Conversando com amigos evangélicos sobre o Pecado

Dando prosseguimento à série de diálogos entre amigos sobre temas de Apologética, compartilho hoje uma conversa fictícia sobre o pecado e sua distinção em pecado venial e pecado mortal, cuja noção é geralmente desconhecida no Protestantismo. Como de costume, me baseio em algumas conversas que tive com alguns amigos evangélicos; os nomes dos participantes, obviamente, não são os verdadeiros.

MIGUEL – Ok, José: estou intrigado pelo fato de vocês, católicos, não crerem que todos os pecados são iguais. Você poderia me explicar?

MARLENE – Sim, isso também me interessa, pois se existe algo que a Bíblia deixa claro é que “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6,23) e não faz distinção entre os tipos de pecado, como se um fosse mais grave que outro. Sempre entendi que pecado é pecado: simples assim.

JOSÉ – Ok, mas para que vocês possam entender isto, terei que explicar primeiro alguns conceitos teológicos católicos.

MARLENE – Desde que estejam fundamentados na Bíblia, sem problemas…

JOSÉ – Claro, ainda que não estejam de maneira explícita, ao menos implicitamente estão.

MARLENE – Tudo bem.

JOSÉ – Primeiramente, vocês devem saber que cada ato realizado livremente por uma pessoa pode ser bom ou mau; a isto, chamamos “ato moral”. Pois bem: com base em quais fatores podemos determinar se um ato é bom ou mau, isto já é um outro assunto…

MARLENE – Eu vejo as coisas de uma maneira mais simples: se você realiza uma obra aprovada pela Bíblia, então é um ato bom; caso contrário, não o é.

JOSÉ – As coisas não são tão simples assim, porque você pode estar realizando uma obra que, segundo as Escrituras, é boa – como dar esmola a um necessitado – e fazê-la por razões equivocadas – por exemplo, para chamar a atenção dos outros, para que estes te considerem uma boa pessoa. Era isso o que os fariseus faziam e, assim, uma obra cujo objeto era bom, era tida por má por sua intenção viciada (Mateus 6,2). O mesmo se aplica inclusive para a oração, pois os fariseus que ficavam orando nas ruas para serem louvados como “justos” eram tidos por Jesus como hipócritas (Mateus 6,5).

MIGUEL – É verdade.

JOSÉ – É por isso que dizemos que a moralidade de um ato humano deve ser julgado por 3 elementos: [1º] O objeto, que é a ação em si mesma, como roubar, mentir, dar esmola, orar etc.; [2º] a intenção, que é a motivação que leva alguém a realizá-la; e [3º] as circunstâncias, que são o contexto onde o ato se desenvolve. Em razão disso, um ato cujo objeto seja o mesmo (p.ex.: orar), dependendo da intenção com que é feito (p.ex.: adorar a Deus OU receber elogios dos homens) pode terminar sendo “bom” ou “mau”. Inclusive, dependendo das circunstâncias, um mesmo ato pode ser mais grave que outro.

MIGUEL – Mas isso não explica o porquê de vocês, católicos, enxergarem uma diferença entre os pecados.

JOSÉ – Ok, Miguel, mas permita-me explicar isso através de um exemplo prático. Imagine que logo depois de dar à luz a um filho seu, a sua esposa engorde bastante. Vendo-se assim, ela, preocupada, pergunta a você: “Amor, estou muito gorda?”; e você responde: “Não, minha vida! Claro que não!” Essa resposta é ou não é pecado?

MARLENE – Bom… Se ela realmente estava gorda, essa resposta é pecado porque a Bíblia ensina que mentir é pecado.

JOSÉ – Sim, e nós cremos que a mentira é um dos atos que são intrinsecamente desordenados, isto é, não importa a intenção ou as circunstâncias envolvidas: o ato moral será sempre pecado. Não apenas a mentira é intrinsecamente desordenada, como também, por exemplo, o aborto direto, a blasfêmia etc.

MARLENE – Então você reconhece que foi pecado?

JOSÉ – Efetivamente! Porém, o que pode ser mais grave? Esta mentira ou uma outra, onde eu calunio e difamo alguém publicamente, acusando-o de ser ladrão, assassino, safado etc., sem que isto seja verdade?

MARLENE – Ambas as mentiras são pecado!

JOSÉ – Sim, mas ambos os pecados não são de igual gravidade diante de Deus: ou daria no mesmo matar uma criança e realizar um genocídio?

Lembrem-se que a própria Biblia nos faz saber que nem todos os pecados possuem a mesma gravidade e nem o mesmo castigo. No Evangelho de Mateus, por exemplo, Jesus diz: “Todo aquele que se encolarizar contra o seu irmão será réu diante do Tribunal; porém, aquele que chamar seu irmão de ‘imbecil’ será réu diante do Sinédrio; e aquele que o chamar de ‘renegado’ será réu da Geena de fogo” (Mateus 5,22). Observem como Jesus, nesta passagem, fala de três tipos de ofensas, uma mais grave que a outra; e como comportam diferentes sanções. Se todos os pecados fossem de igual gravidade, não teria sentido fazer essa distinção: todos seriam réus do Inferno.

No Evangelho de João, vemos como Jesus diz a Pilatos: “Não terias nenhum poder contra Mim se não tivesse sido dado a ti a partir do Alto; por isso, aquele que me entregou a ti possui pecado maior”. Vocês têm aí o próprio Jesus dizendo que um pecado é maior que outro.

Há, todavia, muitos outros, por exemplo: escandalizar e fazer perder uma criança é algo tão grave, que Jesus diz: “Porém, aquele que escandalizar um destes pequeninos que creem em Mim, mais lhe valeria que lhe fosse preso no pescoço uma dessas pedras de moinho movimentada pelos asnos, e fosse depois lançado ao fundo o mar” (Mateus 18,6). O pecado de Judas foi tão grave que, segundo o próprio Jesus, “mais lhe valeria não ter nascido” (Mateus 26,24; Marcos 14,21).

MIGUEL – Mas então como devemos entender o texto que apontamos anteriormente, que diz que “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6,23)? Não se vê nele qualquer distinção quanto a sanção do pecado conforme seja este mais ou menos grave…

JOSÉ – O que o Apóstolo estava querendo dizer ali é que todos nós fomos afetados pelo pecado original; e isto lhe permite explicar, logo a seguir, que sem a graça de Deus não poderíamos alcançar a salvação. Não quer dizer, porém, que o crente, depois de ter sido justificado pela fé, estará [sempre] na graça de Deus, pois qualquer pecado o fará decair do estado de graça, em cujo caso não terá como se salvar.

MIGUEL – Por que não?

JOSÉ – Porque dificilmente a morte surpreenderá você sem que tenha cometido alguma falta, ainda que esta seja bem pequena, e da qual você tenha realmente se arrependido. Lembra da nossa conversa anterior, de que “o justo peca sete vezes ao dia” (Provérbios 24,16)? O Apóstolo João reconhece como fato que os justos continuam pecando: “Se dissermos que não temos pecado, nos tornamos mentirosos e a Sua Palavra não estará em nós” (1João 1,10).

MARLENE – Mas para isso vale a justiça de Cristo, que morreu por nós e nos concederá a perdão dos pecados.

JOSÉ – Espere um momento! Lembra da nossa conversa anterior? Concordamos que ninguém garante a própria salvação pelo simples fato de ter crido. Se depois de crer, alguém cair novamente em uma vida de corrupção e pecado, e morrer sem se arrepender, como irá se salvar?

MIGUEL – Não, não… Realmente nós concordamos que essa pessoa será condenada.

JOSÉ – Então! Raciocinando como você, o mesmo se aplicaria para aquela pessoa que vive uma vida reta, mas que cometeu pequenas faltas… Está vendo a diferença?

MARLENE – Mas se formos pensar assim, por que deveríamos evitar o pecado? Ora, se alguns pecados são menos graves, cometamos então os menos graves e, assim, não haverá problema!

JOSÉ – Eu não disse que os pecados veniais (e com isto quero me referir aos pecados que “não são mortais”) não trazem consequências. Em um outro dia, poderemos até tratar de um tema bastante relacionado a este. O que eu disse é que nem todo pecado é de morte; o mesmo Apóstolo São João disse isso na Bíblia: “Toda iniquidade é pecado, porém HÁ PECADO QUE NÃO É DE MORTE” (1João 5,17).

Como podem se recordar, eu dizia que a moralidade dos atos humanos são determinados por 3 fatores: o objeto, a intenção e as circunstâncias. Vimos como a intenção pode influenciar na moralidade de um ato. Agora quero propor um exemplo onde as circunstâncias podem também influir, quer para atenuar, quer para agravar a culpa ou a responsabilidade moral do sujeito que o comete.

Jesus diz no Evangelho: “Aquele servo que, sabendo a vontade do seu senhor, não preparou nada, nem agiu conforme a sua vontade, receberá muitos açoites; aquele que não a conhece e faz coisas dignas de açoites, receberá poucos. A quem muito foi dado, muito lhe será pedido; e a quem foi confiado muito, mais ainda lhe será pedido” (Lucas 12,47-48). Observem como a circunstância (o conhecimento de uns em relação ao de outros) agrava a responsabilidade de cada um e os tornam mais ou menos culpáveis. A desobediência de uns, neste caso, será julgada como mais grave que a de outros, coisa que não faria sentido se todos os pecados tivessem a mesma gravidade.

É precisamente por isto que São Paulo se dá ao trabalho de identificar alguns pecados que são tão graves que cortam a relação com Deus, de modo que se morrer sem um verdadeiro arrependimento e sem ter obtido o perdão, lhe acarretará a condenação: “Não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos enganeis! Nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os gananciosos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os ladrões herdarão o Reino de Deus” (1Coríntios 6,9).

Espero que com esta explicação vocês entendam o porquê de a Igreja Católica distinguir entre pecados mortais e veniais. Por todos eles, damos graças a Deus, já que Ele nos deu o Sacramento da Penitência.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.