Fátima, unidade da Igreja e a conversão da Rússia

Não há dúvidas de que a restauração da Unidade entre as igrejas separadas da  Ortodoxia Oriental (sem  mencionar as outras igrejas orientais que não estão em comunhão nem com Roma nem com Constantinopla) tem sido uma das prioridades do pontificado do Papa João Paulo II. Ele seguiu firmemente o apelo do Concílio Vaticano II o qual implorou que os Católicos rezassem e trabalhassem pela unidade de todos aqueles que professam a fé Cristã e, especialmente, aqueles das igrejas dissidentes do rito bizantino-greco-eslavo ortodoxo, as quais mantiveram um profundo amor e devoção por Nossa Senhora.

Na liturgia bizantina de São João Crisóstomo, a Bem-Aventurada e Sempre Virgem Maria é reconhecida 16 vezes como a mais abençoada entre todas as criaturas de Deus, ?mais honrada que o Querubim e incomparavelmente mais gloriosa que o Serafim.?. No ritual bizantino ela é inúmeras vezes invocada como ?Bem-aventurada, Imaculada, Abençoada e Gloriosa Nossa Senhora, Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria.? No calendário litúrgico do rito bizantino, há uma festa mariana para cada dia do ano, celebrando outros eventos em sua vida na Terra, bem como os milagres atribuídos à sua maternal intercessão e ajuda em todas as necessidades da vida neste ?vale de lágrimas?. Como o Bispo Kallistos Ware, um reconhecido estudioso ortodoxo oriental, bem disse: ?É exatamente em honra ao Filho que nós veneramos a Mãe? Quando as pessoas recusam honrar Maria, muitas vezes é porque eles não acreditam na Encarnação.”

Alguns anos atrás, o teólogo franciscano Frei Cuthbert Gumbinger, OFM, notou corretamente:

“É a devoção pela Mãe de Deus, mesmo entre os dissidentes, que nos dá esperança na reunificação das igrejas. Ela, a Mãe do Cordeiro de Deus, guiará de volta para o verdadeiro rebanho aquelas inúmeras almas que, por tanto tempo, têm andado sem um pastor.”

Este pastor é o Sucessor de Pedro, que continua sua missão dada por Cristo, de alimentar e guiar todas as ovelhas batizadas de Cristo (Jo 21:15-17). Suportando o pesado fardo das Chaves do Reino, o Papa João Paulo II, tem sido incansável, não só escrevendo encíclicas, cartas e discursos pedindo a unidade com as igrejas orientais separadas, mas também por encorajar contatos pessoais com seus Patriarcas e Bispos. Sua recente viagem a România e Geórgia (ambos países de maioria Oriental Ortodoxa), marcam um novo estágio nas relações Católica-Ortodoxa, bem diferente dos dias do Papa Pio IX, profundamente desapontado com a recusa dos patriarcas orientais em aceitar seu convite para participar do Concílio Vaticano I (1870). A presenta de observadores da Igreja Oriental Ortodoxa no Vaticano II evidenciou uma atitude bem mais ecumênica.

Maria, a Chave para a Reunificação

A esperança Católica na reunificação com as igrejas ortodoxas orientais, que mantiveram um Episcopado válido, o Sacerdócio e os 7 Sacramentos, sempre se baseou no amor da Mãe de Deus por seus filhos, que se dispersaram do rebanho único especialmente conferido a Pedro.

Como o Frei Paul James Wattson, SA,  co-fundador da Sociedade do Atonement, e primeiro ecumenista que ajudou a preparar o caminho para a organização da “Semana da Oração pela Unidade Cristã”  (Janeiro 18-25), apontou mais tarde:

“Não é por sermos Católicos que afirmamos que ela é a Mãe dos Católicos apenas; ela é a Mãe de todos os batizados, estejam eles entre o rebanho de Pedro ou pertencentes a ‘outros rebanhos’ mencionados pelo Bom Pastor, além dos desertos do cisma, ainda assim, muito amados por Jesus e pelo coração maternal de Maria.”

Na verdade, nos primeiros dias do Cristianismo, os Pais Orientais da Igreja eram bastante efusivos na oração, honra e veneração, invocando Maria, Cheia de Graça, Mãe de Deus. Santo Epifânio de Chipre (403 d.C), por exemplo, exclamou:

“Por vós, ó Santíssima Virgem, a parede divisória da animozidade foi destruída. Por vós, a paz do céu foi dada a terra. Por vós, os homens foram feitos anjos (em disposição). Por vós, os homens puderam ser chamados amigos, servos e filhos de Deus. Por vós, a Cruz veio a brilhar sobre toda a terra, na qual foi seu Filho pregado, Cristo nosso Deus. Por vós, falsos deuses caíram e o conhecimento dos céus espalhados sobre todos.”

Na amplamente conhecida passagem deste clássico e valioso livro, “A Igreja Oriental Ortodoxa”, o estudioso católico Dr. Adrian Fortescue, teve a ocasião de observar:

“O Oriente sempre excedeu o Ocidente no ardor da reverência paga a Bem-Aventurada Virgem e aos santos… Mais que todos os santos, claro, foi a Santíssima Mãe de Deus o objeto de sua devoção.  De todas as gerações que a chamaram bem-aventurada, nenhuma o fez com tanta eloqüência como os Cristãos Orientais. E a devoção a Nossa Senhora é ainda uma marca especial de todas estas igrejas. É inútil fazer citações de algo que ninguém pode negar.” (Londres, 1929; p.102)

Podemos notar nos testemunhos dos Pais da Igreja, ambos do Oriente e Ocidente, que iluminaram a Igreja durante seu primeiro milênio com os tesouros do conhecimento sagrado, que é, a través da intercessão da Virgem Mãe de Deus, que os Cristãos tradicionalmente defenderam o fim de todas as heresias e cisma. O russo convertido do século 19, Conde Gregory Schouvaloff, o qual tornou-se um padre barnabita e dedicou-se ao trabalho de reunificação, costumava referir-se ao antigo refrão a Nossa Senhora repetido pelos Papas: “Tu sola in universo mundo cunctas haereses intermisti.” (Vós sozinhos no mundo inteiro esmagaram todas as heresias.) Para o Padre Schuvaloff não havia dúvidas de que a reunificação resultaria da intercessão da Mãe de Deus. “Sim, eles retornarão. Não foi em vão que eles preservaram entre os tesouros de sua fé os cultos a Maria; não é em vão que eles a envocam, que eles acreditam na Imaculada Conceição, talvez sem percebê-lo e sem sua alegre (formal) comemoração.” (Veja sua autobiografia, “Minha Conversão e Minha Vocação”). A profundidade da piedade russa em relação a Virgem Santíssima pode ser vista nos escritos do padre russo ortodoxo, João de Kronstadt, que tinha a reputação de santo e o qual “Minha Vida em Cristo” é tido como um clássico espiritual russo. Entre as várias belíssimas orações à Mãe de Deus, podem ser encontradas as seguintes, plenas da antiga Fé, piedade e devoção Católicas:

“Ó Senhor! Não me priveis dos bens celestes, pois Vós sois o Senhor e podeis fazê-lo se assim o desejar; Ó Senhor, salve-me de tormentos eternos, pois Vós sois o Senhor e podeis também facilmente fazê-lo, se assim o desejar; Ó Senhor, se eu houver pecado em pensamento, em palavras ou atos, perdoai-me, vendo a enfermidade de minha alma. Portanto, Senhor, Vós podeis fazer todas as coisas por mim, arrependido e implorando vossas bençãos.

E vós, Rainha de todos os anjos e homens, toda-misericordiosa e toda-piedosa, como o terrível Soberano, dispensadora e chama de todos os poderes resistentes, que podes tão facilmente destruir, com a velocidade da luz, todas as manobras ardilosas do espírito do mal, – salvai-nos de todo pecado e fortalecei-nos através de vosso poder e virtude; faça-nos conformados em vosso Filho e nosso Senhor, e também a vós, Virgem Santíssima, Mãe de nosso Senhor, pois trazemos o nome de Cristo, vosso Filho, como Seus membros.

Salvai-nos, pois, Ó Puríssima, Misericordiosíssima, Sapientíssima e Auxiliadora! Vós sois a Mãe de nosso Salvador, que é chamado Jesus, o Salvador. Para nós, viajantes nesta vida, é natural cair, pois somos cobertos de carne, e suas muitas paixões; somos envolvidos pelos espíritos malignos sub-celestes, tentando-nos ao pecado, e vivemos num mundo adúltero e pecador, tentando-nos ao pecado; no entanto vós estais acima de todo pecado, vós sois o mais brilhante sol, vós sois a Puríssima, Misercidordiosíssima, e rápida a nos socorrer, se clamamos por vossa ajuda; é natural a vós levantar-nos, nós que continuamente caímos, a interceder por nós, a guardar-nos como coisa tua, nós que somos subjugados às calúnias dos espíritos do mal, e a nos direcionar no caminho que nos leva à salvação.” (pags 426-427 de edição de 1984 impressa pelo Monastério da Santísima Trindade, Jordanville, N.Y.)

Ortodoxa Russa, a Maior

Entre todas as igrejas Greco-Eslavas autocéfalas nacionais, infelizmente separadas das Vistas de Pedro, é o patriarcado Ortodoxo Russo a maior e mais proeminente, constituída talvez de 50 milhões de almas, tendo sobrevivido 70 anos de perseguição selvagem  pelos comunistas, os “inimigos de Deus” (como Pio XII os chamou). É de se considerar que haja clero russo e leigo que sejam simpáticos à idéia de reunificação com a Igreja Católica. Alguns deles seguiram o rastro do grande filósofo russo Vladimir Soloviev (morto em 1900), que defendeu a doutrina Católica do Papado em seu notável livro “Rússia e a Igreja Universal” (publicada na França para evitar a censura czarista), o qual influenciou vários intelectuais. Indiferente aos oponentes fanáticos à reunificação com Roma, que ainda existem em todas as igrejas ortodoxas nacionais, e, as implacáveis perseguições e matírios, tanto de Católicos como de Ortodoxos, que deram suas vidas por Cristo em todos os países sob as Cortinas de Ferro, resultaram numa  maior conciência do pecado de suas divisões e num desejo de uma união visível entre aqueles que honram a Mãe de Deus também como a “Mãe da Unidade”. 

Nossa Senhora de Fátima Prometeu a Conversão da Rússia

É histórica e teológicamente significativo que a Mãe de Deus tenha aparecido a três pequenas crianças em Fátima no ano de 1917 (mesmo antes da tomada Bolchevita/Comunista) e prometido a “conversão da Rússia”,  a Rússia que iria:

“espalhar seus erros pelo mundo, causando guerras e perseguições na Igreja. Os bons serão martirizados, O Santo Padre sofrerá muito, muitas nações serão aniquiladas. No final, meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrará a Rússia a mim, e ela será convertida, e um período de paz será concedido ao mundo.”

Muitos daqueles que trabalharam para a união da Igreja depois da profecia de 1917 de Nossa Senhora de que “a Rússia será convertida”, a têm comprendido não só como o fim da viciosa e atéia regra comunista na Rússia, o coração do Império Soviético, mas o consumação das esperanças e sonhos por uma Rússia Católica. Em 1856, o aristocrata convertido Sergievitch Gagarin, que se tornou Jesuiita, publicou um livro, “Irá a Rússia tornar-se Católica?”,  o qual levantou um interesse na reunificação das igrejas. Apesar de um número considerável de conversões de proeminentes indivíduos e intelectuais russos ao Catolicismo, é uma reunificação corporativa que os Papas sempre buscaram com o Oriente. E é uma unificação corporativa entre todas as igrejas, sob seus patriarcas e bispos, que o Concílio Vaticano II certamente desejou promover (Vide o documento Lumen Gentium, Decreto sobre Ecumenismo, e o Decreto sobre Igrejas Orientais Católicas).

Talvez um Concílio Reunificador

Por serem as decisões eclesiásticas importantes consideradas como trabalho de Concílio e Sínodos, no contexto de noção de Conciliaridade, (ou Colegiabilidade) muito respeitada aos olhos Orientais, não seria de surpreender se uma grande reunião de Concílio (tal como o Concílio de Florença em 1439,  que teve apenas um êxito parcial) pudesse acontecer como o clímax dos árduos esforços ecumênicos empreendidos pelos Pontífices Romanos em nosso século. O Concílio Ecumênico de Florença, que durante um período breve viu a queda das barreiras doutrinais entre Ocidente e Oriente, teve participação do famoso Isidoro, Metropolita de Kiev, que permaneceu fiel em defesa do Concílio e unidade com Roma até sua morte em 1463.  Seria mesmo impossível que um novo Concílio de União acontecesse no começo do Terceiro Milênio, em que a grande Igreja Ortodoxa russa e o Patriarca de Constantinopla tomassem as rédeas na intenção de descartar as antigas discórdias, discussões, hostilidades culturais, e equívocos doutrinais, os quais estimularam um Cisma durante séculos? Não iria esta nova “Primavera do Cristianismo,” tão avidamente desejada pelo Sucessor de Pedro, encontrar uma espantosa realização na reintegração conciliar de um bloco importante de igrejas Ortodoxas Orientais em unidade com a Igreja Católica e, assim, ver a realização de uma Rússia Católica?  Muitos daqueles que vêem somente as falhas nas tentativas passadas de União (Lyons 1274, Florença 1439, Brest-Litovsk 1596) tal eventualidade pareceria, aos padrões humanos, uma impossibilidade absoluta. Mas então, também era contrário a toda lógica humana que a Cortina de Ferro caísse dramaticamente em 1989, seguida pela desintegração da União Soviética, e assim, libertando a Igreja russa de 70 anos de opressão comunista e mais séculos de isolamento da influência Católica e contato direto com o “olhar de Pedro”.

Uma Rússia Católica? Deixe-nos lembrar que a Rússia (por tanto tempo afligida pelo Comunismo ateu) foi especificamente consagrada ao Imaculado Coração de Maria por Pios XII, Paulo VI, e pelo Papa João Paulo II, que promoveu um ato colegial de consagração com o Pontificado Romano, unido com o colégio de Bispos na Basílica de São Pedro em Roma, no dia 24 de março de 1984, e isto apenas alguns anos antes da dissolução da União Soviética. Foi relatado ainda que alguns bispos Ortodoxos Orientais participaram daquela consagração!  Na sua oração, mais ainda, o Papa assinalou que “o poder desta consagração… supera cada mal que o espírito de escuridão é capaz de levantar…? Tais palavras bem podem indicar que o mal de um Cisma de séculos, que feriu o Corpo de Cristo neste mundo, finalmente será superado, e que as orações de tantos confessores e mártires através dos séculos pela a Unidade, finalmente serão respondidas. No século 8, o pre-cismático Patriarca Católico Greco-Bizantino de Constantinopla, São Germano, denominou a Sagrada Virgem  “a que uni os separados.” Em 1917,  a Mãe de Deus,  sob o título de “Nossa Senhora de Fátima”, olhou com afeto e ternura o amado povo russo, tão dedicado à sua profecia, a “conversão da Rússia” e talvez o fim do mais trágico Cisma na história de cristianismo.

Seu chamado em Fátima a todo o fiel era apressar a realização dessa profecia por seus atos de oração, penitência e reparação.

Possa o Coração Imaculado de Maria ocasionar nossa própria conversão a fim de que nós possamos ajudá-la, com o próprias orações, para uma nova “Primavera de Cristianismo” no Terceiro Milênio. Possa Nosso Senhor apressar o triunfo do Coração Imaculado de Maria!

Tradução de Carla Fabiana Mont’Alvão de Freitas

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