarnado. Tornou-se, na verdade, a Mãe de Deus. Por ocasião de sua visita a Isabel, esta, cheia do Espírito Santo, exclamou: “Donde me vem que a Mãe do meu Senhor me visite?” (Lc.1, 43).
Desde os primeiros séculos da Igreja, esta verdade foi sempre aceita. Quando surgiram alguns contestadores, a reação veio imediatamente. Nestório, patriarca de Constantinopla, pretendia que Maria não era a Mãe de Deus. Dera à luz um homem, ao qual, em seguida, a divindade se unira como se une ao homem pela graça. 0 principal opositor de Nestório, foi Cirilo de Alexandria que defendeu a doutrina tradicional e que teve papel importante no Concílio de Éfeso, que condenou o erro de Nestório e proclamou solenemente a Maternidade divina de Maria. Outro contestador foi Eutíquio, arquimandrita de Constantinopla, que dizia que o Cristo não era verdadeiramente homem, que a divindade havia “absorvido” nele a humanidade. 0 papa S. Leão Magno convocou um Concílio Geral em Calcedônia (451 d.C.) que estabeleceu, com clareza, a doutrina sobre duas naturezas no Cristo e a sua única pessoa. Doutrina que foi reafirmada no Concílio de Constantinopla (553 d.C.).
A Bíblia Sagrada afirma não só que a Santíssima Virgem é Mãe de Jesus, como ainda que o Filho concebido em suas entranhas é o mesmo Filho de Deus, o Verbo eternamente gerado pelo Pai, e Deus como Ele. “Eis que conceberás e darás a luz um filho e porás o nome de Jesus. Será grande e se chamará o Filho do Altíssimo. 0 Espírito Santo descerá sobre ti e te cobrirá com sua sombra. Por isso, o que nascerá de ti será chamado o Filho de Deus.” (Lc. 1, 31-32). “No princípio, era o Verbo. 0 Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus… E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Nós vimos sua glória, glória que recebe de seu Pai como Filho único, cheio de graça e  verdade.” (Jo. 1,  14).
É interessante recordar como foi grande o regozijo da comunidade cristã, quando recebeu a notícia que o Concílio de Éfeso (431 d.C.) havia condenado Nestório. Testemunha autorizada, Cirilo de Alexandria, em carta ao clero e ao povo de sua cidade, faz referencia ao fato. Depois de dizer que o Concílio se reuniu em Éfeso, na Igreja consagrada a Maria, Mãe de Deus, escreveu ao bispo: “Depois de passar o dia inteiro neste santuário, condenamos a Nestório, a quem o temor afastou da reunião dos Padres e, por sentença solene, o dispusemos de sua sede e o privamos do episcopado. Reunimo-nos uns duzentos bispos, mais ou menos. Toda a cidade, desde a manhã até à tarde, esperou impaciente o juízo e a sentença do Santo Concílio. Quando, por fim, soube que o autor de tantas blasfêmias havia sido despojado de sua dignidade, com voz unânime começaram a bendizer o Concílio e a glorificar a Deus, pela queda do inimigo da fé. Quando saímos da Igreja, fomos conduzidos a nossas casas, ao resplendor de tochas e archotes, pois já era noite. Por toda parte havia um regozijo delirante. Por toda parte havia fogueiras. Diante de nós iam mulheres com braseiros em que queimavam incenso. Assim, demonstrou o Salvador sua onipotência aos que queriam arrebatar sua glória.” (Epístola 24. Apud Terrien – “La Madre de Dios y Madre de los Hombres”, vol. I, pág.33).
A participação do povo cristão, com sua alegria e demonstrações públicas de júbilo, é uma manifestação clara de que os ensinamentos de Nestório contrariavam a fé recebida dos antepassados, e também que a veneração a Nossa Senhora era anterior ao Concílio de Éfeso.
A maternidade divina de Maria é o fundamento de todos os seus privilégios. Uma mãe que o foi sem deixar de ser virgem. “Deus preparou Maria para esta livre aceitação do caráter virginal de sua maternidade, desde o começo de sua existência, não só por sua conceição imaculada que a punha fora da esfera de toda concupiscência, mas ainda e sobretudo, pela moção amorosamente insistente do Espírito Santo que, por atrativos eficazes, fazia cada dia prevalecer na sua alma um amor dominante e exclusivo de Deus. Ela era unicamente preocupada com Deus e consagrada a Ele. Essas larguezas divinas são capazes de torná-la, embora tenha sido mãe, o modelo perfeito de todas as virgens que deveriam florescer um dia, em grande número na Igreja.” (J.A. de Aldama – em “MARIE”, nouvelles études sur la Sainte Vierge, tomo VII, pág.l51).

3- Feliz a que acreditou

        Se procurarmos um motivo que fez de Maria a Bem-aventurada, encontraremos um que é fundamental: a sua fé. “Sim, feliz a que acreditou.” (Lc.1, 45). Maria foi uma mulher de fé profunda e adulta. Acreditou sempre na Palavra de Deus, a exemplo dos grandes patriarcas do Antigo Testamento. Aderiu a Deus não só pela sua inteligência, fazendo um ato de fé no que o Senhor lhe dizia, como também pela sua vontade, estando pronta para fazer tudo o que Deus lhe pedia. 0 seu “SIM” ao anjo Gabriel traduz a grandeza e a sinceridade de sua fé.
           Estudando e meditando a fé de Nossa Senhora, nossos teólogos escreveram páginas belíssimas. Não só os católicos, como também os ortodoxos e evangélicos. A titulo de exemplo, vamos transcrever alguns desses pronunciamentos sobre a fé de Maria.
         “A vida terrestre de Maria de desenvolve à sombra da fé que nada enxerga, que não compreende, mas confia nos desígnios impenetráveis de Deus… A verdadeira grandeza de Maria reside precisamente na vida de fé.” (Schillebeeck – “Maria, Mãe da Redenção, pág. 13)”. “Crer fortemente e esperar contra todas as aparências contrárias é o elemento verdadeiramente característico da psicologia religiosa de Maria.” (Id. Ib.25).
            “0 maior louvor que podemos dar a Maria é elogiar sua fé, como fez Isabel. Maria é o modelo da Igreja, sobretudo pela sua fé. Nós vemos nela a fé como grata escolhida daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Pela fé, Maria se abre à atuação do Espírito Santo e concebe em seu seio o Verbo Encarnado do Pai, juntamente com a feliz notícia da vinda do Salvador e da missão a ela confiada.” (Bernardo Haring- “Maria, modelo de fé”, pág.35).
           Max Thurian, ainda teólogo evangélico, da Comunidade de Taizé, em seu livro “MARIE, Mère du Seigneur, Figure de 1’Eglise”, tem todo um capítulo dedicado à fé de Nossa Senhora. Como o livro não é muito divulgado entre nós, vamos transcrever alguns trechos do ilustre teólogo: “Cheia de graça em sua pobreza, Maria quer ser a serva do Senhor. A graça de Deus que plenificou, suscita nela a fé na veracidade das promessas do anjo. Depois de uma excitação legítima diante do ministério da maternidade virginal que lhe foi anunciada, ela se entrega totalmente, num ato de fé puro, à Palavra do Senhor. A graça a predestinou, a predispôs e a preparou para esse ato de fé.” (Pág.88). Em palavras claras e precisas, Thurien analiza a fé de Maria: “A fé de Maria é primeiramente um ato de oferta: “Eis-me aqui”. Pois que ela é toda graça de Deus, é natural que ela entregue tudo a graça de Deus, na oferenda de todo o seu ser. Este movimento é de uma pureza maravilhosa. A sobriedade das palavras faz brilhar ainda mais o esplendor da graça nela. A fé de Maria é, em seguida, um ato de obediência: “Eu sou a serva do Senhor”. Maria entra no plano de Deus; ela aceita a grandiosa vocação de Filha de Sião, a função transtornadora de Mãe do Messias. Ela não acolhe esta vocação como uma glória para si, mas como um serviço de Deus. Com Este serviço magnífico, ela aceita também a objeção de uma situação anormal: ser uma mãe virgem, a crítica possível do seu ambiente social, o desprezo certo de José, seu noivo. Tudo isto é meditado, é aceito e acolhido na obediência do serviço de Deus. A serva do Senhor não discute, ela se entrega a Ele.”
             “A fé de Maria, continua o teólogo de Taizé, é enfim um ato de confiança: “que se faça segundo a tua palavra”. Depois de um instante de confusão, a saudação do anjo, Maria consentiu a princípio na sua maternidade messiânica. Ela não duvidou das palavras do anjo, mas simplesmente pôs a questão do “cano” desta maternidade, pois que não conhecia homem. Depois, logo que o anjo de Deus lhe revela que será como a Arca sob a nuvem luminosa, que o poder do Altíssimo a tomará nos seus ombros, que Isabel, em sua maternidade, é um sinal de onipotência divina, ela aquiesce totalmente a estas palavras e se põe a serviço do Senhor. 0 movimento da fé de Maria é de uma grande simplicidade e pureza… Maria aparece como a primeira que, na ordem nova do Cristo, realiza o movimento autêntico da fé… A fé de Maria é o fruto da pura graça e da Palavra de Deus. Ela adere, com toda confiança, à verdade das promessas do Senhor.” (Págs.88/90).
            Esta longa citação de um teólogo evangélico, depois convertido ao catolicismo, nos mostra como a Virgem Maria, olhada na sua fé, na sua adesão a Deus, na sua disposição de viver a Palavra do Senhor, com sinceridade e doação, é um modelo para todos os cristãos. Devemos agradecer a ela pelo exemplo de uma fé adulta, que nos deixou. Já que “sem fé é impossível agradecer a Deus” (Hb.11,6), devemos olhar para Maria, bendizê-la pela sua vida de perfeita cristã e procurar seguir-lhe os passos. Maria é feliz, é bem-aventurada porque acreditou em Deus.

4- Maria nas Liturgias Antigas

         No cemitério de Priscila, em Roma, encontra-se uma sugestiva pintura em que esta representada uma cena litúrgica de tomada de hábito de uma virgem. Um bispo, sentado no trono, assistido de um diácono, impõe o véu a uma jovem colocada em pé diante dele, e lhe fala, indicando, com o dedo, Maria que se vê do outro lado da pintura, assentada e tendo nos braços o seu Filho. Trata-se, possivelmente, de propor como exemplo de virgindade a Mãe de Deus e, parece, o bispo pronuncia as palavras de Sto. Ambrósio: “Ó minha filha, tomai esta mesma como modelo” (Scaglia, op. cit. pág. 207). É uma simples cena litúrgica que nos diz ser bem antiga a cerimônia de tomada de hábito de uma religiosa, à qual Maria é apontada como um exemplo a seguir.
              Na história da liturgia cristã, encontramos indícios muito claros de que o culto a Nossa Senhora é muito antigo. Já foi observado que, nos primeiros séculos, os cristãos  se cautelavam em mostrar publicamente as honras devidas a Maria, por causa dos pagãos que poderiam chamá-la de “deusa”, por ser Mãe de Deus, como fizeram muitos dos antigos. (Cf. Lerosey – Histoire et Symbolisme de la Liturgie, IV, pág. 590. Também M. Righetti – História de la Liturgia, pág.883).
             Em 428 d.C., o papa Celestino, escrevendo as Igrejas da Gália, exortou: “Tenhamos atenção ao sentido das orações sacerdotais, recebidas por tradição apostólica, em todo o mundo. São de um uso uniforme em toda a Igreja Católica e, pela maneira com que devemos rezar, aprendei o que devemos crer.” (A. Nicolas, op. cit. pág. 8). Havia, pois, orações, no século V, que eram atribuídas aos tempos apostólicos. Essas orações foram reunidas em grupos e deram origem às primeiras liturgias que tinham o nome dos Apóstolos. Nessas liturgias, encontramos muitas comemorações da Santíssima Virgem.
            Augusto Nicolas, em seu livro “Exposition Liturgique”, reproduz algumas das expressões usadas, nas liturgias antigas: “De novo e mais uma vez ainda, façamos memória da verdadeiramente feliz e preconizada por todas as gerações da terra santa, abençoada, sempre Virgem Maria, Mãe de Deus… Abençoada seja Maria e bendito 0 fruto que dela saiu… Pelas orações da Mãe da Vida, Mãe de Deus, Maria, e de todos os santos:….” (Tomo I, pág. 661).
             Na própria liturgia dos nestorianos (que negavam a maternidade divina), Maria foi invocada: “Mãe de nosso Senhor , rogai por mim ao Filho único que nasceu de Vós, para que Ele perdoe minhas faltas e meus pecados, e que receba de minhas mãos fracas e pecadoras este sacrifício que minha fraqueza oferece sobre este altar, por vossa intercessão, Mãe santa.” (A. Nicolas, ib. pág.71).
            As festas que, desde os primeiros séculos, se celebram em honra de Nossa Senhora, são testemunhos da veneração que os discípulos de Jesus tiveram para com a sua santa Mãe. “É preciso observar que o culto eclesiástico da Mãe de Deus se manifesta muito mais cedo que suas festas propriamente ditas. Constantino, por exemplo, lhe dedicou três Igrejas, na Capital do Império. Depois das recentes descobertas, antes da construção da Basílica Liberiana que era geralmente considerada como a mais antiga de Roma, existia uma outra Igreja dedicada à Virgem: Sancta Maria Antíqua.” (J.C. Broussole De la Conception Inmaculée à 1′ Anonciation Angélique, pág.36).

           As festas mais antigas em honra de Maria. são: a Anunciação, a Purificação, a Natividade e a Assunção.

            1) A Anunciação fundamenta-se no Evangelho (Lc. 1, 26-38). A festa da Anunciação também era chamada “Conceição de Jesus Cristo”, “Princípio da Redenção”, etc. Sem dúvida, ela é uma das mais célebres, em toda a Igreja dos primeiros séculos. Na celebração desta festa, fizeram sermões Santo Agostinho, Santo André de Jerusalém, S. Proclus de Constantinopla e muitos outros santos padres. (Cf. Lerosey, op. cit. pág.575).
           2) A Purificação é outra festa fundamentada no Evangelho (Lc.2, 22 e ss.). No dia 2 de fevereiro, lê-se no antigo Martiriológico Romano, atribuído a S. Jerônimo: “Purificatio Sanctae Mariae Matris Domini Nostri Jesu Christi”. Á festa da Purificação, celebrada também desde os primeiros séculos, é atestada por S. Gregório de Nissa, S. João Crisóstomo, S. Cirilo de Alexandria, S. Leão Magno e outros. (Barbier – La SaintVierge d’après les Péres, Tomo IV, pág. 391).
           3) A Natividade e a Assunção são duas festas baseadas na Tradição da Igreja. Não se sabe com muita precisão onde e quando nasceu e morreu Nossa Senhora. Mas os cristãos quiseram prestar uma homenagem à Mãe de Jesus, celebrando o dia do seu nascimento e da sua glorificação, após a sua morte. A festa da Natividade é celebrada no dia 8 de setembro, e a da Assunção, no dia 15 de agosto. Segundo informa o historiador Mario Righetti, “a Assunção é a festa mais antiga e solene que a Igreja celebra em honra de Maria, destinada a comemorar a sua morte e sua assunção ao Céu, em corpo e alma. Não nos é conhecido quando a Virgem exalou o último suspiro… a memória Mariana fixada em 15 de agosto deveu de ser a mais popular e festiva, porque as Igrejas da Armênia, de Jerusalém e de Constantinopla a tiveram com preferência sobre as outras”. (Op. cit. 895-904).
            No decorrer dos séculos, a Liturgia católica foi se enriquecendo sempre mais com festas e comemorações da Virgem Maria. Mesmo Lutero conservou algumas festas de Nossa Senhora: aquelas que tinham uma fundamentação bíblica: a anunciação, a visitação, a purificação. Foram solenidades litúrgicas conservadas e aproveitadas por Lutero e outros reformadores, para ser também uma iniciação sobre Maria e sua importância para os cristãos reformados. (Gottfried Maron – “Maria na Teologia Protestante”, Rev. Concilium, n° 188, agost0 de 1983, pág. 67 e ss.).

5- Maria nas catacumbas

           Ao lado da Patrística, as descobertas nas catacumbas demonstraram a antigüidade da veneração à Mãe do Salvador. 0 depoimento da arqueologia cristã é um capítulo bem interessante da história do culto a Nossa Senhora.
           No estudo sobre “LA VIERGE – histoire de la Mèr de Dieu et son culte”, Ursini relata o seguinte: “Quanto ao culto de hiperdulia que, sem ser de adoração, é superior aos dos santos, começou, segundo toda a aparência, no seu túmulo mesmo. Os doutores judeus nos conservaram, no Talmud, um fato histórico, por muito tempo desconhecido, que constata a alta antigüidade deste culto piedoso. Uma tradição do templo, consignado nos Toldos (livro em que a Virgem é tão insolenimente tratada , e que eles espalharam na Pérsia, na Grécia e em todos os lugares onde ele podia ser nocivo ao Cristianismo nascente), refere que os Nazarenos que vinham rezar no túmulo da Mãe de Jesus, sofreram uma perseguição violenta da parte  dos príncipes da Sinagoga, e que custou a vida a cem cristãos o terem levantado um oratório sobre sua sepultura.” (2° volume, pág. 14-15).
       Arqueólogos célebres, após anos de escavações e pesquisas, encontraram nos monumentos da arte cristã primitiva, elementos que indicam a veneração dos cristãos dos primeiros séculos à Virgem Maria. Marohi descreve uma cripta do Menino Jesus e de Maria, encontrada na catacumba de Santa Inês e, segundo o arqueólogo, do começo do 3° século. “Em cima do pequeno altar desta cripta, diz ela, vê-se uma figura da Virgem, a meio corpo. Ela está assentada, tendo sobre os seus joelhos o Divino Infante. Para evitar todo equívoco, o pintor gravou, à direita e à esquerda, o duplo monograma de Cristo. A divina Mãe estende os braços para rezar. 0 Menino não faz este gesto, para marcar a distância infinitiva que separa o Filho da Mãe. A Mãe é uma criatura, a mais poderosa das criaturas, pelo seu poder de intercessão e de oração, enquanto que o Filho é todo poderoso por si mesmo” (Monumenti delle arti christiane primitive nella Metropoli del Christianesimo, pág. 152 e ss.).
Depois de percorrer as catacumbas do cemitério  Domitila, um companheiro de De Rossi, e arqueólogo também, Carlos Lenormant, escreveu: “Antes da minha última viagem a Roma, e unicamente sobre o exame dos desenhos de Saviniem Petit, estava convencido de que a pintura cristã remota às épocas florescentes da arte romana. Mas, nesse momento, era ousadia falar de produção do 3° século. Hoje, reforçado pela convicção perfeitamente raciocinada de De Rossi e, ousarei dizer, de nossas comuns observações, não temo afirmar que se possa refazer toda uma história de pintura do começo do 2° até ao 4° século… Depois de me fazer ver figuras de Cristo e dos Apóstolos, ele (De Rossi) me leva a um quarto onde a Virgem, tendo seu divino Filho sobre seus joelhos, se mostra recebendo os presentes dos Reis Magos… A fé do católico se exalta em reconhecer o culto da Mãe de Deus estabelecido até nas mais altas épocas da primitiva Igreja.” (Apud. A. Nicolas – LA VIERGE MARIE E’P LE PLAN DMN, t. 4°, pág. 61).
             Outro arqueólogo, Wìlpert, resume o resultado final de seus trabalhos sobre as figuras de Maria, nas catacumbas romanas, com estas palavras: “Nós examinamos uma grande quantidade de pintura representando a Santa Virgem com seu divino Filho, e aí descobrimos que a figura principal é sempre Cristo… De outra parte, não se pode negar que Maria ocupa um lugar importante. Isto seja dito em relação às duas pinturas examinadas em primeiro lugar e às duas últimas. De um lado, é citada como a Virgem Mãe de Deus, e de outro, como tipo das virgens consagradas a Deus, e intercedendo pelos vivos. Em conseqüência, estas quatro figuras reúnem os grandes privilégios com que a Providência quis distinguir a Mãe de Deus. Melhor ainda nos monumentos do tempo das perseguições, as figuras mostram claramente, em poucos traços, mas bem nítidos, a situação de Maria, na Igreja dos primeiros séculos, e fazem ver que, desde esta época, ela era realmente o que foi depois.” (Sixte Scaglia – MANUEL DE ARCHEOLOGIE CHRÉTIÉNNE, pág, 210).
            Os depoimentos sobre a presença de Maria nas artes plásticas são bem numerosos. As pinturas marianas são freqüentes, nas catacumbas e cemitérios antigos. Do século 4° em diante, a partir de Constantino, muitas Igrejas foram não só dedicadas à Mãe de Deus, como tiveram passagens de sua vida, de modo especial a Anunciação e a Visitação, apresentadas nas suas paredes. Com liberdade para professar a sua fé em Cristo Jesus e venerar a sua Mãe, os cristãos multiplicaram os modos de proclamar Bem- Aventurada a Mãe do Senhor.

6- Maria entre os Santos Padres

           Designamos com o nome de “Santos Padres”, Padres da Igreja” ou “Pais da Igreja”, aqueles escritores cristãos dos primeiros séculos, que se distinguiram pela exposição da doutrina cristã. Eles defenderam as verdades do Cristianismo contra as heresias que surgiram e que procuravam se infiltrar no mundo cristão do seu tempo. Na Igreja Latina, como na Oriental, apareceram nomes preeminentes, em cujos escritos se encontram os fundamentos das pregação da Igreja Primitiva. Ambrósio, Agostinho, Jerônimo, Atanásio, João Crisóstomo, etc. – são alguns desses Santos Padres que nos transmitem a fé e a vivência das primeiras gerações cristãs.
          No Brasil, D. Antonio Figueiredo publicou um Curso de Teologia Patrística, em que focaliza a contribuição dos Padres da Igreja para a vida do Cristianismo primitivo. Das obras desses escritores, o autor faz emergir a Igreja, em suas estruturas e funções. A maior parte dos escritos patrísticos é formada de comentários à Sagrada Escritura.
            A veneração a Nossa Senhora foi se manifestando paulatinamente. Ela foi tomando formas diferentes e crescendo na vida dos cristãos, através dos séculos. Nós não a encontramos, por exemplo, nos escritores do 2° e 3° séculos, como apareceu no século 5°, no tempo de S. Bernardo (século XII), ou em nossos dias. Mas, desde as primeiras gerações cristãs, vão surgindo depoimentos, reflexões sobre o papel de Maria na Economia da Salvação, que levaram os cristãos a prestar uma homenagem especial Àquela que foi escolhida por Deus para ser a Mãe do Verbo Encarnado.
            Em dois grossos volumes, J.B. Terrien agrupou dezenas e dezenas de textos dos Santos Padres sobre “A MÃE DE DEUS E A MÃE DOS HOMENS”. Os primeiros escritores cristãos gostavam de focalizar, de modo especial, a fé e a obediência da Santíssima Virgem. Estes eram, certamente, os pontos da vida de Maria, que mais estimulavam os cristãos. Vejamos como a Virgem aparece nos escritos de alguns Padres, anteriores ao Concílio de Éfeso.
              Irineu, bispo de Lião na França, morreu por volta do ano 202. Foi discípulo de Policarpo que, por sua vez, o fora do apóstolo S. João. Irineu é um escritor muito importante. Nos seus escritos, são muitos os artigos do símbolo católico, cuja apostolicidade se encontra atestada. Contra alguns hereges de sua época, levanta-se o bispo de Lião, afirmando a maternidade divina de Maria e a sua virgindade, e mostrando o plano divino, por ele chamado de “recirculatio”, em que a nova Eva, MARIA, se apresenta digna e merecedora da nossa veneração e amor. Diz Irineu: “Consequentemente a este plano, Maria Virgem nos aparece obediente, ao dizer: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. Eva, porém, foi desobediente, embora ainda fosse virgem. Do mesmo modo que Eva, tendo Adão por esposo, desobedeceu e tornou-se causa de morte para si e para todo o gênero humano, assim também Maria, tendo um varão predestinado e, contudo, permanecendo virgem, obedeceu e tornou-se para todo o mundo causa de salvação.” (ENCHIRIDION PATRISTICUM, N° 224). São de Irineu também estas palavras: “Assim como Eva, seduzida pela palavra do maligno, para que se afastasse de Deus, pecou contra a palavra d’Este, assim Maria, evangelizada pela palavra, mereceu trazer a Deus. E se aquela desobedeceu a Deus, esta foi obediente a Ele, para que a Virgem Maria se tornasse advogada de Eva.” (ADVERSUS HAERESES L. 5, cap. 19).
              Percebemos como Irineu gostava de comparar Eva com Maria, para salientar o papel de Mãe de Deus, no plano da salvação. Maria é a advogada de Eva e de todos os seus filhos. Há, nas palavras de Irineu, um certo reconhecimento a Maria, pela sua obediência, pela sua fé, pela sua fidelidade ao Senhor. Esse reconhecimento iria levar muitos a manifestá-lo em gestos e palavras de louvor e veneração.
              Com expressões semelhantes, Tertuliano, no século 3, também escreveu: “Deus recuperou, por um desejo de emulação, a sua imagem e semelhança, arrebatadas pelo demônio. Em Eva, virgem, insinuou-se a palavra que gerou a morte. É também numa virgem que devia nascer o Verbo que gerasse a vida, a fim de que a humanidade, perdida pelo sexo feminino, recebesse a salvação por esse mesmo sexo. Eva creu na serpente, Maria acreditou em Gabriel. A falta cometida pela credulidade de uma foi destruída pela fé da outra.” (ENCHIRIDION, N° 358). A fé de Nossa Senhora é exaltada. Tertuliano, por assim dizer, repete o louvor que Isabel havia feito. Maria é a Mãe do Senhor da vida. Sua fé, sua plena adesão à vontade de Deus, fez dela um modelo perfeito para cristão.
          Justino, apologista do século 2, no seu “Dialogus cum Tryphone”, faz este comentário: “A Virgem estremeceu de fé e de alegria, ao receber da boca do anjo a boa nova de que o Espírito de Deus desceria ao seu seio, de que a virtude do Altíssimo a cobriria com a sua sombra, e que, em conseqüência, o Santo que nasceria dela seria o Filho de Deus. Sua resposta foi: “Faça-se em mim segundo a tua palavra.” Dela nasceu Aquele que foi predito pelas Escrituras, Aquele por meio do qual Deus esmagou a serpente com os anjos e os homens degradados, e livrou da morte os pecadores que, crendo n’Ele, fizeram penitência de seus crimes.” (D. Ruiz Bueno – PADRES APOLOGISTAS GREGOS, séc. II, pág.479).
.       Como Mãe do Salvador do mundo é que Maria merece um destaque todo especial, na Igreja de Cristo. Sendo a Mãe de Jesus, ela se tornou a fonte de alegria para toda a humanidade. “Eis que vos anuncio uma grande alegria: nasceu-vos hoje um Salvador que ó Cristo Senhor.” (Lc. 2, 10-11).
         Orígenes, outro escritor do século 3 da era cristã, considerado o “engenho mais universal e o varão mais douto da época ante-nicena”, comentando o primeiro capítulo de Mateus, escreveu: “Esta virgem Maria é chamada mãe do Filho único de Deus. Digna mãe de um digno Filho; mãe imaculada de um Filho santo e imaculado; mãe única de um Filho único. Tomai a Maria como um trono celeste que se vos dá a guardar, diz o anjo a José, como todas as riquezas da divindade, como a plenitude da santidade, como uma justiça perfeita. Tomai-a e guardai-a, como residência do Filho único de Deus, como seu templo honorável, como o dom de Deus, como a morada imaculada do rea1 e celeste esposo.” (Apud. A. Nicolas – LA VIERGE MARIE ET LE PLAN DIVIN, tomo 4° págs.l03-104).
             A partir do quarto século, os pronunciamentos e sermões dos Santos Padres sobre Nossa Senhora se multiplicam. Ela foi proclamada “BEM-AVENTURADA”, em todos os recantos do mundo cristão. 0 entusiasmo por aquela que é o modelo fiel do verdadeiro discípulo de Jesus Cristo cresceu de modo impressionante. Nas catacumbas, nas artes, nos templos, na liturgia, na pregação, foi sempre mencionada com muito amor e com muita gratidão, pois, afinal, ela é a Mãe de Nosso Senhor. (Lc. 1, 43). 0 culto Mariano foi tomando dimensões sempre maiores e bem expressivas. Se abusos houve ou aparecem ainda hoje, a Igreja procurou sempre corrigi-los. A atitude de alguns fiéis menos esclarecidos e afastados da orientação da Igreja não significa a ilegitimidade da devoção à Virgem Santíssima. A profecia bíblica “Todas as gerações me chamar-se-ão Bem-aventurada” vem se realizando através dos séculos.
             As coletâneas de Barbier (4 volumes), de Terrien (2 volumes) e outros estudos que reuniram tópicos dos Santos Padres sobre a Mãe de Jesus, são mananciais onde encontramos o pensamento e o afeto das primeiras gerações cristãs para com a Mãe do Senhor.

7- Maria e os Protestantes

            Um dos pontos que afastam os protestantes dos ortodoxos e católicos é o que se refere a Nossa Senhora. Ainda há, nas camadas mais radicais do protestantismo, um verdadeiro preconceito contra Maria, a Mãe de Jesus. Muitos não querem reconhecê-la Mãe de Deus e não se preocupam em descobrir o papel real que ela desempenha na economia da salvação. Todos sabemos que foi por Maria que nos veio o Salvador Jesus Cristo. Sua grandeza e sua glória estão, precisamente, em ter sido escolhida por Deus, sem merecimento pessoal, para a missão única de Mãe do Verbo Encarnado.
             Hoje, graças a Deus, em certos meios evangélicos, começa a ser feita uma revisão da atitude diante de Maria. Já não se quer continuar na conspiração do silêncio em torno da Mãe do Salvador. Reconhece-se que tal conspiração não existia no princípio da Reforma. “Venerava-se Aquela que foi a primeira a crer em Cristo”. Informa-nos o pastor Roger Shutz que “nas igrejas protestantes históricas, já não se encontra mais a brutal oposição à pessoa de Maria. Tal oposição está relegada a algum que outro círculo. Existe, no Protestantismo, uma veneração pela Mãe de Cristo.” (Vários autores – MARIA, pág. 88).
              Os luteranos, parece, estão na linha de frente dessa nova atitude para com a Virgem Maria. A revista “JESUS VIVE E É 0 SENHOR”, que se edita no Rio de Janeiro, transcreve um texto da fundadora da Irmandade Evangélica de Maria, como sede na cidade de Darmstadt, na Alemanha. Depois de citar uma passagem de Lutero, no comentário ao Magnificat, onde Maria é exaltada e colocada acima de reis e monarcas da terra, por ser Mãe de Deus e uma mulher sublime, a evangélica Basilea Schlink confessa: “0 Senhor concedeu-me a graça, nos últimos decênios, de amar e venerar Maria, tanto mais quanto mais profundamente tentava imitar sua conduta, submergindo-me na consideração daqueles duros caminhos pelos quais foi conduzida por especial providência divina, segundo nos revela a Sagrada Escritura. É, portanto, um profundo desejo do meu coração poder ajudar agora a que da nossa parte, como cristãos evangélicos, Maria seja novamente amada como Mãe de Nosso Senhor. E isso corresponde ao testemunho da Sagrada Escritura e também ao que o nosso reformador Lutero nos indicou.” (N° 83 – maio de 1985).
            0 teólogo Gottfried Maron que, por indicação da Igreja Evangélica da Alemanha, foi observador do Concílio Vaticano II, e é professor de História da Igreja e dos Dogmas, escreveu um esclarecedor artigo “MARIA NA TEOLOGIA PROTESTANTE” para a revista internacional de Teologia “CONCILIUM” (N° 188 – agosto de 1983). Neste artigo, nos dá uma valiosa informação sobre o pensamento de Lutero em relação ao culto de Maria, e o seu desejo de purificá-lo de certos “abusos”. Diz ele: “0 interesse reformatório de Lutero consiste em purificar o culto divino e o ano litúrgico de festas e fornias abusivas, isto é, numa orientação cristológica. Assim é que continua havendo festas também de Maria (Anunciação, Visitação, Purificação), aquelas que têm fundamento na Escritura. Todavia, os reformadores achavam importante estabelecer a ligação dessas festas com Cristo, celebrá-las mesmo, diretamente, como festas de Cristo. Não obstante, esses dias eram aproveitados para dar uma iniciação também sobre Maria e sua importância para os cristãos reformados. Nestas festas Maria recebeu o seu lugar.”
             No final do artigo, apresentando alguns critérios para uma doutrina marial evangélica, o teólogo luterano salienta três pontos: “Uma mariologia evangélica precisa de lastro e orientação cristológicos. Seu ponto de partida tem que ser a Escritura Sagrada, se quiser continuar como teologia evangélica. Maria pode e deve ter, do ponto de vista evangélico, um lugar na pregação e no anúncio.”
              Há alguns anos, reuniram-se em Dresden, Alemanha Oriental, teólogos evangélicos de denominações diferentes. No final dos seus estudos, publicaram um manifesto em que foi localizado o problema de Maria. No manifesto, depois de se referirem aos fatos de Lourdes e Fátima, eles perguntam: “qual é o sentido profundo desses fatos milagrosos, no plano de Deus? Parece que, com eles, Deus quer responder, de maneira radical, à incredulidade moderna. Como pode um incrédulo, diante desses fatos, continuar de boa fé incrédulo? E nós, cristãos evangélicos, podemos porventura passar diante desses fatos sem nos deter para um exame sério? Um cristão evangélico teria o direito de ignorar esses fatos pela única razão que eles acontecem na Igreja Católica, e não na sua comunidade? Tais fatos não nos deveriam levar a honrar a Maria, na Igreja Evangélica?” (Citado por Euclides Carneiro da Silva – “MARIA, Mãe de Jesus”, págs. 16-17).
             Mais recentemente, os fatos da Iugoslávia chamaram a atenção de vários teólogos e pastores. René Laurentin, perito em Mariologia, publicou um estudo “A Virgem aparece em Medjugorje”, em que diz: “David Duplessis, pentecostal de grande projeção e profunda espiritualidade, que abriu o seu movimento ao ecumenismo, ficou positivamente impressionado, ao visitar Medjugorje e declarou: “Não obstantes meus numerosos contatos com a Igreja Católica, nunca encontrei um espírito de oração como em Medjugorje. A vossa tradição católica sobre Maria me causou medo por longo tempo, porque entre nós não goza de posição tão destacada. Foi junto a vós que constatei que Maria conduz a Cristo.” (Pág. 196).
             Hoje, muitos cristãos procuram aprofundar a compreensão do lugar de Maria na comunidade dos batizados. Há comunidades que rezam a Maria pela união dos cristãos. Durante o Concílio Vaticano II, os irmãos de Taizé gostavam de convidar padres conciliares para fazerem refeições com eles. E após cada refeição, o pastor Roger Schutz convidava os visitantes para rezarem a seguinte oração por ele mesmo composta: “Pai santo
e misericordioso, revelastes à Bem-aventurada Virgem Maria que, com a vinda do Teu Filho, os poderosos seriam humilhados e os humildes, exaltados. Pedimos-Te pelos humilhados que Te gritam com Ele. Ó Cristo, Tu que nascestes da Virgem Maria, obediente à Tua palavra, concede-nos também a nós um espírito pronto e obediente. Com Ela – a primeira de toda a multidão das testemunhas – queremos aprender a dizer-Te: Faça-se em mim segundo a Tua vontade. Ó Deus, quiseste fazer da Virgem Maria a figura da Igreja. Ela recebeu Cristo e 0 deu ao mundo. Envia sobre nós o Teu Espírito Santo para que estejamos, bem depressa, unidos visivelmente num só corpo, e para que irradiemos Cristo junto dos homens que não podem acreditar. Congrega-nos na unidade visível, a fim de que, com a Virgem Maria e todos os santos, testemunhas de Cristo, nos alegremos em Ti, nosso Salvador, agora e para sempre, pelos séculos dos séculos. Amém.” Cada um rezava esta oração de joelhos e com uma vela na mão.

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