Padre henrique de lima vaz

 

O Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz faleceu no dia 23 de maio de 2002,  em Belo Horizonte, MG.

Padre Vaz foi um dos mais importantes filósofos católicos do Brasil da segunda metade do século XX .

Nasceu em Ouro Preto, MG, no dia 24 de agosto de 1921, sendo seus pais o professor Theodoro Amálio da Fonseca Vaz, catedrático de Mineralogia, da Escola Nacional de Minas e Metalurgia, já falecido, e Dona Emília Josephina de Lima Vaz. Entrou na Companhia de Jesus no dia 29 de março de 1938. Ordenado sacerdote no dia 15 de julho de 1948.

Formou-se em Filosofia na Faculdade Pontifícia de Filosofia, da então Província do Brasil Central da Companhia de Jesus, com sede em Nova Friburgo, no Estado do Rio.Doutorado em Filosofia pela Universidade Gregoriana de Roma, atuou no magistério universitário na Faculdade de Filosofia da Companhia de Jesus em Nova Friburgo (1953/63), Rio de Janeiro (1975/81) e Belo Horizonte (1982/2001), e no Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (1964/1986).

O texto adotado na época, na Faculdade de Filosofia de Friburgo, era a Philosophiae scholasticae summa de V. REMER, S.J., outrora professor da Universidade Gregoriana. Esse texto sóbrio e rigoroso tinha, pelo menos, uma originalidade: a constante referência às obras de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, citadas a cada página.

Guiado ou motivado pelas citações de Remer, o Padre Vaz entregou-se a leitura anotada, página por página, do Comentário de Santo Tomás à Metafísica de Aristóteles, naqueles grandes volumes, encadernados de vermelho, das “Opera omnia” do Aquinate da edição de Parma.

Uma influência decisiva em sua obra : Pe. Eduardo Magalhães Lustosa e  Pe. Francisco Xavier Roser, ambos já falecidos.

O primeiro abriu , ainda que timidamente, as portas da filosofia moderna. Ofereceu a ler alguns artigos sobre Husserl e Heidegger e alguns textos, traduzidos em espanhol e francês, desses filósofos.

O Fe. Roser foi o professor de Matemática e Física e de uma disciplina que abria um horizonte novo e insuspeitado, que vinha diretamente dos textos de Aristóteles e de Santo Tomás: “Questões científicas ligadas à Filosofia”.

Era toda a significação filosófica da ciência moderna que passava a desafiar os noviços aristotélico-tomistas que. O Pe. Roser deu a ler o livro de PHILIP FRANK, Entre as ciências físicas e a filosofia foi o primeiro texto neopositivista que foi dado conhecer.

A partir de então o problema da ciência moderna, na sua significação filosófica, passou a ser uma referência constante dos seus estudos e das suas reflexões.

O Pe. Nicolau Rossetti proporcionou autores como : Sertilíanges, Rousselot, Gilson, A. Forest, Maritain, J. Maréchal etc… Todos de língua francesa, que era , juntamente com o latim, a língua-mãe filosófica.

No fim do curso de Filosofia cresceu e dominou a figura do PE. JOSEPH MARÉCHAL: os cinco “cadernos” do seu O ponto de partida da Metafísica foram lidos relidos e resumidos. Um trabalho de fim de curso, em latim, traduz essa intensa freqüentação dos textos marechalianos: De ratione exsistentiae Dei probandae in dynamismo intellectuali Pe. Maréchal.

É ainda docilmente marechaliana a dissertação para a Licença apresentada na conclusão do curso: “A afirmação do ser no limiar da Metafísica”.

O curso de Filosofia terminou em 1945.

Em princípios de 1946 Vaz começou em Roma seu curso de Teologia, na Universidade Gregoriana. Ali, como em Friburgo, a formação era rigidamente escolástica.

Aluno dos últimos representantes da geração áurea do chamado “tomismo romano” da Companhia de Jesus, o tomismo dos Billot e dos Matiussi. Entre eles se destacavam, então, os PP. Charles Boyer e Paolo Dezza. 

O primeiro ensinava tratados clássicos de teologia escolástica. o segundo dirigia um seminário, que freqüentei sem entusiasmo, sobre a “síntese tomista”. Dos escombros de uma Europa destruída, enquanto máquinas gigantescas removiam entulhos e reedificavam cidades, uma intensa vida de pensamento renascia e se expandia vigorosamente à luz do que se acreditava a aurora de um novo dia da História.

A condenação à liberdade, a iniciativa nêantisante do pour-soí, o absurdo: mas devo confessar que li Sartre com os olhos tomistas de Maréchal e daí resultou meu primeiro artigo de filosofia que o Pe. Franca, pouco antes de morrer, aceitou publicar na revista Verbum, em março de 1948, sob o título “O existencialismo”.

A obra de Sartre causou em todos naqueles anos do após-guerra em que tudo se questionava, tudo se julgava possível, mas sobre os quais pairava o obscuro pressentimento de um novo ciclo de crises mais profundas e mais decisivas.

Sobre as dimensões e as direções dessas crises que se anunciavam falava a obra de E. Mounier, outra descoberta capital desses anos, e a leitura, mês após mês, da revista Esprit, que oferecia um fio condutor na complexidade do universo social e político.

O personalismo foi o primeiro instrumento de leitura do mundo moderno nos seus aspectos políticos e sociais, que nossa formação escolástica desconhecera soberanamente (o próprio Pe. Lustosa, não obstante sua aguda sensibilidade histórica, ficara preso à miragem de um corporativismo anacrônico, que seduzira os “católicos sociais” entre a “Rerum Novarum” e a “Quadragesimo Anno”) e que a obra do Maritain dos anos 30 começara a revelar.

Com os ideólogos do Partido Comunista francês e com alguns “cristãos progressistas”, de outro com o Pe. Fessard, um dos heróis da nouvelle théologie. Só bem mais tarde no estudo direto de Marx,  a marca personalista estará doravante indelevelmente presente  – e na crítica – do marxismo.

Os maiores estímulos intelectuais desses anos de estudos teológicos em Roma vinham ainda dos horizontes da nouvelle théologie e, em particular, da obra do Pe. Henri de Lubac.

O problema do Sobrenatural era o grande e apaixonante problema, e essa afirmação soará como uma voz que chega de alguma remota pré-história aos ouvidos dos atuais teólogos da “morte de Deus”, da “revolução” ou da “festa”. 

A primeira leitura, com fremente e concentrada atenção, do Surnaturel do Pe. de Lubac. Sua dissertação para a conclusão do curso e obtenção da Licenciatura em Teologia teve como título “O problema da beatitude em Aristóteles e Santo Tomás” e foi uma releitura, com as chaves de interpretação oferecidas pelo Pe. de Lubac, da Ética a Nicômaco e das primeiras questões da Secunda Secundae, de S. Tomás.

Foi aceita com relutância, devo dizê-lo, pelo Pe. Boyer, Prefeito de estudos da Gregoriana. Meu companheiro inseparável desses anos de Roma, numa profunda fraternidade de inteligência e espírito, foi o Pe. Fernando Ávila.

Fernando Ávila é o mais perfeito humanista , e mesmo a sua obra posterior de pensador social e político mostra, na beleza clássica do estilo, no equilíbrio e na clareza das idéias, o humanista acabado dos anos de estudo e ensinamento de literatura latina e grega na Friburgo inesquecível dos anos 40.

A convivência com Fernando Ávila na paisagem winckelmaniana dos nossos quotidianos passeios vespertinos por Roma, de preferência para os lados do Foro romano e do Palatino, onde ele lembrava, entre as ruínas, de Virgílio e Horácio, era um convite permanente à volta a essa Antigüidade clássica para amar no quadro ideal (“alienado”, dir-se-ia hoje) do humanismo friburguense, guiados pela sensibilidade admirável do nosso mestre Pe. Armando Cardoso.

Terá sido por essa razão, e também porque a meditação do problema do sobrenatural no seu desenrolar histórico, tal como mostrava a obra do Pe. de Lubac.

Os “Diálogos” – os primeiros passos incertos no campo sem fim da bibliografia platônica. Quando, em 1950, seu curso para doutoramento em Filosofia na Gregoriana, algumas linhas de uma possível tese já estavam esboçadas e era uma tese sobre Platão.

 Teve, como orientador, um mestre lacônico mas seguro e imensamente bem informado, o Pe. René Amou. A tese, escrita em latim escolástico e que, à falta de outro, acabou recebendo o titulo meio barroco: Sobre a contemplação e a dialética nos diálogos de Platão, não passou, afinal, de um exercício de leitura, de um lado do texto de Platão, de outro da bibliografia platônica recente em torno do problema das relações entre intuição e dialética das Idéias. Em contraposição à tese propugnada pelo grande helenista A. J. Festugière na sua célebre obra: Contemplação e vida contemplativa segundo Platão, (1936) procurei, no entanto, acentuar o caráter profundamente intelectualista da contemplação platônica.

Num sentido em que já se podia perceber uma primeira e ainda indecisa influência hegeliana – mas a referência a Hegel aparece apenas nas últimas linhas da tese – buscou interpretar a nóesis em Platão como um resultado intrinsecamente ligado.

 Em 1953, volta ao Brasil e passa a ensinar na mesma Faculdade de Filosofia de Nova Friburgo, que deixara sete anos antes. Lá permanece por dez anos. As normas severas do exercício do magistério de Filosofia numa casa de estudos da Companhia de Jesus, ainda vigentes naquela época, tornam a história desses dez anos, do ponto de vista da atividade como professor, a crônica tranqüila das aulas em latim cuidadosamente preparadas na sua arquitetura de teses, demonstrações e refutações. Nos seus primeiros anos permaneceu ainda quase totalmente imerso no estudo de Platão.

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