Por que se diz que a Bíblia protestante difere da Bíblia católica?

– “Por que se diz que a ‘Bíblia protestante’ difere da ‘Bíblia católica’?” (Deolindo – Belo Horizonte-MG).

Quem abre o “Índice” de uma moderna edição protestante da Sangrada Escritura verifica nesta a ausência de sete livros contidos nas edições católicas, a saber:

– Baruque (com a epístola de Jeremias); – Tobias; – Judite; – 1° [dos Macabeus]; – 2° dos Macabeus; – Sabedoria; e – Eclesiástico.

E faltam, outrossim, as seções seguintes:

– Ester 10,4-16,24; e – Daniel 3,24-90; 13,1-14,42.

De onde vem tal diferença?

Entre os judeus estavam em vigor dois catálogos dos livros inspirados; um, usual na Palestina, era o catálogo restrito, que excluía os sete livros e os fragmentos acima referidos. O outro se achava em uso na florescente colônia judaica de Alexandria, no Egito; era o catálogo amplo, que reconhecia os escritos acima mencionados.

A razão de ser desta dupla recensão é provavelmente a seguinte: até o início da era cristã os judeus, tanto da Palestina como da Diáspora (Dispersão), muito estimavam todos os seus escritos sagrados, inclusive os sete acima recenseados. No século I da nossa Era, porém, quiseram definir oficialmente o catálogo bíblico (empreendimento que até então não os preocupara). Os fariseus então, que orientavam a opinião pública na Terra Santa, fizeram prevalecer seu espírito reacionário contra qualquer influxo estrangeiro (como se sabe, em consequência da tentativa de paganização que Israel sofreu por parte dos sírios em meados do séc. II a.C., os fariseus cultivavam uma religiosidade nacionalista, fechada em si, tendente à esterilidade espiritual). Parece, pois, que inspirados pela hostilidade ao helenismo e, em particular, aos hasmoneus (dinastia liberal que governou Israel durante o séc. II/I a.C.), estipularam quatro condições para que um livro fosse reconhecido como inspirado por Deus:

1) Fosse conforme o Pentateuco ou a Lei de Moisés (entendida no sentido assaz formalista dos fariseus);

2) Fosse antigo, isto é, não posterior a Esdras (séc. V/IV a.C.);

3) Tivesse sido redigido e conservado em hebraico; não em aramaico (sírio) nem em grego;

4) Tivesse tido origem na Palestina, não no estrangeiro.

Aplicando estes critérios, os fariseus quase eliminaram do catálogo bíblico o livro de Ezequiel, por lhes parecer destoar da Lei de Moisés. Excluíram o Eclesiástico, o 1° e o 2° dos Macabeus, por serem posteriores a Esdras. Por motivo de idioma, rejeitaram a Sabedoria, as referidas seções de Ester e também o 2° dos Macabeus, escritos em grego; Tobias e Judite, provavelmente redigidos em aramaico após os tempos de Esdras. Por ter-se originado fora da Palestina, não reconheceram, a novo título, o livro da Sabedoria. Quanto à profecia de Baruque, à epístola de Jeremias e aos mencionados fragmentos de Daniel, no início da era cristã só eram conservados em grego, por se haver perdido o seu texto original.

Em Alexandria, ao contrário, não se verificou a reação dos fariseus; por conseguinte, a colônia israelita, de mentalidade muito mais simples e aberta, não concebeu dificuldades para reconhecer oficialmente como inspirados os sete mencionados livros que eram lidos com os demais do Antigo Testamento e faziam parte da edição da Sagrada Escritura intitulada “dos Setenta Intérpretes” (edição grega confeccionada em Alexandria por tradutores e escritores diversos, entre 300 e 130 a.C.).

É esta a sentença que com mais probabilidade explica a existência de dois catálogos bíblicos em uso entre os judeus.

Ora, os cristãos, desde o início da sua história, usaram a edição grega dos LXX; os Apóstolos mesmos, escrevendo os Santos Evangelhos e suas Epístolas, referem o Antigo Testamento não segundo o texto hebraico, mas recorrendo à versão dos LXX; das 350 citações do Antigo Testamento que ocorrem no Novo, 300 são tiradas do texto dos LXX (mesmo quando este diverge acidentalmente do hebraico; cf., p.ex., Hebreus 10,5-7). A tradução grega dos LXX gozava de extraordinária autoridade entre os próprios judeus (mesmo na Palestina). Em consequência, também o catálogo de livros sagrados estipulado nessa edição — catálogo amplo — foi naturalmente adotado pelos cristãos (embora um ou outro escritor manifestasse suas dúvidas a respeito) e sancionado pela autoridade da Igreja, à qual o Espírito Santo assiste. Tal catálogo representa a linha autêntica da fé judaica, ao passo que a recensão restrita dos fariseus da Palestina se parece ressentir dos exageros de uma facção reacionária.

Por toda a antiguidade até fins da Idade Média estive em voga na Igreja o catálogo amplo. Eis, porém, que no séc. XVI Lutero o rejeitou, dando preferência à lista restrita. Seguiram-no os outros pseudo-reformadores (Calvino, Zwínglio e os modernos fundadores de seitas). É esta a razão principal por que a Bíblia editada pelos protestantes difere da católica.

Deve-se, além disto, observar que a “Bíblia protestante” não costuma ter notas explicativas do texto, mas apenas referências a textos da Sagrada Escritura paralelos a determinada passagem. A Igreja Católica, porém, exige que toda edição dos Livros Sagrados seja ilustrada por breves observações que ajudem a entender os versículos mais difíceis, removendo os possíveis erros de interpretação.

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 6:1957 – out/1957
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