Os socialmente inconvenientes

Duas observações recentes sobre o aborto impressionaram-me. A primeira, externada por Olavo de Carvalho em seu artigo para o Jornal da Tarde (22/1), intitulado “O desejo de matar”, em que afirma “Não havendo certeza absoluta da inumanidade do feto, extirpá-lo pressupõe uma decisão moral (ou imoral) tomada no escuro”, concluindo em relação aos abortistas que “porém, é claro também que nada adianta argumentar com pessoas capazes de mentir tão tenazmente para si próprias”.

A segunda foi feita por Luís Garcia Leme, professor de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em que diz: os que defendem o aborto, fazem-no porque o nascituro a ser eliminado é “socialmente inconveniente”.

De rigor, a quase unanimidade dos defensores do aborto declara-se contrária a este homicídio uterino, mas alega que, em determinadas circunstâncias, ele se justifica porque o fruto da concepção é indesejável, porque foi concebido conta a vontade, por descuido ou porque o feto está malformado, não se compreendendo que a mãe ou os pais sejam obrigados a sustentar por toda a vida um ser humano deformado ou mal querido, razão pela qual este ser “socialmente inconveniente” deve ser exterminado.

De rigor, poucas são as feministas que sustentam, pura e simplesmente, que o direito ao coito livre pelas mulheres é superior ao direito à vida, justificando-se sempre o assassinato do nascituro sem defesa.

A grande maioria dos abortistas é contrária ao aborto, defendendo sua adoção apenas nos casos dos nascituros “socialmente inconvenientes”.

É exatamente este raciocínio o que mais me preocupa, pois é aquele “alcandorado” de uma certa lógica humanitária, que pretende eliminar problemas de consciência, dos que são obrigados a praticá-lo, para que o feto excetuado, se nascido fosse, não tivesse o dissabor de ser “socialmente indesejado”.

É que o raciocínio de tais abortistas pode ser aplicado a todos os seres humanos, nascituros ou já nascidos. Na África do Sul, antes de Mandela, ou nos Estados Unidos, antes de Lincoln, os “socialmente inconvenientes” eram os negros, que pagavam por este estigma com a escravidão e os serviços vis. Na Alemanha de Hitler, os judeus foram os “socialmente inconvenientes”, sendo os campos de concentração o palco de sua odiosa perseguição e extermínio.

No mundo atual e em todos os países, os socialmente inconvenientes começam a ser os idosos, visto que os valores familiares restam esganados e o homem moderno já não está mais disposto a suportar o “velho inútil”, razão pela qual, na maior parte das vezes, substitui o carinho da vida familiar, para aqueles que já cumpriram sua missão, pelos asilos de velhos, em que a tristeza e a solidão terminam por abreviar sua vida.

Em algumas tribos africanas, os velhos socialmente inconvenientes, são simplesmente eliminados: os socialmente inconvenientes, na Judéia dos tempos de Cristo, eram os leprosos.

No próprio mundo empresarial de hoje os cidadãos com capacidade de trabalho que ultrapassam os 45 anos começam a ser socialmente inconvenientes, sendo afastados quase compulsoriamente.

Enfim, há uma mentalidade de “purificação do ambiente social” que leva ao afastamento e à eliminação dos “socialmente inconvenientes”, na História do mundo e na atualidade, que me deixa cada vez mais preocupado, na medida em que é um raciocínio que, subconscientemente ou não, principia a ganhar foros de realidade aceita pelos “socialmente convenientes”, que podem um dia se tornar “socialmente inconvenientes”.

Creio que a defesa do aborto – que é a eliminação de um ser humano “socialmente inconveniente” – é um passo decisivo para a eliminação da solidariedade humana e a volta do “ideal nacional socialista” de que o mundo só deve ter espaço para “raça pura”, ou melhor, a raça dos “socialmente convenientes”.

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