O sangue de Jesus foi derramado “por muitos” ou “por todos”?

– “Como se explicam as palavras da consagração eucarística [pré-Vaticano II]: ‘…sangue, que será derramado por vós e por muitos’? Jesus não morreu por todos?” (Deodato – São Paulo-SP).

A expressão «por muitos» na fórmula da consagração eucarística [pré-Vaticano II] se deriva de Marcos 14,24:

– «Este ó o meu sangue, o sangue da Aliança derramado por muitos» (cf. Mateus 26,28).

Por sua vez, as palavras de Jesus na última ceia fazem eco a uma afirmação anterior de Cristo:

– «O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos» (Marcos 10,45; cf. Mateus 20,28).

Ora, nestas passagens – principalmente na segunda – o Senhor parece reproduzir um texto de Isaías, em que Javé declara:

– «Quando meu servo tiver oferecido sua vida em resgate, vem uma posteridade (…) Por seus sofrimentos meu servo justificará a muitos. Por isto Eu lhe darei multidões em partilha» (Isaías 53,10-12).

A palavra hebraica “rabbim”, ocorrente nesta passagem do Antigo Testamento, indica não simplesmente um grande número de homens, mas a massa, que é também a totalidade dos homens. O profeta e, por conseguinte, também Jesus entendem realçar o contraste entre um, que será sacrificado, e o grande número, a massa ou também os outros, que serão resgatados. Por isto, alguns comentadores modernos de Mateus e Marcos traduzem o texto evangélico por «derramado em favor dos outros», não «de muitos». Esta interpretação é confirmada pelo texto de São Paulo, Romanos 5,12.15-19: o Apóstolo, referindo-se ao fato de que por um só homem – Adão – a coletividade do gênero humano foi constituída pecadora e por um só homem – Cristo – foi justificada, emprega como equivalentes um ao outro os termos “hoi pollói” (o grande número) e “pántes” (todos). Tal modo de falar tem significado positivo e enfático: inculca que a totalidade dos homens se compõe não de poucos indivíduos, mas de muitos; de modo nenhum quer dizer que alguém esteja excluído do número dos remidos.

Ainda em confirmação de quanto está acima dito, devem-se citar os manuscritos descobertos no deserto de Judá (Palestina); nestes documentos, de extraordinária importância para a exegese do Novo Testamento, a expressão “ha-rabbim” significa a “assembleia geral”, não um grupo restrito (cf. J. T. Milik, “Dix ans de découvertes dans le désert de Juda”, Paris, 1957, pp.65-66).

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 2 – fev/1958
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