“Os novos procedimentos para os ritos de Beatificação” (~2005)

CONGREGAÇÃO PARA AS CAUSAS DOS SANTOS
OS NOVOS PROCEDIMENTOS PARA OS RITOS DE BEATIFICAÇÃO

O rosto da Igreja que se renova na continuidade

Ao longo da história a Igreja celebrou sempre a santidade como expressão das “maravilhas”, realizadas pelo Senhor na vida do seu Povo. Respondendo à sensibilidade e aos contextos históricos, a Igreja dedicou uma atenção especial às formas litúrgicas e aos procedimentos com os quais expressar o louvor ao Altíssimo e reavivar a fé e a piedade dos fiéis. Estas formas processuais e a significativa riqueza destes ritos, também na consciência eclesial mais recente, foram atentamente estudadas para uma compreensão e incidência mais eficaz da própria natureza da santidade, que a Igreja celebra com os ritos da beatificação e da canonização. Com esta finalidade o Santo Padre Bento XVI introduziu importantes novidades no que diz respeito às beatificações.

I. Preâmbulo histórico-jurídico

1. No primeiro milénio da Igreja o culto dos Mártires e depois dos Confessores era regulado pelas diversas Igrejas particulares. Os Bispos, singular e colegialmente por ocasião dos sínodos, autorizavam novos cultos particulares, que iniciavam com a elevatio ou com a translatio corporis. Estes actos foram chamados, depois, canonizações episcopais ou canonizações particulares, porque envolviam directamente só a igreja local (1).

No século XI começou a afirmar-se o princípio de que só o Romano Pontífice, como Pastor Universal da Igreja, tem autoridade de prescrever um culto público quer na Igreja particular quer na Igreja universal. Com uma Carta ao Rei e aos Bispos da Suécia, Alexandre III reivindicou ao Papa a autoridade de conferir o título de Santo com o relativo culto público. Esta norma tornou-se lei universal com Gregório IX em 1234.

No século XIV a Santa Sé começou a autorizar um culto limitado a determinados lugares e a alguns servos de Deus, cuja causa de canonização ainda não tinha sido iniciada ou concluída. Esta concessão, está na origem da beatificação. Os Servos de Deus, aos quais era concedido um culto limitado, foram chamados Beatos a partir de Sisto IV (1483), determinando assim a distinção jurídica definitiva entre o título de Santo e o de Beato, que era usado indiferentemente na época medieval.

A concessão do culto local era formalizada e comunicada aos interessados através de Carta Apostólica sob forma de Breve, que o Bispo local fazia executar auctoritate apostolica.

Depois da instituição da Congregação dos Ritos (1588), por obra de Sisto V, os Papas continuaram a conceder cultos limitados (Missa et Officium), na expectativa de chegar à canonização. Progressivamente os procedimentos foram esclarecidos e aperfeiçoados, até chegar à actual normativa promulgada em 1983.

2 A doutrina sobre as instituições da beatificação (2) e da canonização (3) permaneceu substancialmente invariada no decorrer dos séculos. A sua distinção (4), que deu a sua expressão adequada nas respectivas fórmulas enunciativas ou constitutivas, é clara e fundamental. A canonização é a suprema glorificação por parte da Igreja de um Servo de Deus elevado às honras dos altares, com pronunciamento de carácter decretativo, definitivo e preceptivo para toda a Igreja, empenhando o Magistério solene do Romano Pontífice. Isto é expresso de maneira inequívoca na fórmula: “Ad honorem Sanctae et Individuae Trinitatis… auctoritate Domini Nostri Jesu Christi, beatorum Apostolorum Petri et Pauli ac Nostra… Beatum N. N. Sanctum esse decernimus ac definimus, ac Sanctorum Catalogo adscribimus, statuentes eum in universa Ecclesia inter Sanctos pia devotione recoli debere”.

Ao contrário, a beatificação consiste na concessão de culto público em forma indultiva e limitada a um Servo de Deus, cujas virtudes a nível heróico, ou seja, o Martírio, tenham sido devidamente reconhecidas, como é evidenciado pela fórmula relativa: “… facultatem facimus ut Venerabilis Servus Dei N. N. Beati nomine in posterum appelletur, eiusque festum… in locis ac modis iure statutis quotannis celebrari possit”.

II. Os ritos de beatificação no decorrer dos séculos

Também na substancial continuidade doutrinal, sobre a natureza da beatificação e da canonização, os ritos e as cerimónias, assim como as fórmulas de pronunciamento e outros pequenos pormenores, sofreram uma articulação diferenciada que aqui, só para a Instituição da beatificação, podemos realçar em quatro fases.

a) Antes de 1662: o Papa, concedendo o culto local (beatificação), normalmente deixava aos interessados (Promotores da Causa, Ordinário local) a possibilidade de escolher o dia, o lugar e o modo par solenizar o acontecimento da beatificação feita, e para inaugurar o novo culto (Missa et Officium). Também podia acontecer, especialmente em certos mosteiros, que por ocasião da beatificação não se fizesse qualquer solenidade externa, mas que se celebrasse a festa do novo Beato no dia estabelecido pelo calendário litúrgico ao longo do ano.

b) De 1662 a 1968: a primeira beatificação, em forma solene, foi a de São Francisco de Sales, querida por Alexandre VII. O rito teve lugar na Basílica de São Pedro em dois momentos bem distintos: primeiro momento na manhã de 8 de Janeiro de 1662 teve lugar na Basílica o rito verdadeiro e próprio da Beatificação; foi lido oficialmente o Breve apostólico, datado de 28 de Dezembro de 1661, com o qual o Papa conferia o título de Beato e as relativas honras litúrgicas; seguia-se a celebração da Missa solene, presidida pelo Bispo de Soissons. Em seguida, normalmente, a Eucaristia será presidida por um Cónego-Bispo do Capítulo Vaticano. Neste rito da manhã foram protagonistas a Sagrada Congregação dos Ritos e o Capítulo Vaticano; segundo momento na tarde do mesmo dia o Papa desceu à Basílica para venerar o novo Beato e lucrar a indulgência plenária, que ele mesmo tinha concedido aos fiéis que naquele dia tivessem visitado a Basílica. A prática iniciada por Alexandre VII permaneceu substancialmente invariada até 1968, quando foi realizada a última beatificação com aquele rito (5).

c) De 1971 a 2004: com a beatificação de São Maximiliano Kolbe (+ 1941), celebrada na manhã de 17 de Outubro de 1971, Paulo VI introduziu a importante inovação de presidir pessoalmente o rito da beatificação; desta forma deixou de ser feita a cerimónia da tarde, durante a qual o Santo Padre descia à Basílica para venerar o novo Beato e lucrar a indulgencia plenária. Foi predisposta pela primeira vez uma “fórmula de beatificação”, lida pelo próprio Papa. Desde então a Congregação dos Ritos era da opinião que “mesmo com a intervenção do Papa, deveria haver uma clara diferença de solenidade entre a canonização e a beatificação” (6).

Nas beatificações seguintes (1972, 1974, 1975) o Papa, presente na celebração, recebia a peroratio, e pronunciava a fórmula de beatificação, mas não celebrava a Missa, que era presidida sobretudo pelo Bispo diocesano do novo Beato. A peroratio era feita pelo Prefeito ou pelo Secretário da Congregação para as Causas dos Santos ou também pelo Bispo diocesano, que presidia a celebração.

Com a beatificação de 19 de Outubro de 1975 o Papa voltou a presidir também a Missa e assim continuou até 2004.

d) A partir de 2005: O Santo Padre Bento XVI estabeleceu que os ritos da beatificação de 14 de Maio de 2005 fossem presididos pelo Card. José Saraiva Martins, Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, o qual “de mandato Summi Pontificis” leu a Carta Apostólica com a qual o Papa concedia o título de Beatas a duas Veneráveis Servas de Deus. Anteriormente os Bispos das dioceses das novas Beatas tinham exposto uma breve síntese da sua vida. Os ritos de beatificação de 19 de Junho de 2005 foram presididos, em Varsóvia, pelo Card. Józef Glemp, Arcebispo diocesano e Primaz da Polónia.

III. Critérios para o rito das futuras beatificações

A recente decisão do Santo Padre Bento XVI, de não presidir pessoalmente os ritos da beatificação, responde à exigência, muito sentida, de: a) realçar em maior medida nas modalidades celebrativas a diferença substancial entre beatificação e canonização; b) tornar partícipes de modo mais visível as Igrejas particulares nos ritos da beatificação dos respectivos Servos de Deus.
Sobressaiu com evidente clareza, nas numerosas beatificações celebradas por João Paulo II em todas as partes do mundo, a conveniência pastoral de que os ritos da beatificação sejam realizados preferivelmente nas Igrejas particulares, mesmo deixando a possibilidade de escolher Roma por especiais razoes a serem avaliadas, caso por caso, pela Secretaria de Estado.

Onde quer que se realizem os ritos de beatificação, quer em Roma quer noutras partes, é necessário realçar como todas as beatificações são um acto do Romano Pontífice, o qual permite (“facultatem facimus”, assim consta na fórmula actual de beatificação) o culto local de um Servo de Deus, tornando pública a sua decisão mediante uma Carta apostólica.
Os ritos da beatificação e da canonização em si já são bastante diferenciados; contudo, o facto de que a partir de 1971 tenham sido presididos normalmente pelo Santo padre diminuiu aos olhos do povo a diferença substancial que existe entre as duas instituições.

IV. Indicações práticas para o rito de beatificação

Portanto, as indicações que se seguem referem-se aos ritos das beatificações, celebradas quer fora quer em Roma, mas presididas pelo Santo Padre, o qual, sem dúvida, poderá sempre presidi-las, nas circunstâncias e nos modos que considerar oportunos.

a) Ritos de beatificação nas Igrejas particulares:

É oportuno que de hoje em diante os ritos de beatificação sejam realizados na diocese, que promoveu a causa do novo Beato, ou noutra localidade mais idónea da mesma Província eclesiástica ou Região.
A data e o lugar da beatificação, e os eventuais agrupamentos de Servos de Deus de diversas dioceses, serão concordadas pelo Bispo diocesano (ou Bispos diocesanos) e pelos Promotores da Causa (ou das Causas) com a Secretaria de Estado, como se fez até hoje.

O rito da beatificação, que se desenvolverá durante uma celebração litúrgica, iniciará com a apresentação à Assembleia das características essenciais da biografia do próximo Beato. Normalmente esta apresentação será feita pelo Bispo diocesano ou, tratando-se de diversos Servos de Deus, dos respectivos Bispos diocesanos, assim como se fez na beatificação de 14 de Maio de 2005 na Basílica de São Pedro no Vaticano.

O Santo Padre nomeará um seu Representante, que de leitura oficial da Carta Apostólica, com a qual o próprio Romano Pontífice concede o título e as honras de Beato ao servo de Deus em questão. Normalmente o Representante do Papa será o Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos.

Em conformidade com a prática mais recente, o rito de beatificação será feito durante a Celebração eucarística, precisamente depois do acto penitencial e antes do cântico do “Glória”.

Contudo, particulares razoes locais poderiam sugerir o desenvolvimento do rito durante uma celebração da Palavra de Deus ou da Liturgia das Horas. Sob o Pontificado de João Paulo II algumas beatificações foram celebradas durante as Primeiras Vésperas do domingo ou de uma solenidade.

A celebração litúrgica em honra do novo Beato será presidida preferencialmente pelo Representante do Papa ou pelo Bispo diocesano (ou por um dos Bispos diocesanos quando se tratar de Beatos de diversas dioceses). Sobre isto decidirá a Secretaria de Estado, depois de ter ouvido as partes interessadas.

O Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Santo Padre coordenará com as Igrejas particulares tudo o que se refere ao rito da beatificação.

b) Ritos de beatificação em Roma

As partes interessadas (Bispos e Promotores da Causa) podem pedir à Secretaria de Estado que o rito de beatificação de um Servo de Deus “não romano” possa ter lugar em Roma, e não na Igreja particular de pertença. As motivações para justificar o pedido serão avaliadas pela Secretaria de Estado.

Para os ritos de beatificação, que se realizam em Roma, são válidos os mesmos critérios que regulam os ritos que se realizam fora de Roma.

Recorda-se a utilidade dos “opúsculos”, que deveriam continuar a ser preparados pelo Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, a fim de permitir uma melhor participação dos fiéis na celebração.

Por fim, parece oportuno que o rito da beatificação seja substancialmente uniforme onde quer que seja celebrado. Por conseguinte, deseja-se que seja preparado quanto antes um “Ordo beatificationis et canonizationis”, pelo Departamento para as Celebrações Litúrgicas do Santo Padre em sintonia com a Congregação para as Causas dos Santos e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.

Card. JOSÉ SARAIVA MARTINS
Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos


Notas

1. Bento XIV, o “Magister” das Causas dos Santos, equipara as Canonizações episcopais às beatificações, que consistem na concessão (permissio) de um culto “pro aliquibus determinatis locis” (De Servorum Dei beatificatione et beatorum canonizatione, Prato 1839, L.I., cap. 31, 4, p. 196).

2.  “Doctores… tradunt Beatificationem esse actum, quo Summus Romanus Pontifex, indulgendo permittit, aliquem Dei Servum coli posse in aliqua Provincia, Dioecesi Civitate, aut Religiosa Familia Cultu quodam determinato, ac Beatorum proprio, usquequo ad solemnem eius Canonizationem deveniatur” (Bento XIV, L.I., cap. 39, 5, p. 262).

3. (Ivi, p. 263).

4. (I. Noval, Commentarium Codicis Juris Canonici, Lib. IV De Processibus, pars II, Augustae Taurinorum-Romae 1932, p. 7).

5. Cf. F. Veraja, La Beatificazione. Storia, problemi, prospettive, Roma, ed. Congregazione delle Cause dei Santi, 1983, pp. 7-111.

6. Assim escrevia Mons. Antonelli, Secretário da Congregação:  Arquivo da Congr., V AR, 107/966, in G. Stano, Il rito della Beatificazione da Alessandro VII ai nostri giorni, in Miscellanea per il quarto Centenario della Congregazione delle Cause dei Santi (1588-1988), Cidade do Vaticano 1988, p. 401.

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