Legado de Joseph Raztinger – Papa Bento XVI

Como é sabido, o melhor medidor de uma biografia é a história. O tempo, disse Hans-Georg Gadamer, é o melhor juiz dos eventos (Wirkungsgeschichte). Nem tanto das ideias, diríamos. Decerto, a história ainda registrará a grandeza das reflexões, dos atos, das mudanças realizadas por Bento XVI. Este brevíssimo pontificado, muito ao contrário do que afirmou o pensador Luiz Pondé, realizou ações inauditas e Bento XVI, ainda em vida, se eleva como Papa dos mais importantes do nosso século. Seu legado teológico é riquíssimo, sua ação em defesa da fé é eminente, e até burocraticamente fez coisas grandes. Lembremos de alguns de seus feitos mais importantes:

1. Ainda enquanto teólogo e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, impôs silêncio ao ex-frade menor Genézio Boff. O Papa Bento XVI, na época (1985) ainda Cardeal Ratzinger, merece ser lembrado só por essa ação corajosa, enfrentando o establishment teológico mundial, rompendo o silêncio imposto aos católicos comuns pelo controle midiático da religião.

2. Fundou a Revista Communio, expoente do grupo de teologia preocupado com o retorno às fontes teológicas (Ressourcement). Teoricamente, a revista representou mais uma trincheira na resistência às teorias teológicas submetidas às leituras socialescas da teologia. A revista está ativa até hoje.

3. O uso de paramentos antigos, realizado por Bento XVI, quer ser um sinal externo da preponderância da oração. Reclamam que o Papa Bento retomou práticas antigas, com rigores rubricistas. Por exemplo, reclamam da tiara que recebeu de leigos búlgaros; ou do retorno de múleos, ou do camauro, objetos antigos utilizados tanto nas celebrações litúrgicas como no cotidiano do Pontífice. Mas o que causou espanto a alguns foi a lembrança expressa de Bento XVI de que a Missa Antiga, a Missa Tridentina, não foi abolida.

4. Se a uns escandalizou a volta de temas antigos, a outros escandalizou o uso de tecnologias. Bento XVI foi o primeiro Papa a utilizar um iPod e a ter uma conta própria no twitter. Um Papa que é de todos não pode furtar-se do dever de comunicar-se com todos, inclusive por meio de tecnologias recentes: esse também é um legado de Bento XVI.

5. Enfrentou com coragem a questão homossexual na Igreja. É emocionante ler a entrevista que o Papa Bento deu a Peter Seewald, quando trata dos abusos sexuais perpetrados por sacerdotes católicos. O Papa lamenta os sonhos e vidas machucados. E não baixa a guarda: exige que não se aceitem homossexuais ou pessoas com tendências homossexuais no seminário, já que se comprovou – no caso americano – que a maioria dos abusadores de crianças era homossexual ou apresentava tendência homossexual.

6. No campo eclesial, o pontificado de Bento XVI reuniu o maior número de ex-anglicanos, desde o cisma de Canterbury. O Ordinariato Nossa Senhora de Walsingham abriga as centenas de fiéis que abandonaram a Igreja Anglicana mais próxima de Canterbury, por causa dos abusos eclesiais impetrados por sua organização, como a ordenação de mulheres e – mais recentemente – até de transexuais para seus servições litúrgicos. Com a Anglicanorum Coetibus Bento XVI abriu a porta para fiéis e clero retornarem à Igreja Católica.

7. O Papa Bento XVI iniciou um caminho de diálogo com os seguidores de Lefebvre. É verdade que o resultado não foi o esperado: o retorno dos que abandonaram a Barca de Pedro para seguirem mar a dentro confiando em suas próprias forças. Mas, sem dúvida, essa iniciativa iniciou um novo modo de ver os tradicionalistas e também deles verem os que permanecemos unidos ao Doce Cristo na Terra.

8. Parece que o Papa Bento XVI também estancou o vazamento de informações no Vaticano. O caso – apelidado de Vatileaks – acabou revelando que a Cúria Romana é igual a todas as diretorias do mundo. Mas o episódio da renúncia do Papa Bento XVI, que imprimiu e leu uma carta avisando de sua renúncia, e só foi percebida por uma repórter italiana da ANSA, é prova de que há já algum cuidado com documentos oficiais da Igreja. Diz-se de brincadeira que “Segrego Pontifício” é aquele que só o Papa não sabe. Contudo, a renúncia do Papa mostra que quando se quer, e quando se tem ajuda, até os segredos mais graves são guardados.

Esses são alguns dos bons presentes, a boa herança, que Bento XVI deixa ao próximo Papa. Claro, há outros, que o tempo fará o favor de pôr diante dos olhos de todos.

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