Opus dei, modernidade e relativismo

Eu resolvi escrever esse artigo depois que constatei a total corrupção, para não dizer alienação, das pessoas a respeito do Opus Dei. Claro que o caso da Obra (Opus Dei é Obra de Deus em latim) serve para exemplificar o alto grau de deturpação, decadência, que se encontra os homens e mulheres que vivem na sociedade ocidental. A total inversão e destruição do centro de valores, do tradicional ethos civilizacional, acabou por gerar uma situação, no mínimo, engraçada; o que ontem era moderno hoje é visto como radicalmente conservador.

Vejamos o caso do Opus Dei. A Obra surgiu sustentada na modernidade, um espírito de vanguarda, até precursor do aggionarmento do Concílio Vaticano II. Dentre os traços mais caraterísticos da Prelazia podemos citar a filiação divina, oração e sacrifício, unidade de vida, liberdade, caridade e santificação do trabalho. Aqui entra a sadia novidade trazida por São Josemaría Escrivá; o leigo como semeador do Evangelho, a vida cotidiana como um apostolado contínuo. Aquele jovem Padre que tanto repetia as palavras do cego; Domine, ut sit!, Domine, ut videam!, percebeu a importância do cristão comum, a relevância da personificação do cristianismo no dia-a-dia através desses homens e mulheres que sofriam as amarguras da vida e gozavam das felicidades do mundo. Essa novidade foi muito bem vista por Roma, mas sofreu com uma certa animosidade dos setores mais arqueológicos do clero. De fato, São Josemaría foi visto como um progressista. Na verdade sua mensagem era sim moderna, não modernista, mas apenas colhia os bons frutos dos novos tempos e, vale frisar, não rechaçava o legado Tradicional e magisterial, ao contrário, endossava e via essa herança tão valiosa como instrumento de reafirmação.

Esse é o Opus Dei. Vejam que surgiu e cresceu com um espírito arejado, carregando o frescor do alvorecer católico do séc. XX. Juntamente com outros movimentos que nasceram, como Regnum Christi, Legionários de Cristo etc, defendia a santidade, a fidelidade ao milenar Depósito da Fé, mas sem perder a jovialidade. Outro grande teólogo, que nos meados do século passado foi de grande importância no debate teológico, se chamava Ratzinger. O futuro Bento XVI era moderno mas não renegava os ensinamentos tradicionais, via com grande entusiamo a modernização da Igreja, sem que para isso ela tivesse que sucumbir aos erros progressistas e modernistas.

Percebam que estamos falando de tendências religiosas que até ontem eram vistas como arejadas, já hoje são taxadas de radicalmente tradicionais. Primeiramente, é bom frisar, que conservador todo católico é, ou ao menos deveria ser, já que o cristianismo se fundamenta em conhecimentos que são transmitidos e conservados. Como então explicar essa forte mudança de percepção em relação aos casos citados? Simples! Houve uma transformação muito acentuada na estruturação do pensamento do homem ocidental. O relativismo passou a reinar de forma pujante. A fidelidade a Verdade, ou a busca pela Verdade, tornou-se supérflua.

O Concílio Vaticano II, que teve seu espírito desenvolto graças a homens como Ratzinger, e até Cardeal Newman, e movimentos novos que traziam aspirações modernas, como o Opus Dei, foram vilipendiados na sua correta hermenêutica. O clero modernista seqüestrou a interpretação conciliar, difundido no término do CVII uma ótica perceptivelmente herética, mesquinha, simplista, sem continuidade com o legado eclesial.

Somando essa crise pós-conciliar com o triunfo de um espírito relativista na sociedade, onde se supervalorizava o multiculturalismo, o coletivismo-apaixonado, o materialismo igualitarista, não fica difícil concluir que os antigos modernos viraram os novos antiquados na visão do homem comum, homem que passou a ser bombardeado por uma avalanche de novidades, desde a relativização do que até ontem era Verdade, a deturpação dos ideais de democracia e liberdade, a “flexibilidade” do centro de valores, a destruição dos símbolos e da mística.

A redução da religião a questões morais e éticas, o enrijecimento da Igreja, ao encontrar o relativismo que justificava intelectualmente a recusa ao legado tradicional do Magistério, sancionou, por exemplo, a união da religião com o marxismo, se desenvolvendo a Teologia da Libertação. Marx havia disse: “Se conheço a religião como autoconsciência humana alienada, a minha autoconsciência não é confirmada na religião, mas na abolição e superação da religião.” Ou seja, a religião é simplesmente um elemento do mundo da ideologia, conseqüência da atividade da consciência dos homens na história. Logo não tem consistência própria, existência real, não tem essência, é apenas um produto histórico, o reflexo de um modo de produção. A essência da religião não se encontraria nela, mas no mundo material dos homens. Por fim, a Revolução, que seria o rompimento, o alvorecer do Novo Homem, impediria a alimentação da religião através da alienação. Não obstante, a união da religião com o marxismo ocorreria justamente no ideal da redenção revolucionária, mesmo que isso colocasse o sacrifício de Cristo na Cruz, a única e verdadeira redenção para os cristãos, em total segundo plano. Qual seria o papel da Igreja então? Ela seria um instrumento da luta de classes, e sua tomada por ideais marxistas, por se tratar de uma “superestrutura” que produz discurso e desenvolve a cultura e o pensamento, a tornaria a principal promotora da revolução cultural. Gramsci e Lukács entrariam em êxtase.

Percebam que essa dita aliança, religião – marxismo, se fundamenta no mais genuíno relativismo. Só para lembrar, Bento XVI, na Spe Salvi, lembrou que Marx “esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de facto, o homem não é só o produto de condições económicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições económicas favoráveis.”

A mentalidade moderna se tornou extremamente pobre e simplista. Aqui vale um adendo, eu não acho que a mentalidade mais amplamente difundida seja revolucionária politicamente, mas sim espiritualmente, culturalmente. De acordo com Olavo de Carvalho ““Mentalidade revolucionária” é o estado de espírito, permanente ou transitório, no qual um indivíduo ou grupo se crê habilitado a remoldar o conjunto da sociedade – senão a natureza humana em geral – por meio da ação política; e acredita que, como agente ou portador de um futuro melhor, está acima de todo julgamento pela humanidade presente ou passada, só tendo satisfações a prestar ao “tribunal da História”.” Considero que o homem médio atual é de fato propenso a um relativismo doentio, uma desonestidade e combate ferrenho a tudo que se diga autêntico e verdadeiro. Acho que o modo de pensar da modernidade, como vemos hoje, alimenta e estimula o ideal revolucionário, na verdade é resultado da ação revolucionária. Hoje podemos distinguir os homens entre aqueles que carregam esse discurso de ação política, e os outros, a grande maioria, que trazem consigo o vocabulário da ação cultural, que considero mais avassaladora, já que age de forma difusa e silenciosa, servindo a interesses que nem mesmo sabe que existe. E é justamente dessa movimentação cultural que se desenvolve a idéia de que tudo é relativo e de que não existe certo e errado. Ora, se tudo é relativo, “tudo é relativo” é relativo. Se “tudo é relativo” é relativo logo nem tudo é relativo, ou seja, dizer que “tudo é relativo” não se sustenta. A mesma coisa vale para o “não existe certo e errado”. Se não existe certo e errado como se pode dizer que “não existe certo e errado” se o “não existe certo e errado” se considera certo? São essas contradições, essas falácias, esses argumentos que não se mantém, ilógicos, refutados com a mais modesta contra-argumentação, que povoam o imaginário simplório dos homens atuais.

Facebook Comments

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.