Mortificação

“Se unirmos as nossas ninharias – as insignificantes e as grandes contrariedades – aos grandes sofrimentos do Senhor-Vítima – a única Vítima é Ele! -, aumentará o seu valor, tornar-se-ão um tesouro e, então, tomaremos com gosto, com garbo, a Cruz de Cristo. – E não haverá assim pena alguma que não se vença com rapidez; e não haverá nada nem ninguém que nos tire a paz e a alegria.”(São Josemaria Escrivá – Forja – ponto 785)

Após a queda de Adão, todos os homens nasceram no pecado e ficaram, todos, desprovidos da glória de Deus. Isto consiste em dizer que todos estavam literalmente condenados a viver eternamente longe D’Ele. Não por vontade divina, mas por vontade do homem que decidiu desobedecer, tendo como consequência, a perda de todos os dons que o capacitava a ver e viver em Deus e com Deus. Mas o Senhor que é amor, o chamou novamente à vida, juntamente com Cristo, quando O enviou para que os remissem e remidos, pudessem ter de novo a graça perdida, sem a qual jamais tornariam a ve-LO.

Aquele que ouve Seu chamado e aceita Seu convite, recebe, pelo Batismo, a filiação divina. Este começa então o “seu exodo”, que consiste em sair do pecado, lutar contra ele, para viver em união com Deus, participando da Cruz do Senhor. Temos que sair desta terra para entrar no céu, portanto, temos que morrer, já que a morte, além de ser a consequência do pecado, é a condição necessária para nossa definitiva identificação com Cristo. ”Pois quem quiser ganhar a sua vida perde-la-á, o que, pelo contrário, perca sua vida por Mim, esse salva-la-a” (Lc 9,24) e segundo São Paulo, não somos já devedores da carne, para vivermos segundo a carne, mas somos obrigados a viver segundo o espírito; e, se vivemos pelo espírito, andemos segundo o espírito, que nos imprime no coração a inclinação para a cruz e a força de a levar.

Para ser completa a vitória, não basta renunciar aos prazeres maus (o que é de preceito); é preciso ainda sacrificar os prazeres perigosos que conduzem quase infalivelmente ao pecado, em virtude do princípio: “quem ama o perigo, nele perecerá”; mais ainda, é necessário privar-se de alguns dos prazeres lícitos, a fim de robustecer assim a vontade contra a sedução do prazer perigoso: é que, efetivamente, quem quer que saboreia sem restrição todos os deleites permitidos, está bem perto de resvalar aos que o não são.

Para tanto, temos que nos desprender das coisas da terra e buscar as do céu, onde nossa vida está escondida com Cristo em Deus. A carta aos Hebreus XIII,14 nos diz que o Senhor não nos criou para construirmos aqui uma cidade definitiva, porque este mundo de provas é caminho para aquele mais excelente, que é morada de Deus, onde somos convidados a viver sem choro, sem dor, mas somente em eterno louvor, na posse do amado, por qual suspiramos enquanto padecemos. Imitar e seguir a Cristo,  deve ser nosso objetivo, para vivermos na esperança enquanto lutamos, nos despojando do velho homem, e nos revestindo do novo, que vai se forjando à imagem de Cristo.

“O Filho Unigenito do Eterno Pai quis fazer-se homem, para que nós fossemos conformes a imagem do Filho de Deus e nos renovássemos segundo a imagem dAquele que nos criou. Pelo que, todos se gloriam de ter o nome de cristãos, não só hão de contemplar o nosso Divino salvador como um excelso e perfeitíssimo modelo de todas as virtudes, mas alem, disso, pelo solicito cuidado de evitar os pecados e pelos mais esmerado empenho em exercitar a virtude, hão de produzir de tal maneira nos seus costumes a doutrina e a vida de Jesus Cristo, que quando aparecer o Senhor serão feitos semelhantes a Ele na glória, vendo-O tal como é.“ (Mystici Corporis n. 21)

Morrer para o pecado e renascer para uma vida nova  – “Pelo Batismo os homens são efetivamente enxertados no misterio pascal de Cristo: morrem com Ele, são sepultados com Ele e ressuscitados com Ele” (Sacrasantum Concílo n.5)  -, eis nosso itinerário neste mundo, e para chegarmos a termo, haveremos de entrar numa luta de morte entre o homem velho com suas concuspicências e o novo, revestido de Cristo. Este haverá de lutar e vencer, para merecer a coroa de Glória que está destinada aos vencedores.. A vida eterna – a posse de Deus.

É bom saber que o homem regenerado, espiritual, cheio da graça, doada pelo divino Espírito que o enche, –  graças aos méritos de Cristo -, tem tendências sobrenaturais e divinas, age com a ajuda das graças atuais em atos de santidade e justiça diante de Deus. Já o homem velho, natural, carnal, permanece, – apesar de toda graça presente, –  com suas concuspicências, que são a todo momento intensificadas pelo demônio e o mundo, que o levam ao amor desordenado, na busca de prazeres ilícitos e que o afastam de Deus.

A luta se encontra exatamente entre eles, o velho resistindo para não morrer e o novo querendo crescer para a eternindade, e quanto nos custa esta luta sem fim! O cristão há de entender que é uma luta dígna e extremamente necessária, que nos fará caminhar na alegria esperançosa de uma linda recompensa – sim, porque o Senhor recompensa aqueles que O amam. São Paulo nos exorta: ”Se viverdes segundo a carne, morrereis, se porém, com o espírito mortificardes as obras da carne, vivereis” (Rm 8, 13)

Quem então nos ajuda a mortificarmos as obras da carne, tão nocicas e  que são empecilhos à santidade? O próprio Espírito Santo, que sempre nos recorda que há prazeres que levam a morte, mostrando-nos que exatamente estes devem-se a todo custo sacrificar, para que se faça a santa vontade de Deus, que não é outra se não nos levar a viver em comunhão com Ele. É Ele que nos leva a buscar as coisas do alto, a desapegarmos dos bens, das paixões, dos prazeres ilícitos.

Aqui entra definitivamente a vontade, ela deve ser submetida à graça que O Senhor envia, mostrando o caminho reto, que é estreito, sabemos disso, mas certo. Por isso a necessidade de mortificar a vontade e até mesmo crucifica-la, para ganhar esta batalha dificílima, mas totalmente possível, já que o Senhor colabora com aquele que quer de fato busca-Lo no meio de toda dificuldade.

Esta luta não termina enquanto estivermos neste mundo e para nossa tristeza, nunca “mataremos” este velho homem, mas podemos subjulga-lo, mortifica-lo, enfraquece-lo, ao mesmo tempo que usando da mortificação dos sentidos internos e externos, vamos fortalecendo o novo homem até que ele chegue a estatura de Cristo, nosso modelo e nossa meta.

Ninguém vive para Cristo, sem se reformar a si mesmo e só se  reforma e se governa, com o combate das más tendências. Haveremos que desapegar de nossos erros, de nossos vícios, das criaturas, para nos orientarmos para Deus. Então saibam, que esta luta é extremamente necessária, mas chegará um momento em que aprenderemos a usar bem as armas que o Senhor nos dá, o inimigo tente a ver a força que temos e tende a enfraquecer os ataques. Humilhamos o inimigo pela nossa docilidade e disposição no combate e depois disso, ainda temos que vigiar e rezar, muito, pois ele não descansa na luta contra nós.

É certo também, que no  momento em que nos decidimos a nos mortificar, é coisa ardua, mas depois vamos ganhando batalhas até chegar o dia da vitória final em Cristo Jesus, nosso Senhor.. Bendita seja a santíssima graça de Deus, sem ela não somos nada, mas com ela podemos destruir muralhas e os inimigos mortais de nossa alma. As armas que usamos são armas capazes de arrasar fortificações, já nos disse São Paulo, ele que nos ensinou que estas armas são para o combate e não para o descanso quando nos disse: ”Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé, não me resta mais que receber a coroa de justiça que me dará o Senhor.” (Ef 6,10)

A mortificação é um dos meios que devemos usar, além da penitência, para purificar nossas faltas passadas e nos preservar das presentes e das futuras, para nossa total santificação, sem o qual ninguém verá o Senhor que é Santíssimo. A mortificação nos ajuda, diminuindo em nós o amor ao prazer, que é a fonte de nossos pecados –  (O prazer não é mau em si; Deus permite-o, ordenando-o a fim superior, o bem honesto; se liga o prazer a certos atos bons, é para facilitar e nos atrair assim ao cumprimento do dever), –  mas ele pode ser muito ruim quando o deixamos dominar  nosso corpo, até chegarmos a nos perder para Deus, quando sucumbimos ao pecado mortal, aí perdemos também nossa alma que é aquela que tende e suspira pelo Deus Vivo.

A Mortificação, portanto, é um meio para viver a vida de filhos de Deus. Deixamos o que não é necessário  – (e discernir isso é uma grande sabedoria – só com a  graça de Deus e ela sempre nos leva a Cristo – o que Ele rejeitou, rejeitemos também, o que Ele amou, amemos também),  – para entrarmos de posse do que realmente tem valor, já que são imperecíveis e eternos, que é a vida do próprio Deus. E como nos ajuda o Senhor nesta vida, para permanecermos fieis ao seu chamado a santidade e perseverança. Unidos aos méritos de Cristo, temos além de suas graças santíssimas, Nossa Senhora, os anjos e os santos que sempre estão a nosso favor.

Existe mortificações que são necessárias para não se perder a salvação, por isso a importância desta prática. Muitos se enveredam em pecados até que um dia, por não vigiarem e se mortificarem, rejeitando o mal, caem em pecado mortal, e como já estão endurecidos e surdos aos chamados de Deus, não se arrependem, podendo, como disse, perder a salvação.

Todas as vezes que se foge das ocasiões de pecado, tem-se a alma fortalecida e ela se compraz em buscar solidamente o que é bom, lícito e santo. A Igreja muito sabiamente nos prescreve algumas obrigações, para nos ajudar em nossas mortificações: Abstinência das sextas feiras, (que muitos pensam terem sido abolidas), o jejum Quaresmal, das Têmporas e Vigílias, e o cristão deve obediência a elas.

Precisamos fazer violência para entrar no Reino de Deus, se mortificar lutando contra as paixões e participando da união com Cristo. Como afirma São Clemente de Alexandria: “O Reino dos Céus não pertence aos que dormem e vivem dando-se todos os gostos, mas aos que lutam contra si mesmos”(Quis dives salvetur, 21).  Santa Tereza que se mortificava muito para fazer a vontade de Deus disse uma vez: “Nosso corpo tem essa manha, quanto mais o satisfazemos, mais necessidades inventa”.

O que temos de aprender é que devemos nos  utilizar das coisas criadas para glorificar a Deus e que elas foram nos dadas para nos servirem para este fim, mas infelizmente muitos tem colocado toda sua confiança e luta na busca destas mesmas coisas, como se elas fossem o fim ultimo de suas vidas. Como se a felicidade dependesse do que se tem e quanto se tem. Se tornam cegos para Deus e chegam a cometter atrocidades para obte-las, tudo isso fruto da  desordem causada pelo pecado. Infelizmente ainda se continua buscando o ter, o prazer, o ser, tal qual nosso primeiro pai Adão, depois da queda.

M. Oliver comparando a condição dos cristãos com Adão inocente diz que há uma grande diferença entre ambos. “Adão buscava a Deus, servia-O, adorava-O nas suas criaturas. Os cristãos, ao contrário, são obrigados a buscar a Deus pela fé, a servi-Lo e a adora-LO retirando de si mesmo, na sua santidade, separado de toda criatura” (Cat. Crietien, I.P.IV) .

Cristo nunca fugiu da dor e da Cruz, muito pelo contrário, Ele veio morrer porque quis e exatamente escolheu a Cruz por ser a morte mais ignominosa que existia, tudo por amor a nós. Sendo rico, se fez pobre,  sendo dono do mundo passou penúrias. Poderia ter palácios, mas quis nascer numa estrebaria, foi humlide e obediente a ponto de deixar-se humilhar por suas criaturas, que Ele mesmo havia criado por amor. Foi escravo, dócil tal uma ovelha e exatamente por isso, Deus O exaltou soberanamente dando-lhe o nome que está acima de todos os  nomes  e diante do qual todo joelho se dobra, inclusive nos infernos, para o tormento do adversário, que quer fazer perder os homens justamente instigando neles, sentimentos e desejos totalmente opostos ao de Cristo.

Os de Cristo levam à vitória, os dele levam à condenação. Portanto, Cristo já nos ensinou que mortificar e morrer para o mundo é condição para se ter a vida. Se queremos segui-Lo cabe a nós carregarmos a nossa cruz e ainda ama-la. E só segue Jesus quem quer ser perfeito, como Ele é perfeito. O fraco logo desiste, porque muitas vezes acha que a força está nele, quando a força vem de Deus. O que Ele quer de nós, primeiramente, é o sim e depois que utilizemos a vontade fortalecida pela graça dele mesmo. A regra básica é esta, tudo que é inimigo de Cristo, é nosso inimigo também, portanto nada de andar de braços dados com o mundo, com o demônio e com nosso Eu vaidoso e endurecido. Rejeita-los, eis a sabedoria.

Interessante que pela cruz, eu e você podemos colaborar também para a salvação do mundo, quando oferecemos nossos sacrifícios e mortificações os unindo aos sofrimentos de Cristo, para obtermos graças para a Igreja. Isto é divino e muito nos estimula a lutar.

Jesus disse que cada dia basta o seu cuidado, isto vale tanto para a confiança em Deus como para nossas práticas de mortificação, porque além de lutar, temos que perseverar até o fim e para isso é urgente  desapegarmos. Queridos, rejeitar o pecado é obrigação, é o meio ordinário para a santificação, já a  mortificação é o que temos que fazer a mais para crescer na perfeição, pois este é o chamado de Deus para nós. Portanto, temos que ficar alertas para os obstáculos que se levantam para que não as cumpramos: o amor ao prazer e o medo da cruz, para não dizer pavor a ela. Não queremos sofrer, não queremos provações, não queremos dor, não queremos desprezo, muito pelo contrário, queremos boa vida, queremos reconhecimento, queremos que todos nos achem bons. Doce ilusão, temos que aprender e desejar sermos nada diante dos homens e do mundo, para sermos tudo para Deus. Não, não é facil, mas é preciso buscar este fim, pois a recompensa é explendidamente maravilhosa, que é a vida eterna no Céu!!

“Há alguns que querem ser humildes, mas sem serem desprezados; querem contentar-se com o que tem mais sem padecer necessidade; ser castos, mas sem mortificar o corpo; ser pacientes, mas sem que ninguém os ultraje. Quando procuram adquirir virtudes, e ao mesmo tempo fogem dos sacrifícios que as virtudes trazem consigo, assemelham-se aos que, fugindo do campo de batalha, quereriam ganhar a guerra vivendo comodamente na cidade” (São Gregório Magno – Moralia,7 ,28,34)

Temos que começar pelo pouco para podermos ser fiéis no muito, tudo por amor a Deus. Nas pequenas contrariedades, nas afrontas, nas injúrias, nas dores, em tudo nos mortificarmos para tornarmos dóceis a Deus. Quando percebermos, estamos já amando a cruz e até a desejando, como fizeram aqueles “loucos” dos santos, que o mundo nunca entendeu, mas que hoje estão diante de Deus na alegria eterna. Se alegravam por saberem que Deus os permitiu sofrer afrontas… isto é coisa de Deus, que o mundo não conhece, mas que nós podemos ansiar e buscar.

Santa Tereza disse que ninguém pode enganar uma alma perfeita, porque ela sabe por experiência o valor das coisas terrenas. – os santos não foram enganados. Dizia ela às suas filhas espirituais: “coisa imperfeita me parece este queixar-mo-nos constantemente de males ligeiros; se podeis sofre-los, não o façais. O mal, quando é grave, queixa-se por si mesmo […]. Fraquesas e males de mulheres, esquecei-vos de os lamentar. Quem não perde o costume de queixar-se e de contar tudo, a não ser a Deus, nunca acabará […] Sabei sofrer um pouco por amor à Deus, sem que todos o saibam […]Não me refiro a males sérios […], mas aos pequenos males que se podem suportar de pé. Lembremo-nos dos nossos Santos Padres passados…Pensais que eram de ferro? Se não nos decidirmos a tragar de uma vez a morte e a falta da saúde, nunca faremos nada” (Santa Tereza Dávila – cit. em J. Urtega, Deus e os filhos, Quadrante, São Paulo, pag.52)

O que devemos mortificar? Haveremos para vencer, de mortificar tanto os sentidos externos como os internos, já que todo o homem deve ser mortificado, para se tornar um homem equilibrado, na busca daquilo que realmente importa para a salvação e perfeição. Portanto, mortificar o corpo é muito salutar, já que decaído é um inimigo muito perigoso, pois está conosco em todo lugar e nos influencia negativamente porque não liga em buscar os prazeres ilícitos e quando muito desordenado, rejeita de toda forma o que a inteligência e a vontade propõe, que é a rejeição ao que ele ama e que é nocivo.

Nosso corpo é templo do Espírito Santo, e para O acolhe-Lo bem deve estar em harmonia com o santo que nele habita. Devemos portanto vigiar sobre nossas posturas, roupas, –  limpas e  adequadas a idade e aos estados de vida, –  para que não sejam causa de pecado nem para nós e muito menos para os outros. Alguns se impõe algumas mortificações que aos olhos de muitos chegam a ser exageros, mas para os que querem crescer de fato na santidade, no quebrantamento do seu eu, com a ajuda de um bom diretor espiritual, maceram o seu corpo usando cilícios, cadeias que apertam os rins, e escapulários de crina para a cintura.

Os olhos  são a janela da alma, se eles são limpos todo teu corpo será limpo, nos disse Jesus. Mortificar a curiosidade dos olhos, os olhares maliciosos, rejeitando ver tudo o que pode destruir toda a luta iniciada é grande sabedoria, pois por eles, muitas portas de abrem. É preciso aprender a baixar a guarda, para não cair em tentação.

Os ouvidos e a boca também devem ser mortificados. Que luta travamos com este membro que como nos diz São Tiago, 3,5-6: “pode gloriar-se de grandes coisas. Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta! Também a língua é um fogo, um mundo de iniqüidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.” Sim, ela é um mal irrequieto que ninguém pode domar, a não ser com muita luta e ajuda de Deus. Esta deve ser nossa meta: não ouvir e não falar nada que seja contra a caridade, à pureza, pois como disse São Paulo: as conversas más corrompem bons costumes.

Por isso, andai com o povo santo, com aqueles que querem contigo trilhar o mesmo caminho até Deus, isso facilitará os passos. Mas também temos que aprender a viver neste mundo com toda a sorte de tentações e chamados ao erro. Santos no meio do mundo, em todos os lugares, para que sejamos luz e sal nesta terra.  Podemos falar também da gula, do tato, do olfato que são fontes também de pecados se não forem devidamente educados e mortificados.

Sobre os sentidos internos, devemos ter grande ocupação em mortificar nossa imaginação e memória, que são grandes fontes de devaneios e que pode nos levar  a pecar. Já nos alertou São João da Cruz: “Eu queria que aqueles que desejam ter vida interior entendessem de uma vez por todas quanto dano da memória, quando fazem muito uso dela; quantas tristezas e aflições vãs os fazem ter […] e quantas impurezas lhes deixam arraigadas no espírito. Além disso costumam distrair do verdadeiro recolhimento, que consiste em por toda a alma, segundo as suas potências, no único Bem incompreensível, e tirá-la de todas as coisas apreensíveis”  (Subida do Monte Carmelo, 3,4,2.).

Rejeitar o que não seja santo e lícito imediatamente é a chave para não cairmos em suas garras. Um grande bem deve ser utilizado logo que percebemos que estamos entrando em suas garras: se utilizar de bons livros, trabalho, e ocupações normais, orações, canções e o que podemos fazer que tem um valor imenso para inverter a situação, é meditarmos a paixão de Cristo ou alguma cena do Evangelhos.

A Escolástica diz-nos que paixões são movimentos mais ou menos violentos do apetite sensitivo, o qual nos apresenta o bem enquanto apreendido pelos sentidos. São duas as expressões deste apetite: a concupiscência e a irascibilidade. A concupiscência, perante o bem simplesmente apreendido pode gerar: positivamente, as paixões do amor, do desejo e do gozo; e negativamente, as do ódio, aversão, fuga, tristeza e dor. A irascibilidade, perante o bem árduo ou o mal árduo, pode gerar: a paixão da esperança ou a do desespero; a da audácia ou a do temor; e a da paciência ou a da ira. As paixões exercem forte influência na vida física, intelectual e moral das pessoas, daí a necessidade de, pela educação, favorecer as boas e neutralizar as más. É trabalho árduo dos pais e educadores, incluindo as pessoas a quem se pede orientação espiritual. (Conforme Dom Manuel Franco Falcão – Enciclopédia popular).

O combate a elas é também uma luta dura, mas totalmente possível porque contamos com as ajudas de Deus, que são fortíssimas. Mas é preciso querer, educar e mortificar a vontade que é no homem a faculdade mestra, a rainha de todas as demais faculdades, a que as governa, é ela que, por ser livre, dá não somente aos seus atos próprios (ou ilícitos), mas ainda aos atos das outras faculdades que ela manda (atos imperados). Regula-la é regular o homem todo. Se bem controlada, impera sobre todas as outras faculdades inferiores e as faz dóceis para obedecer a Deus. ( TANQUEREY, Adolph: A Vida Espiritual Explicada e Comentada. Anápolis: Aliança Missionária Eucarística Mariana, 2007. pg. 432).

Quem pode atrapalhar em nossa luta para educa-la? A irreflexão antes de cada ação, quando agimos por impulso e quando não perguntamos o que Deus quer de nós naquela situação.  A negligência, a preguiça, a indecisão, a paralisam ou a enfraquece. O medo de não conseguirmos nosso intento, quando nos esquecemos que Deus nos ajuda e colabora conosco na luta, faz que nossa vontade também se enfraqueça e muitas vezes sucumbimos.

Queridos, em última análise, sempre, sempre, é com a graça de Deus que devemos contar, conscientes que sozinhos somos fracos e podemos nos perder diante de tantos ataques, portanto, devemos buscar sempre a humildade e a confiança neste Deus que nos ama. A renovação diária de nossos propósitos, as nossas orações, nossos clamores para que a graça de Deus nos ajude são muito importantes.  Então nossa vontade será forte, será livre para agir no caminho reto, e não nos entregaremos as paixões, que nos acorrentam.  Haveremos de vencer, nossa razão e nossa vontade haverão de triunfar sobre os instintos e sobre toda sensualidade que nos afasta de Deus. Assim se realizará o objetivo que havíamos assinado à mortificação: submeter os nossos sentidos e faculdades inferiores à vontade, e esta a Deus, nosso Pai santo e amado.

Esta foi uma das orações de São Thomas More no cárcere, bem poderia ser a nossa:

”Dai-me, meu bom Senhor, uma fé plena, uma esperança firme, e uma ardente caridade; um amor por Vós, meu Senhor, incomparavelmente maior do que o amor por mim mesmo, e que não me prenda a nada que Vos desagrade, mas que todos os meus amores se ordenem para Vós. Dai-me, meu Senhor, um desejo de estar convosco, não para evitar as calamidades deste pobre mundo, nem para evitar as penas do purgatório, nem sequer as do inferno, ou para alcançar as alegrias do céu, ou em consideração ao meu próprio proveito, mas simplesmente, por autêntico amor a Vós”.(Thomas More, Um hombre solo. Cartas desde la torre, –  Rialp, Madrid, 1989, pag. 125)

Amém e que o Senhor nos ajude!

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