O Concílio Vaticano II ensinou a “inerrância limitada” da bíblia?

– Eu li um livro escrito por um pesquisador das Escrituras que diz que a Bíblia é infalível apenas na matéria religiosa que diz respeito à nossa salvação. Ele citou o Vaticano II como a fonte dessa doutrina de "inerrância limitada" (Anônimo).

Os documentos do Vaticano II não limitam a inerrância bíblica para as verdades religiosas necessárias para a salvação ou mesmo para as matérias religiosas em geral.

A Constituição sobre a Revelação Divina (Dei Verbum), declara: “E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas Sagradas Letras” (nº 11).

Os defensores da "inerrância limitada" afirmam que esta última cláusula  é restritiva: a inerrância se estenderia apenas para as coisas pertinentes à nossa salvação. Se esse é ou não o caso – tal leitura não é exigida pelo original em latim -, a posição da "inerrância limitada" continua sendo bem fraca.

Primeiro: mesmo concedendo (mas não o concedemos!) que a Dei Verbum restringe a inerrância às matérias de salvação, isso não é o mesmo que limitá-la às verdades  religiosas ou morais. Afirmações históricas ou científicas feitas "para a nossa salvação" seriam inerrantes também.

Segundo: a comissão teológica do Concílio declarou que o termo “salutaris” ( "para a nossa salvação") não significa que apenas as verdades salvíficas da Bíblia são inspiradas ou que a Bíblia como um todo não é a Palavra de Deus (ver "A Inspiração Divina e a Interpretação da Sagrada Escritura", de A. Grillmeier, ed. H. Vorgrimler,  Comentários sobre os Documentos Vaticano II, vol. III, p. 213).

Se toda a Escritura é inspirada e se o que o escritor bíblico afirma é o que o Espírito Santo afirma, então, exceto que o erro seja atribuído ao Espírito Santo ou exceto que os autores bíblicos afirmem apenas verdades religiosas (o que não é o caso, pois alguns fazem afirmações históricas, tal como a existência histórica de Jesus), a inerrância não pode ser limitada a verdades religiosas.

Terceiro: a linguagem da Dei Verbum nº 11 é extraída diretamente do ensinamento conciliar e papal anterior sobre a matéria. As notas de rodapé desta seção se referem à “Providentissimus Deus”, de Leão XIII, e à “Divino Afflante Spiritu”, de Pio XII, documentos estes que rejeitam a idéia de que a inerrância é limitada às matérias religiosas. Parece, portanto, improvável que o Concílio esteja ensinando uma posição contrária a esses documentos.

Embora a inerrância não seja limitada às verdades religiosas pertinentes à salvação, podendo incluir afirmações não-religiosas feitas por autores bíblicos, isso não significa que a Escritura é um livro inspirado de Ciências ou História. A inerrância se estende àquilo que os escritores bíblicos pretendem ensinar, não necessariamente àquilo que eles assumem ou pressupõem ou o que não é essencial para o que eles afirmam. A fim de distinguir estas coisas, os estudiosos devem analisar a espécie de escrita ou gênero literário que os escritores bíblicos empregaram.

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