Entendendo a doutrina das indulgências

“A doutrina e o uso das indulgências vigentes na Igreja Católica há vários séculos encontram sólido apoio na revelação divina, a qual vindo dos Apóstolos “se desenvolve na Igreja sob a assistência do Espírito Santo”, enquanto “a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus”.(Papa Paulo VI In: Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina,1).

Muito se diz acerca da doutrina das Indulgencias, de forma a depreciar a Igreja Católica, com base em sofismas e argumentos desprovidos do real conhecimento do que se trata.

A primeira objeção às indulgências, sobretudo de base protestante, afirma que a mesma seria “perdão dos pecados” ou mesmo a “venda do perdão” [1]. Nada de mais falso e incoerente.

Ensina com exatidão o Catecismo da Igreja Católica (CIC), o que são as indulgencias:

“A indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos.” (CIC § 1471)

Fica claro a partir dessa definição do Catecismo que a indulgência não é o perdão dos pecados, mas sim, a “a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa”. Outro fator de suma importância a ser observado é que a indulgência ocorre “pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos”

É preciso compreender que o pecado gera uma dupla conseqüência para o homem: a pena eterna (culpa) e a pena temporal (pena). A pena eterna caracteriza-se pela privação da comunhão com Deus, que ocorre com a prática do pecado grave ou mortal (também o pecado venial acarretando um “apego prejudicial às criaturas”, produz a pena temporal que necessita ser expiada). A pena eterna (culpa) é remida através do Sacramento da Confissão ou Penitência. A pena temporal caracteriza-se pela violação da ordem natural estabelecida pelo Criador (as conseqüências do pecado cometido, que devem ser reparadas). Diz S. Tomás de Aquino: “Sendo o pecado um ato desordenado, é evidente que todo o que peca, age contra alguma ordem. E é, portanto decorrência da própria ordem que seja humilhado. E essa humilhação é a pena” (S. Th. 1-2,q87, a.1; DI, ref.3 apud Aquino Felipe. In: O Purgatório: o que a Igreja ensina, p.44). A pena temporal é expiada através das obras de penitencia e/ou das indulgências (“obras indulgenciadas”). [2]

“As indulgencias não significam venda do perdão de pecados, como se diz freqüentemente, mas são obras que devem ser praticadas com profundo amor à Deus e total repúdio do pecado já absolvido pelo sacramento da penitencia; a fim de que o amor à Deus assim excitado apague os resquícios do pecado que costumam permanecer no cristão mesmo após a absolvição sacramental” (D. Estêvão Bettencourt,OSB. In: PR nº 555, p.384)

As indulgências surgem na história da Igreja aproximadamente no século IX. Nos primeiros séculos do cristianismo, a absolvição dos pecados ocorria somente após o pecador prestar satisfação do pecado cometido (penitencia pública), para tirar do seu íntimo as raízes do pecado, e para isto, tinha que submeter-se a rigorosa penitência (quaresma de Jejum com o penitente vestido de sacos e silício, auto-flagelação, viver de esmolas, etc). Havia também neste tempo os “Confessores da Fé”, cristãos piedosos que encontrava-se encarcerados pelos perseguidores, aguardando o dia da execução, assim, os penitentes recorriam à intercessão destes futuros mártires da fé, que escreviam uma carta ao Bispo (chamadas de “cartas de paz”), para que a pesada penitencia (pena temporal) fosse remida pelos sofrimentos daquele mártir.

“Com este documento [a “cartas de paz”] entregue ao bispo, o penitente era absolvido da pesada penitencia pública que o confessor lhe impusera (…) a pena temporal que a penitencia satisfazia. Assim, transferia-se para o pecador arrependido, o valor satisfatório dos sofrimentos do mártir”. (Aquino Felipe. In: O Purgatório: o que a Igreja ensina, p.41)

Dessa forma, a Igreja, depositária dos méritos de Cristo e dos Santos [3], gradativamente começa a aplicá-los aos penitentes, que muitas vezes não tinham condições físicas para cumprir as pesadas penitencias da época, assim, a partir do século IX começam a surgir as obras indulgenciadas, que eram obras mais brandas (visita a um Santuário, uma peregrinação, orações como o terço, esmolas, etc), às quais a Igreja pela autoridade dada por Deus [4] aplicava o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos. As indulgências eram calculadas em dias, semanas, meses ou anos, por exemplo, uma indulgência de 40 dias equivalia a 40 dias de alguma penosa penitencia (p.ex. um jejum de 40 dias a pão e água), comutada por uma obra indulgenciada. [5]

Desde o século VI e também com o advento das obras indulgenciadas (século IX), a praxe da Igreja no tocante à absolvição dos pecadores, passa a ocorrer da seguinte forma: o pecador recorria ao Sacramento da Confissão e depois de absolvido da pena eterna (culpa), cumpriria alguma obra indulgenciada para a remissão da pena temporal devida (pena).

É imperativo que se saiba, que as comutações das pesadas penitencias para as obras indulgenciadas tem seu apoio nas Sagradas Escrituras, como se depreende do texto de Levítico 5,7.11, onde se observa comutações de obrigações dos fiéis, quando estes não tinham como cumprir o prescrito: “Se não houver meio de se obter uma ovelha ou uma cabra, oferecerá ao Senhor em expiação pelo seu pecado duas rolas ou dois pombinhos, um em sacrifício pelo pecado e o outro em holocausto.(…) Se não houver meio de se encontrarem duas rolas ou dois pombinhos, trará como oferta, pelo pecado cometido, o décimo de um efá de flor de farinha em sacrifício pelo pecado. Não lhe deitará azeite nem lhe porá incenso, porque é um sacrifício pelo pecado” (Lv 7,5.11)

Outro fator importante a ser observado, é que a obtenção das indulgências não eram (nem são) feitas de forma mecânica ou burocrática, requer-se do penitente absolvido pelo Sacramento da Confissão, total horror ao pecado, e piedoso amor à Deus, de forma a possuir reta intenção de não mais incorrer no pecado, com o auxílio da graça de Deus.

Após o Concílio Vaticano II (1962-1965), o Papa Paulo VI promoveu uma revisão da disciplina das indulgências através da Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina em 01/01/1967 (tal revisão não invalidou nada de essencial que era aplicado anteriormente). As indulgencias deixaram de ser contadas em “dias, meses ou anos”, passando a ser somente indulgência parcial ou plenária.

“N. 2. A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmente da pena devida pelos pecados.” (cf. Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina, Norma nº 2)

“(…) “A indulgência é parcial ou plenária, conforme liberar parcial totalmente da pena devida pelos pecados.” Todos os fiéis podem adquirir indulgências (…) para si mesmos ou aplicá-las aos defuntos.” (CIC § 1471)

A doutrina das indulgências é uma graça que Deus deu à Sua Igreja, para auxiliar na santificação de seus filhos, visando estimulá-los a uma vida fervorosa, animada pela fé, caridade e configuração ao nosso Salvador Jesus Cristo. Com efeito, ensinou o Papa Paulo VI: “Para brevemente relembrar os principais benefícios, a usança salutar das indulgências ensina “como é triste e amargo ter abandonado o Senhor Deus”. Pois os fiéis, quando se empenham em ganhar as indulgências, compreendem que por suas próprias forças não podem expiar o prejuízo que se infligiram a si mesmos e a toda a comunidade, e por isso são excitados a uma salutar humildade. Além disso, o uso das indulgências ensina com que íntima união em Cristo estamos ligados uns aos outros e que ajuda a vida sobrenatural de cada um pode trazer aos outros, a fim de mais fácil e estreitamente se unirem ao Pai. Assim, o uso das indulgências inflama eficazmente a caridade e de modo excelente a exerce quando se leva um auxílio aos irmãos adormecidos em Cristo. (cf. Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina,9)

Para saber mais acerca da Doutrina das Indulgencias, recomendo a leitura da Constituição Apostólica Indulgentiarum Doctrina do Papa Paulo VI.

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BIBLIOGRAFIA:

– AQUINO, Felipe. O Purgatório: o que a Igreja ensina. Lorena – SP: Cléofas, 2006.
– BETTENCOURT, Estevão. Indulgencias: Que são? In: Pergunte e Responderemos, ano XLIX, setembro de 2008, nº 555.
– CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA – Edição típica Vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

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NOTAS:

[1] “Deve-se observar também que a Igreja nunca vendeu o perdão dos pecados, nem vendeu indulgencias. Mais: quando a igreja indulgenciava a prática de esmolas, não tencionava dizer que o dinheiro produz efeitos mágicos, mas queria apenas fomentar a caridade ou as disposições íntimas do cristão como fator de purificação interior. Não há duvida, porém, de que pregadores populares e muitos fiéis cristãos dos séculos XV/XVI usaram de linguagem inadequada ou errônea ao falar de indulgências” (D. Estêvão Bettencourt,OSB. In: PR nº 555, p.388).
[2] “Na Idade Média, a Igreja, com a certeza de que ela é a depositária dos méritos de Cristo (…) começou a aplicar isto aos seus filhos pecadores (…) entenderam que podiam aplicar esses méritos em favor dos penitentes que deviam cumprir penitências rigorosas. Assim surgiram as “obras indulgenciadas”, que substituíam as pesadas penitências (…) A partir daí, a remissão da pena temporal do pecado, obtida pelas prática dessas “obras indulgenciadas”, tomou o nome de “indulgência”.
[3] “Em vista da expiação dos pecados, existe na Igreja um tesouro infinito de méritos que Cristo adquiriu mediante a sua Paixão e Morte; esse tesouro frutificou nos méritos da Bem – aventurada Virgem Maria e dos Santos. É o chamado “tesouro da Igreja”. (D. Estêvão Bettencourt,OSB. In: PR nº 555, p.385); “Na comunhão dos santos, “existe certamente entre os fiéis já admitidos na posse da pátria celeste, os que expiam as faltas no purgatório e os que ainda peregrinam na terra, um laço de caridade e um amplo intercâmbio de todos os bens”. Neste admirável intercâmbio, cada um se beneficia da santidade dos outros, bem para além do prejuízo que o pecado de um possa ter causado aos outros. Assim, o recurso à comunhão dos santos permite ao pecador contrito ser purificado, mais cedo e mais eficazmente, das penas do pecado. Esses bens espirituais da comunhão dos santos também são chamados o tesouro da Igreja, “que não é uma soma de bens comparáveis às riquezas materiais acumuladas no decorrer dos séculos, mas é o valor infinito e inesgotável que têm junto a Deus as expiações e os méritos de Cristo, nosso Senhor, oferecidos para que a humanidade toda seja libertada do pecado e chegue à comunhão com o Pai. É em Cristo, nosso redentor, que se encontram em abundância as satisfações e os méritos de sua redenção”. “Pertence, além disso, a esse tesouro o valor verdadeiramente imenso, incomensurável e sempre novo que têm junto a Deus as preces e as boas obras da Bem aventurada Virgem Maria e de todos os santos que, seguindo as pegadas de Cristo Senhor, por sua graça se santificaram e totalmente acabaram a obra que o Pai lhes confiara, de sorte que, operando a própria salvação, também contribuíram para a salvação de seus irmãos na unidade do corpo místico.” (CIC § 1475-1477) [destaque nosso].
[4] A indulgência se obtém de Deus mediante a Igreja, que, em virtude do poder de ligar e desligar que Cristo Jesus lhe concedeu, intervém em favor do cristão, abrindo-lhe o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos para obter do Pai das misericórdias a remissão das penas temporais devidas a seus pecados. Assim, a Igreja não só vem em auxílio do cristão, mas também o incita a obras de piedade, de penitência e de caridade. (CIC § 1478); “Cristo confiou à sua Igreja as chaves para administrar o tesouro da redenção, como se depreende de textos, como o de Mt 16,16-19; 18,18; Jo 20,22s.” (D. Estêvão Bettencourt,OSB. In: PR nº 555, p.385).
[5] “Esta praxe ficou em vigor até os tempos recentes da Igreja. Quando, antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), se falava de “indulgencia de 100, 300 dias, um ou mais anos”, não se designava um estágio no purgatório, pois neste não há dias nem anos. Com essa contagem, indicava-se o perdão da expiação que outrora alguém prestaria fazendo 100, 300 dias, um ou mais anos de penitencia rigorosa, avaliada segundo a praxe da Igreja antiga.” (D. Estêvão Bettencourt,OSB. In: PR nº 555, p.387).

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