O Elo perdido: a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo

Com razão escreveu o Padre Giuseppe Ricciotti (Vida de Jesus Cristo, Luis Miracle, Barcelona 1978, 10ª ed., n. 194, pág. 200) que a historicidade dos Evangelhos, os milagres e a divindade de Jesus Cristo são os três elos de uma única cadeia: uma vez que os Evangelhos são históricos, também históricos são os milagres realizados por Jesus para confirmar sua divindade, e por conseguinte Jesus é Deus e o Cristianismo é uma religião divina. Se a cadeia não é rompida, o leitor é levado a aderir por necessidade lógica, além da moção divina, à religião cristã. Isso se já não fossem suficientes os motivos de outra ordem, sobretudo de ordem moral.

Esta cadeia lógica foi querida por Deus para que o ato de fé de sua criatura racional não fosse um ato irracional. Os primeiros a romper com esta cadeia, arrancando-lhe o primeiro elo, a saber, o consenso unânime da Cristandade sobre o valor histórico dos Evangelhos, foram os protestantes racionalistas ou liberais, e seus contemporâneos modernistas ( quase como para demonstrar a necessidade do Magistério como salvaguarda da mesma Escritura) que moveram os primeiros ataques à historicidade dos Evangelhos, ataques que foram se renovando até os nossos dias. O motivo pelo qual os racionalistas negam a historicidade total ou parcial dos Evangelhos não é histórico, como seria razoável que fosse, mas sim filosófico, ou melhor, pseudofilosófico, pois consiste no preconceito racionalista segundo o qual todo milagre é impossível, posto que excede a medida da razão humana.

Como consequência, uma vez que os Evangelhos estão recheados de relatos de milagres, só por este motivo e por nenhum outro, devem ser considerados a priori, como livros não-históricos, ou ao menos parcialmente lendários.É como se o valor histórico dos Evangelhos e a própria história se sacrificassem ao orgulho intelectual de fundo luciferino, que em suma é a alma do racionalismo. Sobre a via do racionalismo protestante prosseguiu e prossegue o modernismo. Hoje a “nova exegese”, que apesar de tudo se pretende “católica”, não é outra coisa senão a exegese modernista e eco da pior exegese protestante.

Chegamos assim ao ponto em que o Pregador da Casa Pontifícia, o Padre Raniero Cantalamessa, o.f.m, divulga nos meios de comunicação uma heresia típica do modernismo, já condenada pelo Papa São Pio X no Decreto Lamentabili e na Encíclica Pascendi (1907); textualmente: “a história não pode demonstrar que Jesus era Deus, só a fé o pode demonstrá-lo”.

Ora, se a história não pode demonstrar que Jesus era Deus, a fé também não pode demonstrar absolutamente nada. Com efeito, como é que se demonstra a fé na divindade de Jesus Cristo? Através da fé nos Evangelhos que são livros históricos. Porém se os Evangelhos não são história, se o elemento sobrenatural presente nos Evangelhos não passa de lenda fantástica, então de forma alguma se pode comprovar a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e em vão disse São João ter escrito o seu Evangelho “para que creiais que Jesus é o Cristo , o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (João. 20, 31).

Concluindo: dizer como disse o Padre Cantalamessa, que «a história não pode demonstrar que Jesus era Deus, pois somente a fé pode demonstrá-lo”, é o mesmo que dizer que a divindade de Jesus não pode ser comprovada, e que portanto o ato de fé em Nosso Senhor Jesus Cristo é injustificável perante a razão, como pretende o fideísmo, já condenado pelo Magistério da Igreja (Concilio Vaticano I, De fide, can. 3, Denz. 1812), o qual teve em Lutero e logo em seguida no modernismo sua máxima expressão.

Providencialmente, junto a todos os documentos da Tradição que demonstram a historicidade dos Evangelhos, vão se acrescentando já há anos os descobrimentos arqueológicos, os quais militam a favor da Tradição Católica e contra a negação dos racionalistas protestantes ou modernistas.

Quanto à Ressurreição de Jesus, se muitas passagens das Sagradas Escrituras ( e não só a Carta de São Paulo aos Gálatas) insistem na Ressurreição como obra do Pai, isso é só pra sublinhar o valor demonstrativo da Ressurreição, valor que pode ser resumido da seguinte maneira: 1) Jesus se proclamou Messias e Filho de Deus em sentido próprio; 2) Deus O ressuscitou da morte; 3) por conseguinte, Jesus é verdadeiramente o Messias e filho natural de Deus, porque Deus não dá seu respaldo a impostores. Essa finalidade apologética, que confronta o juízo dos hebreus incrédulos com o juízo de Deus, é particularmente evidente em Atos 2, 34: “Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com maior certeza de que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo” e também em Atos 10,39: “Nós somos testemunhas de tudo o que fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, suspendendo-o num madeiro. Mas Deus O ressuscitou ao terceiro dia…”.

A mesma Escritura, todavia, afirma que Jesus também ressuscitou por vontade própria: “O Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de a dar, como tenho o poder de reassumir. ( João 10, 17-18). Por isso a Igreja pode ensinar que Jesus ressuscitou “por virtude própria” (XI Concilio de Toledo, Denz. 286). As duas afirmações (Jesus foi ressuscitado pelo Pai e Jesus ressuscitou por virtude própria) são pois verdadeiras. Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus: por Sua humanidade pode-se dizer com verdade que Jesus foi ressuscitado pelo Pai e por Sua divindade, pode-se dizer com a mesma verdade que Jesus ressuscitou por virtude própria, já que a natureza divina é comum ao Pai e ao Filho. Como explica São Tomás, “idêntica é a virtude e a operação divina do Pai e do Filho e portanto estas duas afirmações; que Cristo ressuscitou por virtude divina e que ressuscitou por si mesmo (…) se implicam mutuamente” (Summa Theol. III, q. 53, a. 4). E o Padre Tito Sante Centi, o.p., observa que: “a este respeito  não houve jamais discussões entre os teólogos Católicos”, pois esta “doutrina comum” foi definida pelo XI Concilio de Toledo no ano 675. Infelizmente tinha que vir essa “nova teología” ou neo- modernismo para também nisso jogar nuvens escuras sobre o que sempre ensinou a Igreja.

Tradução: Gercione Lima.

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