Jesus, “o único Mediador” X a “Mediação de Maria e dos Santos”: um conflito inexistente segundo as Escrituras

CONFLITOS A PRIMEIRA VISTA

Muitos dos irmãos cristãos não-católicos creem que existem sérios “conflitos” entre as doutrinas bíblicas e a doutrina católica. Para a grande maioria, isto é algo evidente e que não admite nem sequer discussão: o ensino católico é claramente antibíblico e baseado em tradições humanas. Em razão disso, um cristão católico que tente explicar que na verdade não há contradição soa para muitos destes nossos irmãos como alguém “que quer tapar o sol com a peneira”.

Este artigo pretende – com o auxílio de Deus – mostrar que tais “conflitos” são aparentes, não reais. Muitas vezes católicos e não-católicos se encontram com passagens difíceis nas Escrituras, as quais tentam compreender à luz da Bíblia por inteiro, do contexto etc. Não podendo falar de todos os pontos doutrinários, pegaremos um, bastante importante, que nos servirá para esclarecer vários outros pontos; trata-se de uma passagem frequentemente apresentada aos católicos como antibíblica; refiro-me à passagem de 1Timóteo 2,5 (“porque há um só Deus, e também um só Mediador entre Deus e os homens: Cristo Jesus, homem”). Por acaso, esta passagem não exclui claramente a doutrina católica da mediação de Maria e dos Santos em favor dos fiéis? Com um pouco de paciência, veremos que a resposta, segundo as Escrituras, é: “Não!”

Neste artigo, entendo por “fundamentalista” um fiel em Cristo que afirma basear sua fé somente na Bíblia (ainda que sobre isto já demonstra bem o ditado popular: “Do dito ao feito há um longo caminho”), querendo com isso significar que tal irmão não ouvirá a Igreja, nem a pregação oral dos primeiros discípulos de Jesus (que posteriormente, foi em parte colocada por escrito), nem a nada neste mundo; ouvirá apenas ao que está escrito [na Bíblia] e nada mais, já que esta é a Palavra de Deus e [fora dela] não há nenhuma outra[1].

O tema que enfrentamos é interessantíssimo e bastante útil, não apenas para o versículo concreto de 1Timóteo 2,5, como também para entender melhor a mensagem evangélica em sua perspectiva real, evitando assim a superficialidade do estudo, os critérios carnais, as vãs discussões. Sem esta visão “profunda”, passaremos a vida citando versículos uns contra os outros, cada um interpretando ao seu modo cada palavra de Jesus, ou de Paulo, ou de João etc. – e a questão nunca irá acabar. A ideia que me faz escrever estas linhas é apenas uma: incentivar a reflexão. Quem é capaz de pensar sem preconceitos se abre à verdade, ainda que na prática – e sem saber – seja um de seus piores inimigos[2].

Visto que a ignorânca do autêntico ensinamento da Igreja seja, talvez, o principal motivo pelo qual muitos optam pelo fundamentalismo cristão, proponho-me também a ilustrar, tanto ao católico quanto ao não-católico, qual é verdadeiramente o ensinamento que professamos sobre a única mediação de Cristo, as mediações dos Santos e algumas outras doutrinas afins, sempre de um modo simples e breve[3].

DOIS MIL ANOS NÃO FORAM EM VÃO…

Mais de uma pessoa imagina que o Evangelho foi substancialmente corrompido na época imediatamente pós-Apostólica, mudando para a “longa noite católica” da salvação pelas obras, até que chegou um certo grupo de pessoas que voltou ao evangelismo puro, sem tradições humanas[4].

As coisas, no entanto, não são assim tão simples. Não vou agora apresentar a História da Igreja ou da Teologia, mas me seja permitido lembrar que todas as dificuldades que existem nas Escrituras e todas as possíveis interpretações já foram consideradas durante o decorrer dos séculos, por milhares de fiéis, sob as mais diversas interpretações; isto é notório. Porém, é importante saber que não somos fungos que surgem após a chuva, mas fazemos parte de um corpo, temos antepassados na Fé, pessoas também iluminadas pelo Espírito Santo. Sobre cada palavra do Evangelho sobrevivem ainda milhares de homilias, controvérsias, reflexões… E há milhares e milhares de vidas vividas na Fé e em resposta às palavras das Escrituras, a ponto de derramar o próprio sangue. Não nos achamos os únicos, nem os primeiros, nem os melhores!

Dentre as milhares de coisas que podemos aprender com os cristãos que viveram antes de nós, e que dedicaram suas vidas pelo conhecimento e interpretação das Escrituras, nos sirvam, neste artigo, dois conceitos básicos, a saber: a noção de “analogia” e a de “participação”; estas duas palavras nos levarão pela mão para compreendermos tantas aparentes “contradições” nas Escrituras – em especial, o nosso tema do “único Mediador”[5].

Segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola (1992), “analogia” é “a relação de semelhança entre coisas diferentes”. Para o substantivo “participação”, o Dicionário remete ao verbo “participar”, que é definido como “tomar parte em alguma coisa; receber uma parte de algo; compartilhar; ter as mesmas ideias e opiniões, etc. que outra pessoa. Muito usado com a preposição ‘de'”.

Estes conceitos, em sua simplicidade, são de fundamental importância para o nosso tema. A realidade destas noções irá surgir mais claramente durante a aplicação que faremos delas em diversas passagens “conflitantes”.

Faremos assim: enunciaremos uma passagem ou diversas passagens bíblicas onde são enxergadas “contradições”; a seguir veremos como, aplicando as noções acima apontadas, a aparente contradição desaparece. Seria um truque para que a Bíblia viesse a coincidir com o ensinamento católico? O leitor decidirá por si mesmo…

JESUS, ÚNICO FUNDAMENTO

A Escritura ensina que:

a) Cristo é o único fundamento e ninguém pode colocar nenhum outro (1Coríntios 3,11).

porém, ensina também que:

b) Os Apóstolos são o fundamento (Efésios 2,20).

Em ambos os textos, emprega-se a mesma palavra (em grego: “zemelion”), referindo-se ao fundamento dos cristãos em ambos os casos.

Como isso parece ser contraditório, um dos meus amigos evangélicos disse que em Efésios 2,20 deveríamos ler assim: “O fundamento que os Apóstolos colocaram etc.”, isto é, “fundamento” aqui seria “Jesus” e não os Apóstolos. Então, deste modo, não haveria oposição. Esta solução, a partir do ponto de vista gramatical, não é viável (falta um “também” que sustente a proposta do mencionado comentarista; o texto diz “sendo Cristo a pedra angular” (e não “sendo Cristo também a pedra angular”); e sobretudo porque rompe com a imagem usada por Paulo. Com efeito, no texto em questão, Cristo é apresentado como “pedra angular” (em grego “akrogoniaios”). Pedra angular é a pedra que finaliza uma construção, que é colocada ao término da mesma para travar e segurar todo o edifício; não se trata de uma pedra colocada na base da construção. Lendo Efésios 2,20 com a interpretação pretendida pelo citado cristão evangélico, ficaríamos com uma imagem totalmente deformada; o texto ficaria assim: “Fostes edificados sobre a base colocada pelos Apóstolos e pelos Profetas, isto é, sobre Cristo, sendo Cristo também a pedra angular”. Porém, a ideia de Paulo é falar que cada um é parte de um edifício, no qual Cristo ocupa o lugar principal e não todos os lugares! Pelo contrário, a imagem faz sentido se é atribuído aos Apóstolos e Profetas o ser “fundamento” [=base], e a Cristo o ser “pedra angular”, como apontam todas as traduções[6]. Esta ideia dos Apóstolos como fundamento é confirmada também por Apocalipse 21,14.

De onde vem esta interpretação – digamos “forçada” – que o meu amigo evangélico quis impor? Do desejo de solucionar um “conflito”, porém sem usar os meios adequados para fazê-lo. Explico: para ele, as duas passagem “se opõem” (como Cristo pode ser o único fundamento e, ao mesmo tempo, também os Apóstolos?). E explica o problema alterando o texto através de uma tradução que desvirtua e inutiliza a imagem. Isso não é uma boa exegese. Ele justifica essa tradução porque afirma que a Palavra de Deus não pode se opor a si mesma: e se a Palavra de Deus ensina que Jesus é o único fundamento, então não pode agora a Palavra de Deus afirmar que os Apóstolos são o fundamento…

Qual é a solução? Efésios 2,20 realmente se opõe a 1Coríntios 3,11 se tomarmos os Apóstolos como fundamento? A resposta, segundo a doutrina católica é: “não”! Cristo é o fundamento; e os Apóstolos e Profetas participam desse ofício de Jesus de ser fundamento. Não são fundamentos “paralelos” a Jesus mas, “em Jesus”, são também eles fundamento. A expressão grega “en Xristó” (“em Cristo”) aparece nos escritos de Paulo cerca de 80 vezes. O que significa “em Cristo”? Trata-se de uma banalidade, de uma expressão paulina sem sentido?

Para terminar este ponto, recordemos que o Novo Testamento também chama “fundamento” (em sentido espiritual, como nos dois textos estudados) ao “arrependimento de obras mortas” (Hebreus 6,1), às “boas obras” (1Timóteo 6,18-19) e à “pregação evangélica” (Romanos 5,20). Particularmente notável é 1Timóteo 3,15, onde a Igreja é chamada de “coluna e fundamento da verdade”[7].

JESUS, ÚNICO PASTOR

A Escritura ensina que:

a) Jesus é o grande pastor das nossas almas (Hebreus 13,17.20; 1Pedro 2,25; João 10,11.14.16). Em 1Pedro 5,4, Ele é chamado “Pastor principal” ou “Pastor dos pastores” (em grego, “arjipoimenos”). Não creio que seja errado afirmar que os cristãos têm um só Pastor, que é Jesus.

porém, a Escritura também ensina que:

b) Existem outros homens que também são pastores (Efésios 4,11).

Logo, quem é o pastor? Jesus ou algum outro? Quando Paulo fala dos “pastores” em Efésios 4,11 (em grego, “poimenas”), está prejudicando Jesus como único Pastor? Quando em Atos 20,28 Paulo exorta aos presbíteros da Igreja para pastorear o rebanho, por acaso ele se esqueceu que Jesus é “o Pastor”? Ou o próprio Jesus se esqueceu disso quando disse a Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (João 21,15-17)?

Não! Nem Jesus, nem Pedro, nem Paulo, nem João se esqueceram disso, pois sabiam perfeitamente que Jesus queria compartilhar o ofício de ser “pastor das nossas almas”, “participar” isso aos demais, assim como queria que “participássemos” dos Seus sofrimentos (1Pedro 4,13). Jesus é “o Pastor”; os demais são “pastores por participação”. Notemos que sem este conceito de participação, todas essas passagens trariam uma “contradição” insuperável, como se dá aliás nas passagens que veremos a seguir.

JESUS, ÚNICO MESTRE

A Escritura ensina que:

a) Jesus é o único Mestre e ninguém mais deve receber esse título (Mateus 23,8.10; João 13,13);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) Paulo chamava-se a si mesmo, com toda razão, “mestre” (1Timóteo 2,7; 2Timóteo 1,11) e na Igreja sempre existiram muitos “mestres” designados pelo próprio Espírito Santo (Efésios 4,11).

Então, como pode Jesus dizer que não se deve chamar ninguém de “mestre” e, depois, Paulo chama-se “mestre” a si mesmo e com toda liberdade, como se Jesus jamais tivesse dito algo? E os primeiros cristãos que chamavam alguns homens de “mestres”? O que aconteceu com a proibição de Jesus? Será que a “corrupção da mensagem evangélica com os dogmas humanos da Igreja Católica” já tinham ocorrido naquelas [primeiríssimas] comunidades cristãs?

JESUS, ÚNICO BISPO

A Escritura ensina que:

a) Jesus é o Bispo (em grego, “episcopos”) das nossas almas (1Pedro 2,25);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) Deus estabeleceu algumas pessoas como bispos dos fiéis (Atos 20,28; Filipenses 1,1).

Com o que dissemos até aqui, creio que já não é necessário abundar nas palavras… Os “bispos” assim o são por analogia, ou seja, partícipes do “bispado” de Jesus, que é o Bispo absoluto e de onde provém todo bispado. Que alguém seja “bispo” não quer dizer que esteja roubando o posto de Jesus; se é bispo, o é “NO” único Bispo das nossas almas: Jesus. Não há conflito; há participação em um ofício.

DEUS, ÚNICO PAI

A Escritura ensina que:

a) Não se pode chamar ninguém no mundo de “Pai”, mas apenas Deus (Mateus 23,9);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) Paulo se apresenta como “pai” (1Coríntios 4,15) e chama Abraão de “pai de todos nós” (segundo o contexto, refere-se a judeus e gregos, isto é, paternidade espiritual, exatamente o que fôra “proibido” por Jesus em Mateus 23).

Entendemos as palavras de Jesus como referentes aos “pais espirituais”, já que se as tomarmos literalmente não poderíamos chamar nossos pais de “papai” etc. Mas deixemos isso de lado…

Porém, mesmo no plano espiritual, nos encontramos mais uma vez diante de um falso “conflito”, muitas vezes lançado contra os católicos. O conhecido refrão soa mais ou menos assim: “Mateus 23,9 proíbe que chamemos de ‘pai’ a qualquer pessoa no mundo, mas os católicos chamam seus sacerdortes de ‘padres’ (=’pais’). Mais claro, impossível! Eis aí mais uma vez a doutrina antibíblica dos católicos!”

Porém, os Apóstolos não pensavam assim. Muitos cristãos fundamentalistas enxergam a árvore mas ignoram o bosque[8], pois para os Apóstolos não havia oposição excludente entre Deus-Pai e o Apóstolo-Pai; tampouco há qualquer oposição para a Igreja. A Igreja Católica é livre e isto nem todos entendem. E continuará gozando dessa liberdade que provém do Espírito; isto já era considerado por Paulo:

– “No entanto, nem sequer Tito, que estava comigo, sendo grego, foi obrigado a circuncidar-se, apesar dos falsos irmãos que se infiltraram secretamente para espiar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus, a fim de nos reduzir à escravidão. Nem por um momento nos submetemos a eles, para que a verdade do Evangelho permanecesse a vosso favor” (Gálatas 2,3-5).

“Nem por um momento”, afirma Paulo. Paulo possuía uma mente imensa, universal, aberta; não era hipócrita e nem queria aparecer como o perfeito cumpridor de novas leis. Para ele, Cristo era tudo: sua vida, sua pregação, seus pensamentos, seus sentimentos… Não iria ele mesmo se chamar também de “pai” dos que “deu à luz com dores de parto” (Gálatas 4,19)? Cristo, que o tinha chamado para completar o que faltava em Sua paixão em benefício da Sua Igreja (cf. Colossenses 1,24), recriminaria Paulo por se apresentar abertamente como “pai” daqueles que o ouviam? Deus-Pai se ofenderia diante deste magnífico exemplo de paternidade espiritual, imagem (embora opaca, sem dúvida) da paternidade de Deus? Paulo não participava da paternidade divina “gerando” (em grego, “gennao”, que significa “tornar-se pai por ter gerado”) novos filhos para o Evangelho (1Coríntios 4,15)?

Resumindo: Paulo se apresenta como “pai” dos seus ouvintes. Podemos recordar aqui, particulamente, 1Coríntios 4,15:

– “Pois ainda que tenhais mil pedagogos em Cristo, no entanto não tendes muitos pais, porque em Cristo Jesus eu vos gerei através do Evangelho”.

Em Romanos 4,16, Paulo chama Abraão de “pai de todos nós”, referindo-se aos judeus que creram e aos gentios que também creram (veja o contexto!), de forma que se trata de uma paternidade espiritual, como aquela que se diz na Santa Missa: “nosso pai Abraão”. Pois bem: tratava-se precisamente desta paternidade em Mateus 23,9, quando Jesus disse: “Não chameis ninguém no mundo de ‘pai'”. Paulo não teria entendido a mensagem de Jesus?

Uma explicação nas mesmas Escrituras encontramos em um outro texto do Apóstolo; em Efésios 3,14-15, Paulo proclama: “Dobro os meus joelhos diante do Pai, de quem toma nome toda paternidade (=”patria”, em grego) nos céus e na terra”. O substitantivo grego “patria”, às vezes traduzido como “família”, provém da raiz “patros”, isto é, “pai”. Não é isto, na verdade, o que Jesus queria dizer em Mateus (e não que evitássemos “designar” alguém com a palavra “pai”)? Se Paulo fala de uma “paternidade” que provém de Deus, é errado reconhecer essa paternidade nas pessoas, chamando-as de “pai”, como fazem os católicos? Ou por acaso devemos reconhecer que “toda paternidade provém de Deus”, mas… não podemos designá-la?!? Isto estaria muito próximo do farisaísmo! Talvez Jesus não estivesse ensinando que, se existe paternidade no mundo, esta provém exclusivamente de Deus?

Deus é Pai e, “em Deus”, Paulo é pai. E se assim o é, não há razão para se abster, levado por neolegalismo veterotestamentário, de chamá-lo de “pai”. É chamado de “pai” por analogia com Deus-Pai, por participação no seu gerar filhos. Em 1Tessalonicenses 2,11, Paulo afirma que se comportou com os tessalonicenses “como um pai em relação aos seus filhos”; estaria ele roubando descaradamente a glória de Deus, único Pai?[9]

O grande conhecedor das Escrituras e da História da Igreja, Tomas Spidlik, explica a nossa participação na paternidade divina desta forma:[10]

– “O caráter paterno de Deus é tão perfeito que encerra um valor absoluto, como todas as Suas qualidades divinas. Por isso, Jesus nos adverte: ‘Não chameis ninguém no mundo de ‘pai’, porque apenas um é o vosso Pai: Aquele que está no céu’ (Mateus 23,9). Por outro lado, porém, os valores absolutos de Deus nos tem sido comunicados pelo dom do Espírito Santo, razão pela qual fomos convidados a ‘ser perfeitos como o nosso Pai celeste é perfeito’ (Mateus 5,48). A paternidade divina se reflete, de algum modo, na imagem, e particularmente nos Santos, destinados a ter discípulos-filhos e, em geral, na ‘maternidade’ da Igreja (…) A vida do Espírito inicia-se com o Batismo; portanto, o sacerdote que batiza é ‘pai’, assim como aquele que reconcilia com Deus e nutre a vida com a Eucaristia. Pais também são os bispos, aos quais se confia a vida da Igreja, que guardam a reta doutrina nos Concílios Ecumênicos e ordenam sacerdotes”.

Por estes motivos, os católicos chamam os seus sacerdotes de “padres”, que os geraram para Deus no batismo, lhes expuseram a Fé (cf. Hebreus 13,7) e os alimentam com o “Pão da vida” na Eucaristia. Concordo que para isso se exige muita liberdade.

DEUS, ÚNICO JUIZ

A Escritura ensina que:

a) Deus é o único Juiz (Salmo 50,6; 75,7; Hebreus 12,23);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) Os cristãos serão juízes (Mateus 19,18; Lucas 22,30; 1Coríntios 6,2-3).

Ou seja, Deus é o único que pode julgar (e isto está bem claro por toda a Escritura), mas por Sua decisão, quis participar desse poder aos fieís. Quem julgará o mundo? Deus ou os fiéis? É uma falsa dicotomia: Deus julgará e também os fiéis julgarão.

DEUS, ÚNICO SANTO

A Escritura ensina que:

a) Deus é o único Santo (Apocalipse 15,4; em grego, “hosios”);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) O bispo deve ser santo (Tito 1,8; em grego, “hosios”).

Obviamente, a santidade que se espera no bispo não é uma santidade paralela à de Deus, mas trata-se de uma participação na única santidade de Deus, e ninguém imagina que se esteja atribuindo a um homem uma qualidade exclusiva de Deus. Porém, a questão é que Apocalipse 15,4 afirma que só Deus é santo, de forma que aqui temos um outro exemplo de como algo é atribuído exclusivamente a Deus e, depois, é atribuído ou esperado também de um ser humano.

DEUS, ÚNICO DEUS

A Escritura ensina que:

a) Hà um só Deus (da primeira até a última página [da Bíblia]);

porém, [a Escritura] também ensina que:

b) “Vós todos sois deuses” (João 10,34, onde Jesus cita o Salmo 82,6 [no Texto Massorético, “Elohim atem”; na Septuaginta “zeoi este”; também usado analogicamente em Êxodo 7,1]).

Jesus emprega esta passagem do Salmo em seu sentido mais primigênio, fazendo ver aos que o acusavam de “fazer-se Deus”, que as Escrituras (inerrantes) ensinavam que nós “somos deuses”.

O que se deve repisar aqui é a liberdade de Jesus (e, antes Dele, a do Salmista) para atribuir aos homens a natureza divina, ao menos em um certo sentido. Mas como isso? Mais uma vez… por participação! Mas trata-se apenas de uma citação isolada e sem importância… Não deve ser tomada de maneira exclusivamente figurada? De modo algum! É mais uma das principais pedras do edifício teológico que viria depois. Depois quando? Certamente não com os Concílios e dogmas da Igreja, mas com a pregação dos Apóstolos. Assim, 2Pedro 1,4: “Nos foram dadas promessas preciosas e grandiosas, para que por elas sejais feitos partícipes da natureza divina”.

Participação da natureza divina! Vemos aqui o que é “participação”: é, na verdade, um conceito bíblico muito importante. O que mais nos resta do que participar de Deus? Se fomos feitos partícipes da natureza divina (como um ser humano gera outro ser humano da mesma natureza), nos surpreenderia que Deus, em Jesus, nos fez partícipes de tudo o mais?

OUTROS ASPECTOS BÍBLICOS DA PARTICIPAÇÃO

Não queremos estender desnecessariamente o artigo, que já tratou o problema substanciamente. Mas mencionaremos aqui alguns outros aspectos (há mais!) nos quais se enxerga o desejo de Jesus de compartilhar tudo conosco (Sua pessoa, Seu ofício, Sua vida, Seus ideais) e que, ao fazê-lo, não só não Se rebaixa ou Se empobrece, como também demonstra o Seu poder, a Sua força, a Sua sabedoria, os Seus planos de misericórdia.

– Jesus é a Luz do mundo (João 8,12), mas Seus discípulos também o são (Mateus 5,14);

– Deus é o único Bom (Lucas 18,19), mas as pessoas também são boas (1Pedro 2,18; 4,10; etc.);

– Deus é o único Sábio (Romanos 16,27), mas os homens também o são (Romanos 16,19; Mateus 23,24; etc.);

– Jesus é, claramente, nosso único Sacerdote (toda a carta aos Hebreus), mas nós também o somos (Apocalipse 1,6; 5,10; 20,6).

– Para os cristãos existe um único Sacrifício: o de Jesus (Hebreus 10,12); mas nós também devemos oferecer “sacrifícios” (Filipenses 2,17; Romanos 12,1; Hebreus 13,15).

– A paixão de Cristo é suficiente para a nossa salvação (todo o Novo Testamento), mas Paulo afirma: “Completo em minha carne o que falta à paixão de Cristo em favor do Seu corpo, que é a Igreja” (Colossenses 1,24)[11].

– Apenas Deus perdoa os pecados (isto está por toda a Bíblia), mas também os Apóstolos (João 20,23).

– Deus é o único Justo e não existe nenhum justo entre os homens, nem tão somente um (Romanos 3,10); porém, 1Timóteo 1,9 e 2Pedro 2,7-8 falam dos justos em geral e em particular (Lot). Somente se aplicarmos o conceito de “analogia” poderemos explicar esta aparente contradição: Deus é o único Justo, porém, analogamente e por participação, também o são aqueles que Nele creem, etc.

É claro que muitos leitores não-católicos tentarão explicar [de outras formas] cada um destes aparentes conflitos… Muito bem! Também nós afirmamos que não há um conflito real nestas “contradições”. Mas a questão é: farão o mesmo esforço para explicar o suposto conflito do “único Mediador x mediação dos fiéis”? Estarão dispostos a enxergar que na verdade não há qualquer oposição aqui, assim como estão dispostos a não enxergar qualquer oposição nas demais passagens bíblicas que, em princípio, parecem “evidentemente” contraditórias?[12]

A todas estas manifestações e ofícios de Jesus, que Ele quis compartilhar conosco, poderíamos aplicar a expressão de Yves Simoens, comentando o caráter esponsal de Jesus: “Cristo é, sim, o único Esposo, mas não em esplêndido isolamento”[13]. Com efeito, Cristo é a única Luz do mundo, o único Sacerdote, o único Mediador… “mas não em esplêndido isolamento”. Poderia ter sido, é óbvio, mas Seus planos foram outros: quis tornar-nos partícipes da Sua vida e da Sua missão.

Tendo já indicado as chaves para uma justa interpretação, vamos agora abordar concretamente o assunto que deu motivo ao presente trabalho, a saber: 1Timóteo 2,5; ou seja: nós não podemos ser, “em Cristo”, mediadores entre Deus e os homens, assim como também “em Cristo” somos “deuses”, “pais”, “justos”, “mestres”, “luz do mundo”, “bispos”, “fundamento” etc. etc. etc? E mais: não só devemos nos perguntar se “podemos” nos chamar e ser “mediadores”, como também se não é o caso de “devemos sê-lo”… Tudo depende do plano de Deus, da Sua vontade e não do que nos parece particularmente.

CRISTO, ÚNICO MEDIADOR ENTRE DEUS E OS HOMENS

Antes de mais nada, o que é “ser mediador”? Mais uma vez, nos socorreremos do Dicionário da Real Academia Espanhola: “mediar” é, segundo essa fonte, “interceder ou rogar por alguém; interpor-se entre duas ou mais pessoas que brigam ou contendem, procurando reconciliá-las e uni-las em amizade; haver ou estar uma coisa no meio de outras”. O vocábulo em si não gera grande dificuldade e normalmente pode ser entendido “logo de cara”: “mediador” é quem está entre duas ou mais pessoas, oferecendo a sua própria pessoa como ponte entre elas, sobretudo se estas estão em conflito.

A palavra empregada por 1Timóteo 2,5 é “mesités”, que fora deste texto aparece, no Novo Testamento grego, em Gálatas 3,19-20; Hebreus 8,6; 9,15; 12,24. Nas passagens de Hebreus, o vocábulo sempre aparece ao lado de “Aliança”: Jesus é “o mediador da Nova Aliança”, em contra-oposição a Moisés e os Anjos, mediadores da Antiga Aliança.

É interessante a presença da palavra “homem” na formulação de Paulo: o único Mediador entre Deus e os homens é “o homem Cristo Jesus”: é precisamente como homem que Jesus é capaz de interceder por nós. Esta observação de Paulo foi entendida por alguns como querendo excluir a Igreja do ofício da mediação; em outras palavras: “Cristo é a cabeça do corpo, que é a Igreja” (Colossenses 1,18), porém, Seu ofício de Mediador pertence apenas a Ele como homem, não como cabeça do corpo. O que dizer desta leitura?

Na minha opinião, estamos diante de uma exegese que não dá margem a dúvidas… Devemos nos perguntar: era essa a ideia de Paulo? Quando ele escreveu em sua carta que o único mediador é “o homem Cristo Jesus” pretendia com isso excluir a Igreja desse ofício? Consultando diversos comentaristas, tanto protestantes quanto católicos, todos coincidem nisto: o que Paulo quer sublinhar ao usar o termo “homem” é que Jesus é verdadeiramente homem, ao contrário do que sustentavam os hereges docetas[14] – ou seja, que Jesus teria aparência humana mas não era verdadeiramente homem. O que Paulo está sublinhando é que Jesus, verdadeiramente homem e não só aparentemente, é o mediador entre Deus e os homens. Não há motivo algum – nem no texto nem no contexto – para interpretá-lo em contra-oposição à Igreja, a não ser por motivos “fundamentalistas”, isto é, querer excluir a doutrina da participação da Igreja no ofício mediador de Jesus. Vejamos alguns comentaristas:

B. Witherington III explica assim a presença do termo “homem” em 1Timóteo 2,5[15]:

– “O que Paulo quer dizer quando afirma que a graça vem até nós – assim como a ressurreição e a reconciliação – através de um homem? O pecado era um problema humano que podia ser resolvido a favor da humanidade apenas através de um ser humano. Alguns podem imaginar que a eficácia da salvação da humanidade se deve a Jesus como ser divino; ao contrário, Paulo quer aqui acentuar o inverso: se Jesus não fosse verdadeiro homem, a humanidade não teria recebido a graça, a ressurreição ou – como Colossenses e Efésios fazem notar – a reconciliação. De fato, o evento extraordinário é precisamente que o homem Jesus morreu e ressuscitou; Deus, prescindindo do mistério da encarnação, não estaria sujeito à morte (…) Resumindo: para que a salvação chegasse aos homens e os resgatasse, devia ser mediada por alguém que compartilhasse a humanidade”.

O “Vocabulário de Teologia Bíblica”, de Xavier Leon-Dufour[16], entre muitas outras considerações, faz este comentário sobre o vocábulo “mediador”:

– “Que Cristo seja o único mediador não significa que tenha encerrado o papel dos homens na História da Salvação. A mediação de Jesus reveste aqui [na terra] de sinais sensíveis: são aos homens que Jesus confia uma função para com a Sua Igreja; inclusive na vida eterna Jesus Cristo associa, de certa maneira, à Sua mediação os membros do Seu corpo que ingressaram na glória (…) Aqueles que desempenham [as funções dos Apóstolos durante a História da Igreja] não são, propriamente falando, intermediários humanos com uma missão idêntica a dos mediadores do Antigo Testamento; não somam uma nova mediação à do único Mediador; não são senão os meios concretos utilizados por Este para chegar aos homens (…) Evidentemente, esta função acaba quando os membros do corpo de Cristo se reunirem com a sua cabeça, na Sua glória. No entanto, no tocante aos membros da Igreja que combatem ainda na terra, os cristãos vencedores exercem todavia uma função de outra índole: associados à realeza de Cristo (Apocalipse 2,26-27; 3,21; cf. 12,5; 19,15), que é um aspecto da Sua função mediadora, apresentam a Deus as orações dos santos daqui de baixo (Apocalipse 5,8; 11,18), que são um dos fatores do término da História”.

Comentando o rol dos “sacerdotes” no livro do Apocalipse, os comentaristas tampouco deixam de chamar os cristãos de “mediadores”, já que o ofício sacerdotal, explicitamente atribuído aos fiéis em Jesus (cf. Apocalipse 1,6; 5,10; 20,6), não é outra coisa senão um ofício de mediação entre Deus e os homens. Citamos alguns exemplos:

– “Os cristãos compartilham a autoridade do Rei dos reis, constituindo-se em mediadores sacerdotais no mundo da humanidade”[17].

– “O grego ‘hieréis’ – ‘sacerdotes’ – aparece em oposição a ‘basiléian’ – ‘reino’ – e sublinha o rol mediador dos fiéis em sua consagração ao serviço de Deus”[18].

– “Os membros do novo Israel, em razão da sua incorporação pelo Batismo a Cristo, Sacerdote e Rei (cf. Êxodo 19,6; Isaías 61,6; 1Pedro 2,9) se convertem também eles em mediadores da Nova Aliança”[19].

Como se vê, não estamos inventando uma interpretação para justificar tradições humanas; muita gente, conhecedora do texto bíblico e da vida cristã, afirma que as Escrituras ensinam que os cristãos são mediadores, por participar do ofício sacerdotal, profético e real de Jesus Cristo.

O OFÍCIO PRÓPRIO DO MEDIADOR

Se podemos atribuir a um mediador um ofício que lhe seja próprio, que realmente o defina como mediador, acredito que todos concordarão que tal ofício é o da intercessão a favor de alguém. Recordemos que o dicionário nos fornecia, para o verbo “mediar”, a definição de “interceder ou rogar por alguém”.

Nas Escrituras, Cristo aparece como nosso grande intercessor (grego para “interceder”: “entujano”), assim como também o Espírito Santo. Em relação a Jesus, Romanos 8,34 é um texto particularmente forte:

– “Quem é que condena? Cristo Jesus foi quem morreu, sim; mais ainda: [Jesus foi] quem ressuscitou, e também está à direita de Deus, e também é quem intercede (=’entujanei’) por nós”.

Não menos forte e belo é Hebreus 7,25:

– “Pelo qual Ele (=Jesus) também é poderoso para salvar para sempre os que, por meio Dele, se aproximam de Deus, visto que vive perpetuamente para interceder (=’entujanein’) por eles”.

De modo que é claro que Jesus “intercede” por nós, ofício que é próprio do mediador e o faz neste mesmo momento em que escrevo estas palavras ou enquanto o caro leitor as lê. Pois bem: segundo as Escrituras, Jesus é o único que intercede por nós?

Deixando de lado o ofício do Espírito Santo, apresentado, como vimos, como intercessor, encontramos na Palavra de Deus que os homens também são intercessores diante de Deus em favor dos seus irmãos[20]. Vejamos algumas passagens, sabendo que existem muitas outras com conteúdo semelhante.

Paulo não duvida em expressar sua oração pelos seus irmãos hebreus e pelos fiéis:

– “Irmãos: o desejo do meu coração e a minha oração a Deus por eles (=os hebreus) é para a sua salvação” (Romanos 10,1).

– “Enquanto que também eles (=os demais fiéis), mediante a oração a vosso favor, demonstram seu anseio por vós devido à sobreabundante graça de Deus em vós” (2Coríntios 9,14).

– “Com toda oração e súplica, orai o tempo todo no Espírito, e assim, velai com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Efésios 6,18).

– “Portanto, confessai os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros para que sejais curados. A oração eficaz do justo pode alcançar muitas coisas” (Tiago 5,16).

Pois bem: o que é orar em favor de alguém senão interceder por ele?

Paulo ordena orar uns pelos outros:

– “Eu vos rogo, irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo e pelo amor do Espírito, que vos esforceis juntamente comigo em vossas orações a Deus por mim” (Romanos 15,30).

E no contexto do nosso versículo (1Timóteo 2,5), encontramos esta ordem de Paulo:

– “Eu vos exorto, portanto: diante de tudo, façam-se rogativas, orações, intercessões (em grego, ‘enteuxeis’; de ‘entjuno’, ‘interceder’) e ações de graças por todos os homens” (1Timóteo 2,1).

Notemos que nesta passagem Paulo emprega a mesma palavra (substantivada: “enteuxeis”, “intercessões”) usada em Hebreus para dizer que Jesus está sempre vivo para “interceder” (“entunjanein”) por nós. Pensemos um pouco: se Jesus está intercedendo por mim neste momento, para que servem então as “intercessões” pedidas por Paulo? Não são detalhes acidentais e de pouca importância, como podemos ver…

Poderíamos pensar também no conceito paulino de “embaixadores de Cristo” de 2Coríntios 5,20. O que é um embaixador senão um mediador entre o “rei” e os demais? Jesus tem necessidade de embaixadores-mediadores entre Ele e nós? Muitos cristãos não-católicos martelam sobre este ponto, a saber: que eles se dirigem diretamente a Cristo, ao contrário de nós que o fazemos “por mediação de outros” (por Maria, pelos Santos). Mas então, para que “embaixadores de Cristo”? Jesus não poderia comunicar-Se diretamente conosco, ou então usar os seus Anjos? Independente do que cada um explique, há uma verdade profunda, que é esta que tentamos deixar bem nítida: a única mediação de Jesus não deve ser entendida no sentido que muitos cristãos não-católicos entendem, a saber, negando a possibilidade e, inclusive, a necessidade de que todos intercedem e medeiam uns pelos outros diante do nosso Pai celeste.

Deixando Paulo de lado, possuímos um belíssimo texto da Igreja que intercede por Pedro na prisão, como lemos no capítulo 12 dos Atos dos Apóstolos. Pedro era mantido no cárcere, mas a Igreja elevava a Deus fervorosa oração por Pedro (Atos 12,5).

Era insuficiente a intercessão de Jesus por Pedro? Por que os cristãos também oravam por ele? Conhecemos a resposta: a intercessão de Jesus não exclui outras intercessões, mas, ao contrário, as supõe, já que Ele quis tornar-nos partícipes da Sua obra salvadora, ou seja, do Seu ofício de mediador.

No livro do Apocalipse observamos a presença das orações dos santos, apresentadas a Deus por outros intermediários, os Anjos:

– “Outro Anjo veio e se deteve diante do altar com um incensário de ouro; e lhe foi dado muito incenso para que o acrescentasse às orações de todos os Santos sobre o altar de ouro que estava diante do trono. E da mão do Anjo subiu, diante de Deus, a fumaça do incenso com as orações dos Santos” (Apocalipse 8,3-4).

Qual é o papel das orações dos Santos? Trata-se de algo superficial ou são necessárias?

Haveria muitas passagens para comentar, mas nos deteremos aqui. Atingido este ponto, o fiel não-católico deve fazer a reflexão: como pode Jesus, sempre vivo para interceder por nós, aceitar outros intercessores, sejam eles homens ou anjos? Por acaso a intercessão de Jesus é insuficiente? Para que servem as orações de Paulo ou dos Santos ou de qualquer fiel em favor dos seus irmãos? O que a oração do justo acrescenta à oração de Jesus em nosso favor? Por acaso não é totalmente inútil – e até blasfemo – interceder por um irmão diante de Deus, já que Jesus está, sempre vivo, intercedendo por nós (cf. Hebreus 7,25)?

ENTÃO, O QUE SIGNIFICA NA VERDADE A UNICIDADE DE CRISTO COMO MEDIADOR?

A esta altura, alguém pode se perguntar: “Mas então, em que consiste a sentença paulina que declara Cristo como ÚNICO Mediador entre Deus e os homens? Será que este ‘discurso católico’ não faz outra coisa senão anular a Palavra de Deus? Ora, a Palavra diz que Jesus é o único Mediador; então, por que não aceitar isso tal como está claramente escrito e assim basta?”

A resposta para a 2ª Parte dessa pergunta encontra-se em tudo o que dissemos até agora: a unicidade de Cristo – como vimos – não exclui a nossa participação na Sua obra salvadora. E vimos isto na própria Palavra de Deus!

Para que ninguém tenha a mínima dúvida, fique bem claro ao leitor que JESUS É O ÚNICO MEDIADOR e não há nenhum outro nome embaixo do céu pelo qual os homens possam ser salvos (cf. Atos 4,12).

Ao que se refere, portanto, 1Timóteo 2,5? O que Paulo queria deixar bem claro?

O contexto explica o verdadeiro significado da expressão: excluem-se outros caminhos, outros sacrifícios salvíficos, outros sistemas de salvação que não sejam Ele.

Cito aqui alguns parágrafos do documento “Dominus Iesus”, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, que fala precisamente tudo acerca deste tema! Peço que o leitor leia estas linhas com atenção e me diga depois se a Igreja Católica não afirma a exclusividade da mediação de Cristo, e em qual sentido o afirma:

– “Também é frequente a tese que nega a unicidade e a universalidade salvífica do mistério de Jesus Cristo. Esta posição não tem qualquer fundamento bíblico. Com efeito, deve ser firmemente crido, como dado perene da fé da Igreja, a proclamação de Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor e único Salvador, que no seu evento de encarnação, morte e ressurreição cumpriu a História da Salvação, que tem Nele a sua plenitude e o seu centro.

Os testemunhos neotestamentários o certificam claramente: ‘O Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo’ (1João 4,14); ‘Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (João 1,29). Em seu discurso diante do Sinédrio, Pedro, visando justificar a cura do aleijado de nascença realizada em nome de Jesus (cf. Atos 3,1-8), proclama: ‘Porque não há sob o céu outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos’ (Atos 4,12). O mesmo Apóstolo acrescenta ainda que ‘Jesus Cristo é o Senhor de todos’; ‘é constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos’; pelo qual ‘todo que crê Nele alcança, por seu nome, o perdão dos pecados’ (Atos 10,36.42-43).

Paulo, dirigindo-se à comunidade de Corinto, escreve: ‘Pois ainda que se lhes deem o nome de ‘deuses’, quer no céu quer na terra, de modo que haveria uma multidão de deuses e senhores, para nós não há senão um só Deus, o Pai, do qual procedem todas as coisas e para o qual somos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem são todas as coisas e pelo qual nós somos’ (1Coríntios 8,5-6). O Apóstolo João também afirma: ‘Porque Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho único, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha vida eterna; porque Deus não enviou seu Filho para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele’ (João 3,16-17). No Novo Testamento, a vontade salvífica universal de Deus está estreitamente conectada com a única mediação de Cristo: ‘[Deus] quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento pleno da verdade, porque há um só Deus, e também um só Mediador entre Deus e os homens: Cristo Jesus, homem também, que Se entregou a Si mesmo como resgate por todos’ (1Timóteo 2,4-6).

Baseados nesta consciência do dom da salvação, único e universal, oferecido pelo Pai através de Jesus Cristo no Espírito Santo (cf. Efésios 1,3-14), os primeiros cristãos se dirigiram a Israel demonstrando que o cumprimento da salvação ia além da Lei; e depois afrontaram o mundo pagão de então, que aspirava à salvação mediante uma pluralidade de deuses salvadores. Este patrimônio da fé foi proposto mais uma vez pelo Magistério da Igreja: ‘A Igreja crê que Cristo, morto e ressuscitado por todos (cf. 2Coríntios 5,15), concede ao homem Sua luz e Sua força pelo Espírito Santo, a fim de que possa responder à sua máxima vocação e que, sob o céu, não foi dado à humanidade outro nome pelo qual seja possível salvar-se (cf. Atos 4,12). Igualmente, [a Igreja] crê que a chave, o centro o fim de toda a História Humana se encontra no seu Senhor e Mestre’.

Portanto, deve ser firmemente crido como verdade da fé católica que a vontade salvífica universal do Deus Uno e Trino é oferecida e cumprida de uma vez para sempre no mistério da Encarnação, Morte e Ressurreição do Filho de Deus”[21].

Esta é a doutrina da Igreja Católica. É notório aqui que se afirma, sem sombra de dúvida, que Jesus é o único Mediador entre Deus e os homens, e que não existe nenhum outro. Quem não crê nisto, simplesmente não é católico! Esse é o sentido – segundo a Igreja – das palavras de Paulo. Ou, para tornar as coisas ainda mais claras: o que Paulo está dizendo é que nem o Gnosticismo, nem Confúcio, nem Buda, nem Maomé, nem a Nova Era, nem o rev. Moon, nem a meditação transcendental, nem a nirvana, nem o ioga, nem o espiritismo, nem as ideologias comunista, nazista ou liberal, nem qualquer outra criatura do passado, do presente ou do futuro, JAMAIS poderá ser tido como mediador entre Deus e os homens, mas tão somente Jesus Cristo e, NELE, toda a Igreja, que é inseparável do Seu corpo e que de Cristo é “sua plenitude” (cf. Efésios 1,23). Repetimos mais uma vez: as mediações dos cristãos uns pelos outros são feitas EM CRISTO e, portanto, não é isto o que Paulo quer excluir; pelo contrário, ele mesmo as pede (como vimos mais acima).

A MEDIAÇÃO DOS SANTOS

Quando os católicos invocam a intercessão de Maria ou dos Santos, fazem exatamente o mesmo que um cristão faz quando pede para outro cristão orar por ele. Na verdade, quando os irmãos evangélicos “oram” por alguém estão se fazendo de mediadores entre Deus (a quem dirigem a oração) e a pessoa (a favor da qual oram). Estou errado? Se não estão exercendo o ofício da mediação (“mediar” é “interceder por alguém”), então o que estão fazendo?

A mediação que um cristão exerce quando ora por outro (seja entre vivos, seja da parte daqueles que “estão com Cristo” – os Santos – a nosso favor) é uma mediação EM CRISTO e não à margem ou paralela a esta. Este ofício de mediadores não anula a única mediação de Jesus, pois a nossa mediação é uma mediação participada da ÚNICA mediação de Cristo, do mesmo modo que a luz irradiada pela lua não é dela própria, mas do sol. Dedicamos toda a 1ª Parte deste artigo para demonstrar precisamente como nas Escrituras há diversas qualidades atribuídas exclusivamente a Deus e que, depois, são também atribuídas aos fiéis.

No tocante à mediação dos Santos (dos cristãos que já estão com Cristo), o Catecismo da Igreja Católica (§956), ensina:

“Pelo fato de que os [fiéis cristãos] do céu estão mais intimamente unidos com Cristo, consolidam ainda mais firmemente na santidade toda a Igreja (…) Não deixam de interceder por nós diante do Pai. Apresentam, através do único Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, os méritos que adquiriram na terra (…) Portanto, sua solicitude fraterna ajuda muito a nossa fraqueza”.

Pode parecer mentira, mas muitos cristãos imaginam que um fiel, enquanto estava vivo, podia orar ao Pai por outro irmão; mas, uma vez falecido e já com o Senhor (cf. Filipenses 1,23; 2Coríntios 5,8)… não pode mais orar! Deus, que é Deus dos vivos, não dos mortos, e para o Qual todos vivem, não permitiria que o amor continuasse a interceder pela pessoa amada? É razoável imaginar algo assim? Por acaso a morte pode nos separar de Cristo?

Uma palavra particular quanto a mediação de Maria, a Mãe de Jesus, que aos pés da cruz recebeu do seu Filho o encargo de ser a Mãe de todos os fiéis[22]. Diz o Catecismo da Igreja Católica (§970):

– “A missão maternal de Maria para com os homens de maneira nenhuma reduz ou obscurece a única mediação de Cristo, mas manifesta a Sua eficácia. Com efeito, todo o influxo da Santíssima Virgem na salvação dos homens (…) brota da superabundância dos méritos de Cristo e se apoia na Sua mediação, dependendo totalmente desta e extraindo dela toda a sua eficácia (…) Nenhuma criatura pode jamais ser colocada na mesma ordem que o Verbo Encarnado e Redentor; porém, assim como no sacerdócio de Cristo participam de maneira diversa tanto os ministros quanto o povo fiel, e assim como a única bondade de Deus de diversas maneiras se difunde realmente nas criaturas, assim também a única mediação do Redentor não exclui, mas suscita nas criaturas, uma colaboração diversa que participa da única fonte”.

A MEDIAÇÃO ANGÉLICA

E o que pensar da ação dos Anjos? Se Jesus é o único Mediador da maneira como o entendem tantos irmãos não-católicos, qual lugar ocuparim os Anjos que “estão a serviço dos que se salvarão” (Hebreus 1,14)? Os Anjos não realizam uma “mediação”? No Apocalipse, eles aparecem oferecendo as orações dos Santos a Deus… A participação deles na obra da Salvação retira a exclusividade da única mediação de Cristo? Devemos rejeitar a ajuda dos Anjos em nome da única mediação de Cristo? Cristo quer se servir dos Anjos para nos favorecer em nossa salvação e vamos dizer-Lhe que nós não precisamos deles porque “podemos ir diretamente a Deus”?

Apocalipse 8,3-4 apresenta as orações dos Santos sendo levadas a Deus por intermédio dos Anjos. A pergunta que fazemos para nós mesmos é: Cristo, o Cordeiro imolado, tem necessidade de outros mediadotes entre Deus e os homens? Jesus se incomoda com os Anjos que apresentam as orações a Deus? Claro que não, porque se os Anjos podem ser de algum modo mediadores, isso só é possível graças à mediação de Jesus; a mediação angélica, com efeito, seria absolutamente ineficaz sem a salvação que nos foi obtida por Cristo e somente por Cristo. Mas, em Cristo, a obra dos Anjos é eficaz para conosco, como é eficaz a oração do justo (cf. Carta de São Tiago) e certamente se está falando de uma mediação de salvação: eles são postos para o serviço “dos que se salvam”.

CONCLUSÃO

A solução para esta questão está na indissolúvel união entre o fiel e Cristo, que a Igreja Católica compreendeu, viveu e desenvolveu durante toda a sua longa história, e que uma mentalidade fundamentalista não consegue entender. Quando Jesus Se aproxima da “sua hora” e fala com o coração apertado, ouvimos palavras como estas, uma e outra vez: “Eu em vós e vós em Mim” (cf. João 13-17). “Já não sou eu; é Cristo que vive em mim”, dirá Paulo. Qual Cristo vive em Paulo? O Cristo Filho, o Cristo Fundamento, o Cristo Mediador, o Cristo Sacerdote, o Cristo Pastor, o Cristo Mestre etc. EM CRISTO e POR CRISTO Paulo e o fiel são também fundamentos, filhos, mediadores, sacerdotes, pastores, mestres, pais, luzes etc.

Para Paulo isto era algo experimentado desde o seu primeiro contato com o Senhor, quando no caminho de Damasco “ao cair no solo, ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que ME persegues?’; e ele disse: ‘Quem és, Senhor?’; e Ele respondeu: ‘Eu sou Jesus a quem persegues'” (Atos 9,4-5). Paulo perseguia Jesus? Mas Jesus tinha morrido e Paulo não acreditava na ressurreição deste! Por que Jesus lhe diz: “Me persegues”? Por que Ele não diz: ‘Persegues a Igreja’ ou “Persegues os meus discípulos”? Não será talvez porque Cristo já não é mais separável do Seu corpo, que é a Igreja?

Como a videira e os ramos, “quem permanece em Mim e Eu nele, essá dá muito fruto” e “fará obras ainda maiores” que as de Jesus (cf. João 15,2). Obras ainda maiores que as de Jesus???

E o que dizer da expressão: “quem vos ouve, ouve a Mim; quem vos rejeita, rejeita a Mim” (Lucas 10,16)? Será que percebemos o peso desta “interdependência” entre Jesus e os Seus Apóstolos? Não subestimamos Sua interpretação?

Na minha opinião, o principal problema de uma interpretação reduzida e “conflitiva” da Escritura, como se dá no fundamentalismo cristão, não é algo de pouca importância. Quem possui esta visão do Evangelho se fecha à possibilidade de viver plenamente o dom de Cristo. É importante aceitar a mensagem evangélica na sua totalidade e não se deter a uma certa distância. Se Jesus quer nos fazer um com Ele, não podemos nos contentar com nenhuma outra coisa, mas ser de fato um com Ele. Errando na compreensão das Escrituras e do poder de Deus, erramos “gravemente” (cf. Marcos 12,27). Não são detalhes, discussões sem importância: negar-se a receber a mensagem de Cristo tal como o Pai estipulou faz com que o fiel se autoexclua da comunicação que Deus quer fazer de Si mesmo. Mas não basta “não estar distante do Reino de Deus” (cf. Marcos 12,34); é necessário “ingressar [no Reino]” (cf. Mateus 23,13).

Segundo o 4º Evangelho, o “crer” nunca é apenas uma “profissão de fé”, um “aceitar Jesus como Salvador” de uma vez por todas e, assim, estar “irreversivelmente salvo”; trata-se mais de um “viver a filiação divina” até as últimas consequências, totalmente, vivendo em comunhão inseparável com Jesus, a ponto de dar sua própria vida se for necessário. Jesus e o fiel – poderíamos afirmar – são “uma só coisa” (veja-se, p.ex.: João 14,20; 15,4-9)[23]. E não apenas com Jesus, mas, formando com Ele um só corpo, somos também “membros uns dos outros” (Romanos 12,4-5).

Espero que o leitor católico tenha encontrado aqui um bom material para aprofundar a sua fé. Quanto ao leitor não-católico, não sei se este artigo o convencerá do que cremos, mas ao menos dará argumentos para pensar. E ainda que não compartilhe da nossa doutrina, precisará reconhecer que os textos bíblicos que citamos estão aí e falam que Deus quis tornar-nos partícipes do Seu ofício de Mediador.

Resta apenas esperar que o Espírito Santo continue agindo, pois na verdade é Ele o verdadeiro Mestre interior.

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NOTAS:

[1] A grande questão será sempre esta: quem pode interpretar corretamente o que está na Bíblia? Muitos se apressarão a dizer: “o Espírito Santo”… Soa bonito, mas na verdade é isso que faz surgir tantas crenças diferentes – e, em grande medida, contraditórias – nas denominações fundamentalistas, não por culpa do Espírito Santo, mas daqueles que se creem verdadeiros intérpretes das Escrituras. Enquanto eu escrevo estas linhas, alguma “igreja” cristã não-católica está se dividindo, infelizmente, e, sem dúvida alguma, tanto uns quanto outros o fazem porque “o Espírito Santo os deu a conhecer no coração” isto ou aquilo. Já dizia Lutero, bem desanimado alguns anos depois das suas famosas “95 Teses”: “Há quase tantas seitas e crenças quanto cabeças. Este não admite o batismo; aquele rejeita o Sacramento do altar; um terceiro diz que existe um mundo intermediário entre o presente e o dia do Juízo; não falta quem ensina que Jesus Cristo não é Deus. Não há ninguém, no entanto, por mais tolo que seja, que não afirme que é inspirado pelo Espírito Santo e que não considere como profecias seus próprios sonhos e desvarios”. Por que isto ocorre, se a Bíblia é apenas UMA? Ninguém duvida que a Bíblia seja “infalível” e Palavra de Deus, mas… é infalível também a interpretação que dela cada cristão dá, bastando crer que proveio do Espírito Santo? Mas isto é assunto para outros artigos…
[2] São muitos os católicos que provêm de comunidades cristãs fundamentalistas, e não poucos os que consideravam a Igreja Católica como personificação do anticristo. Porém, o que caracteriza estas pessoas em particular é que não tinham perdido a capacidade de raciocinar, nem faltava-lhes disposição para seguir a verdade custe o que custar; eis onde residiu a diferença. Espero que o caro leitor pertença a este grupo; se for assim, creio que este artigo será do seu interesse.
[3] Penso, em particular, em D.S., por exemplo, que afirma conhecer o Catolicismo, já que viveu nele “durante 32 anos”; mas, segundo suas palavras, “a ideia de Deus que me foi transmitida era a daquele bom velhinho de barba branca, que está sentano no trono celeste, que nos quer e nos espera. Nunca me ensinaram sua Majestosidade, sua Soberania, sua Autoridade Suprema sobre o bem e o mal…” O leitor pode julgar se D.S. de fato conheceu o Catolicismo. Se no Catolicismo ensinam que Deus não é Soberano ou não tem autoridade sobre o mal, não apenas D.S. mas todo mundo deveria sair correndo de tal Igreja. Supondo que seja verdadeiro o que este irmão diz, sem dúvida alguma deverá ele recriminar os seus catequistas e sacerdotes (e, em primeiro lugar, os seus próprios pais) por terem-lhe transmitido uma mensagem NÃO-católica. De qualquer modo, o fato de a Igreja passar por momentos de crise em certos lugares e períodos não a desqualifica como “a Igreja verdadeira”. Recordemos o que ocorreu com o povo de Israel: durante praticamente TODA a sua vida foi infiel a Iahweh, com idolatrias, homicídios, injustiças, adultérios e um enorme etc. Em razão disso, deixou de ser o Povo eleito? Não! Deixou de ter valor os ensinamentos do Antigo Testamento? Não! O mesmo se dá com a Igreja. E atenção: os católicos têm 2000 anos de existência e ultrapassam a cifra de 1 bilhão de pessoas: devemos esperar que todos eles sejam [zelosos como] o Apóstolo São Paulo? Quem dera! Neste sentido, as denominações fundamentalistas não possuem uma longa história e nem mesmo uma igreja visível que possa ser recriminada por alguma coisa, nem pastores visíveis que se façam responsáveis pelos fatos [lamentáveis]. Assim, podem passar por “justos” sempre e em todo lugar. E, de fato, uma das armas que apontam contra a Igreja Católica são os “pecados históricos dos católicos”, fazendo ouvidos surdos aos já repetidos pedidos de perdão do Papa João Paulo II e, sobretudo, se defendendo a partir de uma realidade que, no fim, acaba por ser-lhes contrária: eles não são recriminados precisamente porque não existiram por muitíssimos séculos da História da Igreja. Ora, a Igreja Católica nunca se autoproclamou impecável, de forma que os católicos não se assustam com a presença do joio no campo do Senhor (sim, Mateus 13,24-30 também faz parte da mensagem evangélica!).
OBS.: Daniel Sapia (a quem nos referimos aqui como D.S.), tomando conhecimento desta minha nota, publicou um “esclarecimento” em seu Site, para o qual remetemos. Quanto a esse seu “esclarecimento”, a minha resposta foi exatamente esta que reproduzo a seguir (deixo de corrigir a nota original do artigo; apenas acrescento a ela estas linhas), que quero que sirva como meu pedido de desculpas a Daniel e para aclarar o que é substancial: “Daniel, Quanto às observações que você faz ao meu artigo: [a] e [b] – Você tem muita razão na diferença entre “não me ensinaram que Deus era Soberano” e “ensinam que Deus não é Soberano” etc. Alterarei a nota na próxima atualização, apontando a sua observação. Porém, a questão substancial (ou seja: que não te ensinaram a doutrina da Igreja Católica) prossegue verdadeira e é isso o que eu pretendia dizer; [c] – Concordo. Irei retirar; [d] Essa estória de que “a Igreja Católica nunca tem culpa” é sofisma. Quando digo, p.ex., que “os catequistas” erraram (não me interessa atacá-los pessoalmente, é claro), é porque eles FAZEM PARTE da Igreja Católica e, no entanto, a Igreja Católica não brilha neles e NELES é culpável. Dizer isso não é um juízo moral, senão quanto a doutrina (apenas Deus sabe quem é culpável do quê). A distinção que deve ser feita aqui é válida e necessária: uma coisa é o ensinamento, a doutrina; outra coisa são as pessoas que seguem ou não essa doutrina: se os catequistas (ou os seus pais, que compreendo ter sido um exemplo demasiadamente pessoal, e retirarei também da nota do artigo) não te ensinaram que Deus é Soberano etc., isso não pode ser atribuído à Igreja Católica como tal (em seu Magistério público e oficial), que ensina, sim, que Deus é Soberano etc. Parece-me que a diferença é clara e obrigatória. Por outro lado, a autocrítica que a Igreja faz de si mesma, realmente te parece que se deve ao fato de “a Igreja Romana nunca é responsável por nada”? Isso, hoje, também não pode ser dito (se formos levar a sério a atitude a partir do Concílio Vaticano II e, sobretudo, de João Paulo II). O passado deve ser julgado conforme os olhos do historiador, mas isto é um outro assunto. Quando Israel ia atrás dos ídolos, era o Povo de Deus como tal – esse que transmite seu ensinamento nas Escrituras, esse que ensina as Palavras de Deus; era esse Israel que errava, ou melhor, eram alguns membros (a maioria! e os seus líderes!) que erravam? Se hoje nem eu nem você podemos dizer que a Bíblia (o Antigo Testamento) é culpável pelos crimes dos israelitas (basta ver todos os livros proféticos), porque não é válida também a diferença entre doutrina e pessoas na Igreja Católica? Não cabe a diferença entre doutrina do Povo de Deus e vida dos membros do Povo de Deus? Se na Israel segundo a carne era válida essa diferença, por que não é válida para a Israel de Deus? Em suma: que não te ensinaram que Deus é soberano etc. não é culpa da doutrina da Igreja, mas de quem não te transmitiu. E para julgar uma Igreja, se ela é verdadeira ou não, se transmite ou não a doutrina de Deus etc., devemos olhar para a sua doutrina: os transgressores existiram no Povo de Deus da Antiga Aliança, entre os Doze Apóstolos, na Era Apostólica e durante toda a História da Igreja. Não se pode aplicar aqui o bordão “árvore de maus frutos” porque, como sabemos, todos nós somos pecadores; e quem não tiver pecado (=”mau fruto”), que atire a primeira pedra; [e] – Já tratei disso; [f] Creio que continua de pé a parte final e o corolário, já que ao não terem te transmitido a autêntica mensagem católica, você a desconhecia e, por isso, você abandonou a Igreja [Católica]. Você me diz: “Minha saída da Igreja de Roma não foi por ignorância, mas por obediência”; pois eu gostaria que você também soubesse: “A minha permanência na Igreja Católica não é por ignorânica, mas por obediência”.
[4] Há algum tempo, um testemunha de Jeová me recriminava: “Diga-me: quando a Igreja Católica se dedicou a pregar o Evangelho? (…) E quando sofreu perseguição?”. Não custa dizer que eu não irei perder tempo respondendo perguntas como essa, em respeito aos milhares de católicos missionários e mártires.
[5] Apresso-me em dizer que tanto a “analogia” quanto a “participação”, na verdade, são elementos da vida e da linguagem cotidianas, que simplesmente foram estudadas e aprofundadas por grandes pensadores, para proveito de todos. Não estamos falando de nenhuma invenção filosófica estranha: quem não aceita a ideia de analogia ou de participação não poderá nem sequer falar com o seu próximo. Isso ficará mais claro conforme eu for avançando na explicação.
[6] Alguém diria que eu estou “levando peixe para a minha rede”, realizando uma “interpretação católica” “forçada” do texto. Para provar que isto não é verdade, transcrevo o comentário do protestante Andrew T. Lincoln, na sua obra sobre a Carta aos Efésios, publicada pela renomada coleção “Word Biblical Commentary”, apenas como amostra de que não estou fazendo “uso cego” de um critério pessoal. Esse autor escreve assim: “The apostles and prophets are no longer seen as those who lay the foundation of Christ or who build upon it but as the foundation itself. Some have taken the genitive as a subjective genitive, ‘the foundation laid by the apostles and prophets’ (e.g., Meyer, 142; neb; gnb), but such an interpretation, which is sometimes motivated by the desire to harmonize Eph 2:20 with 1 Cor 3:11, introduces total confusion into the writer’s use of metaphor, because it makes Christ both the foundation and the keystone. With the vast majority of commentators we should take the genitive as appositional, i.e., the foundation which the apostles and prophets constitute” (em suma, para quem não entende inglês, o texto diz exatamente a mesma coisa que eu disse, a saber: que aqui os Apóstolos não colocam o fundamento, mas que eles mesmos são fundamento). Como afirma Lincoln, a grande maioria dos comentaristas (de todos os credos) interpreta esta passagem tal como eu o faço.
[7] Uma curiosidade: em todas as versões inglesas, a palavra “hedráioma” – que traduzimos aqui como “fundamento” – é traduzida como “foudation”, isto é, a mesma palavra que essas mesmas Bíblias – católicas e protestantes – empregam para 1Coríntios 3,11; em outras palavras: para o mundo anglófono, seja católico ou protestante, Cristo é “foundation” (1Coríntios 3,11) e a Igreja é “foundation” (1Timóteo 3,15).
[8] Em filosofia, o modo de se ver as coisas chama-se “determinatio ad unum”; um bom exemplo é o próprio Lutero: ele imaginava que a Carta de Tiago era “de palha”, que o Apocalipse não revelava nada e que a Carta aos Hebreus não conduzia a Cristo, isto porque tinha descoberto a forte verdade da salvação pela fé (=a árvore); porém, esquecendo das demais Escrituras (=o bosque), ele não conseguia “casar” as outras coisas com a sua visão, preferindo então declará-las “doutrina de palha”, “lixo papista” etc. etc. etc. Hoje muitos cristãos o justificam e o consideram um heroi, desculpando todos os seus erros (como as publicações de Chick, ou o “En la Calle Recta” etc.). Mas isso não é ser amigo da verdade; se o monge alemão tivesse conservado a sua visão católica, poderia ter sido um grande e verdadeiro reformador sem a necessidade de descartar livros inteiros do Novo Testamento. Por graça de Deus, o Concílio de Deus declarou dogmaticamente que tanto Hebreus quanto o Apocalipse e todas as cartas de João e Tiago eram Palavra de Deus, tal como os demais [livros canônicos], e não “de palha” como imaginava o “reformador”.
[9] Assim entendia um evangélico que, diante do meu questionamento, me respondeu: “Bom, Paulo não é Deus e pode ter se equivocado aqui ou acolá. Eu, porém, sigo as palavras de Jesus e não chamo ninguém de ‘padre'”. O que será que leva um cristão a pensar assim?
[10] “Lo starets Ignazio”, Lipa Edizioni, Roma (2000), pp.8-10.
[11] Esta expressão de Paulo suscita problemas a mais de um cristão [não-católico], talvez porque receberam um evangelho diferente do de Paulo e esta expressão, entre muitas outras, não se enquadra nesse “evangelho”. Um ex-cristão fundamentalisma me dizia que pelo menos na sua congregação jamais haviam pregado sobre esta e outras passsagens, por “não terem sentido”. No caso desta última citação de Paulo, o que será que poderia faltar à Paixão de Jesus? Ora, falta a minha participação nos sofrimentos do Senhor, em benefício da Igreja.
[12] Pensemos, p.ex., na aparente oposição entre “salvação pela fé, sem as obras” de Paulo e a “salvação não apenas pela fé, mas também pelas obras” de Tiago: diante desta “contradição” Lutero declarou que Tiago era uma “carta de palha”. Outros preferem não se aprofundar no tema ou explicá-lo com tantos malabarismos que finalmente nega o que Tiago disse. Certa vez, alguém me falou: “de Tiago temos só uma passagem; de Paulo, temos muitas”… Ora, isto não é solução! Seguindo a Igreja Católica, optamos por manter TUDO o que está na Bíblia – e isso implica maior dificuldade, pois Deus é infinitamente maior do que podemos entender acerca Dele – e os mistérios (e as aparentes “contradições”) da Revelação devem ser conservados, a menos que queiramos fazer para nós um “deus do nosso jeito”, como fizeram os mórmons, os testemunhas de Jeová, o rev. Moon etc.
[13] Em seu magnífico comentário ao Evangelho de São João, “Selon Jean”, traduzido para o italiano.
[14] Toda a Carta de Paulo aos Colossenses, segundo a maioria dos comentaristas, seria uma advertência contra a primitiva heresia dos docetas, que já havia invadido as comunidades apostólicas enquanto viviam ainda os Apóstolos, como demonstra-se também pelas Cartas de João.
[15] Cf. “Dizionario di Paolo e delle sue Lettere”. Milão, 2000, p.376.
[16] Barcelona, 1980, pp.518-523.
[17] W. Harrington. “Revelation”, in: “Sacra Pagina”. Collegeville, 1993, p.48.
[18] R. Mounce. “The Book of Revelation”, in: “The New International Commentary of the New Testament”. Grand Rapids, 1998, p.50. Em uma nota da página 371, este autor protestante comenta: “Uma das palavras latinas para sacerdote é ‘pontifex’, isto é, ‘construtor de pontes’. A função do sacerdote é estabelecer uma ponte entre Deus e a humanidade”.
[19] M. Ford. “Revelation”, in: “The Anchor Bible”. Garden City, 1975, p.378.
[20] Esclarecemos que a oração que se faz a Deus e aquela que se faz a um Santo são duas coisas radical e absolutamente diferentes: quando se pede a intercessão de um Santo, trata-se do mesmo caso de alguém que pede a um irmão daqui da terra que “ore por ele”. Porém, não podemos tratar aqui todos os aspectos do assunto. Remetemos então aos ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica acerca da oração (i.é.: à 4ª Parte do Catecismo).
[21] Nºs 13 e 14 da Declaração. Este belíssimo documento cristológico pode ser baixado diretamente no Site do Vaticano.
[22] E para que foi dado a João uma outra mãe se ele já tinha uma? O autor teria registrado esse belo diálogo se se tratasse de uma eventualidade passageira e não tivesse nenhuma relação com os cristãos de todos os tempos?
[23] Veja-se 1Coríntios 12 para uma compreensão mais profunda da unidade do corpo de Cristo, cabeça e membros.

 

  • Fonte: Apologetica.org
  • Tradução: Carlos Martins Nabeto

 

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