Reflexão Patrística – “As armas da caridade” (São Fulgêncio de Ruspe, +533)

“Ontem (=Dia de Natal), celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado [Estevão].

Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.

O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.

Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, Ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis.

Assim, a caridade que fez Cristo descer do Céu à Terra, elevou Estevão da Terra ao Céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.

Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus; por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no erro para que se emendassem; por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.

Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no Céu aquele que tivera como perseguidor na terra. Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.

E agora Paulo se alegra com Estêvão: com Estêvão frui da glória de Cristo; com Estêvão exulta; com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo, chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.

É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores; em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do Reino dos Céus.

A caridade é a fonte e a origem de todos os bens; é a mais poderosa defesa; o caminho que conduz ao céu. Quem caminha na caridade não pode errar nem temer. Ela dirige, protege, leva a bom termo.

Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição” (Sermão 3,1-3.5-6; CCL 91A,905-909).

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