Jesus, o Filho do Homem

Sempre que eu lia os Evangelhos eu ficava meio confuso sobre o que Jesus queria dizer quando entitulava-se “Filho do Homem”.

Eu pensava: “Será que Ele está referindo-se à Sua natureza humana?” e confesso que por muito tempo eu não estava bem certo sobre o que “Fiho do Homem” signficava. Ao que parece esta confusão ainda permeia a cabeça de muita gente, seja gente estudiosa ou não.

Por exemplo, Karen Armstong, ex-freira, em seu best-seller “A history of God” (“Uma história de Deus”), afirma que o termo “Fiho do Homem” servia para “enfatizar a fraqueza e a mortalidade da condição humana”, assim Jesus sabia que “era um ser humano frágil que um dia haveria de sofrer e morrer”.(1)

O Dr. Willian Lane Craig, considerado um dos maiores teólogos de nosso tempo, não concorda com Karen. Ele afirma que “É muito comum a idéia de a expressão ‘Filho do Homem’ ser usada em referência à humanidade de Jesus, assim como a expressão contrária, Fiho de Deus, remeter à sua divindade. Acontece que a realidade é o oposto. O Filho do Homem era uma figura divina do livro de Daniel, no Antigo Testamento, que surgia no final do mundo para julgar a humanidade e reinar para todo o sempre. Portanto, autodenominar-se Filho do Homem seria, na verdade, reivindicar para si a divindade.” (2)

Pois bem, em quem você aposta? Em Karen ou no Dr. Craig?

Dr. Craig em sua afirmação refere-se à Daniel 7,13-14 onde lemos:

Em minha visão à noite, vi alguém semelhante a um filho de homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi condizido à sua presença. Ele recebeu autoridade, glória e o reino: todos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído.”

Aqui o Profeta Daniel refere-se a alguém que possui atributos divinos, pois usa as expressões “vindo com as nuvens dos céus”, “homens de todas as línguas o adoraram”, “Seu domínio é um domínio eterno que não acabará”, ora, somente Deus pode vir com as nuvens dos céus, somente Deus pode ser adorado e somente Deus que é eterno pode ter um domínio sem fim. Embora a visão do Santo Profeta refira-se à Deus, ele utiliza a expressão “semelhante a um filho de homem” para dizer que esse Deus apareceu “semelhante como um homem normal”. O que nos parece que a expressão “filho de homem” utilizada era mesmo usada para fazer referência à natureza humana.

No Antigo Testamento “filho do homem” foi usada como sinônimo de “homem”. Isaías 51:12 diz: “Eu, eu sou aquele que vos consola; quem, pois, és tu, para que temas o homem, que é mortal, ou o filho do homem, que não passa de erva?” (cf. Jó 16:21; 25:6; 35:8; Salmos 8:4; 80:17; 144:3; Isaías 56:2; Ezequiel (2:1,3,6 ; Daniel 8:17).

Os Santos Padres utilizavam a expressão “Filho do Homem” muitas vezes referindo-se à humanidade do Senhor. Por exemplo:

  • “um só… e o mesmo é… verdadeiramente Filho de Deus e verdadeiramente Filho do Homem” (Concílio Ecumênico da Calcedônia, séc V).
  • “A descida do Criador para as criaturas é, de fato, uma elevação destas para o Criador… Ele se fez filho do homem para que nós pudéssemos ser filhos de Deus… Por isso, ó cristão, reconhece a tua dignidade!” (Papa, São Leão Magno (440-461), Homilia sobre o Natal).

No texto em aramaico São Mateus utiliza a palavra bar nasha que significa “ser humano”, “homem”. Em hebraico “Filho do Homem” é bar’enascham que possui o mesmo signficado.

Com todos estes exemplos, parece-me que a senhora Karen Armstrong equivoca-se, já que nem no Antigo Testamento e nem no testemunho dos Santos Padres, a expressão “Filho do Homem” refere-se à “fraqueza e a mortalidade da condição humana”, mas tão somente à natureza humana, embora esta seja frágil e sujeita à morte. Mas o ponto é: Jesus ao entitular-se “Filho do Homem” estava referindo-se à Sua natureza humana ou divina?

Em Daniel 7,13-14 “Filho do Homem” não é uma expressão que representa uma figura divina, mas sim uma expressão que apresenta a natureza humana de uma pessoa divina. Se a expressão “filho do homem” que vemos no Profeta Daniel fosse realmente conhecida como uma pessoa divina no tempo de Cristo (como sugere o Dr. Craig), os Fariseus se escadalizariam quando Jesus assim se chamava, como aconteceu tantas outras vezes quando Cristo explicitamente dizia que era Deus, no entanto não era isso que acontecia. (cf. Mt 9,6; 11,19; 12,8; 12,40;).

A Igreja Católica concorda que em Daniel 7,13-14 encontramos uma referência do Santo Profeta a Cristo:

“O sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino do Messias, realização da visão do profeta Daniel no tocante ao Filho do Homem: ‘A Ele foram outorgados o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será destruído’ (Dn 7,14). A partir desse momento, os apóstolos se tomaram as testemunhas do ‘Reino que não terá fim'”. (Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 664).

Em todo este contexto apresentado ao prezado leitor, não há dúvida que na expressão “Filho do Homem” há uma referência à natureza humana, mas será que Jesus empregava-a somente referir-Se à Sua natureza humana. Este pensamento embora compartilhado pela a grande maioria dos estudiosos, não me parece correta. Ora, que Jesus possuia natureza humana, isso era mais que óbvio e até aqueles que não criam Nele concordariam com isto, assim não seria preciso que o Senhor fizesse referência a algo que era mais que evidente.

É muito importante que o leitor note que a expessão usada pelo Senhor sempre era com as iniciais maiúsculas. Ele usava “Filho do Homem” e não simplesmente “filho do homem” como vemos no Antigo Testamento. Jesus ao usar esta expressão com letra maiúscula estava fazendo referência a alguem específico, como se dissesse “Aquele que é filho do homem”, ou ainda “Aquele que é como um ser humano”. Mas quem é esse “Aquele” a quem Jesus estava fazendo esta referência? Este é aquele de quem fala o Profeta Daniel em 7,13-14, que é homem e Deus ao mesmo tempo.

Por tanto, Jesus ao entitular-se “Filho do Homem” estava de maneira pedagógica conduzindo seus discípulos a entenderem quem Ele realmente era: Homem e Deus.

(1) Karen Armstrong, A history of God, New York, Ballantine/Epiphany, p.82.

(2) Willian Lane Craig, The son rises: historical evidence for the resurrection of Jesus, Chicago, Moody Press, 1981, p.140.

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