Santo Agostinho interpretava a Bíblia como os protestantes? (Parte 2/2)

Um bom amigo meu comentou que em certo fórum protestante tentou-se fazer uma refutação ao meu artigo original “Santo Agostinho Interpretava a Bíblia como os Protestantes?”. Quando recebi uma cópia da réplica, senti o interesse de preparar uma segunda parte, já que o tema era muito vasto e agora havia a oportunidade de continuar.

Observações: a maioria das citações da réplica protestante estão em inglês, pois o autor não teve sequer o trabalho de traduzí-las. No entanto, as que são apresentadas por mim estarão sempre traduzidas.
Também pode chegar a ser irritante para os leitores católicos a forma como nosso amigo fudamentalista se expressa em algumas ocasiões. De fato, abundam expressões depreciativas tais como “papista”, “mentiroso”, “manipulador” e outras no mesmo estilo. Mas tenhamos paciência, pois o que nos interessa não é discutir a sua educação ou cortesia, mas os argumentos que traz.
O comentário original do meu artigo estará em azul; a réplica protestante, em vermelho; e os meus novos esclarecimentos (neste artigo), em preto.

“Recentemente tive a oportunidade de dialogar com um amigo protestante (batista) que me afirmava que diversos Padres da Igreja, entre eles Santo Agostinho, tinham “posturas protestantes”, especialmente quando interpretavam Mateus 16,18, passagem esta que – segundo ele – importava em rejeição ao entendimento católico atual sobre o primado de Pedro e o Papado”.

“Não deveria parecer estranho que Miguel use novamente suas tátitcas manipuladoras da verdade para criar um tema chamado ‘Os Padres são protestantes?’. É óbvio que jamais nenhuma igreja protestante ensinou tal coisa; no entanto, a igreja de Roma afirma que os padres da igreja foram papistas. ‘Os padres da igreja foram papistas?’ – creio que esse deveria ser realmente o tema, já que essa afirmação da igreja de Roma deve ser provada, para sabermos se é certa ou errada”.

Não há manipulação alguma. Claramente quero dizer que estou me referindo às posturas dos padres – o que ele mesmo confirma mais adiante. E não era apenas o meu amigo [protestante] que opinava que os Padres da Igreja tinham uma interpretação semelhante à dos protestantes de hoje; isto é algo quase que generalizado entre os protestantes fundamentalistas: eles crêem em uma história alternativa, na qual se afirma que a Igreja dos três primeiros séculos possuía uma doutrina pura (nisto estamos de acordo), porém similar à doutrina que eles professam hoje (um grande disparate, exceto – é claro – que nosso amigo reconheça abertamente que não, ou seja, que sua doutrina é corrompida e diferente da dos primeiros cristãos). Assim, a maioria [dos protestantes] opina que, com a publicação do Edito de Milão, que decretava a liberdade do culto cristão, a Igreja começou a se corromper paulatinamente (=Mito de Constantino). Um exemplo pode ser encontrado na introdução do site protestante “Cristianismo Primitivo”, que reflete este tipo de pensamento:

– “No verão do ano 325, convocados por um imperador romano, Constantino, os bispos da cristandade se reuniram em Nicéia, para resolver questões doutrinárias e acabar de uma vez por todas com as diversas disputas teológicas e doutrinárias que pertubavam naquele tempo a Igreja… Como conseqüência desta contemporização com o poder temporal (autopermitindo a convocação de concílios), que se valerá do cristianismo como aglutinante para manter a unidade do império por mais alguns séculos, a igreja iniciará um processo de paganização e ‘romanização’, que dará lugar, poucos séculos depois, à hoje conhecida Igreja Católico-Romana” (Introdução do site protestante “Cristianismo Primitivo”).

Nem todo o Protestantismo propaga esta visão distorcida da História; porém, uma grande parte sim. Entre os eruditos protestantes que rejeitam o “Mito de Constantino”, cito o pastor Rick Wade (graduado no Moody Bible Institute com um B.A. em Comunicações (radiodifusão) e com louvores, em 1990, da Trinity Evangelical Divinity School com um M.A. em Pensamento Cristão (teologia/filosofia), encerrando o curso com uma tese sobre a apologética de Carl F.H. Henry). Ele reconhece, em seu artigo “A Tradição e a Igreja Primitiva”, o seguinte:

– “Ocasionalmente, alguém encontra referências à idéia da ‘queda’ da Igreja logo após a conversão do imperador Constantino, no século IV. Alguns crêem que sob Constantino a Igreja começou sua mudança para uma religião estatal, tendo sido corrompida pelo poder e pelo dinheiro. Os interesses da Igreja e do Estado se sobrepuseram, resultando na corrupção da Igreja. Isto lançou uma sombra sobre toda a História da Igreja até a Reforma. A Tradição é, pois, considerada um elemento da Igreja corrompida e institucionalizada” (Rick Wade, A Tradição e a Igreja Primitiva).

Ora, se é certo que a nova liberdade experimentada pela Igreja sob Constantino teve seu lado negativo, não se pode deduzir disto que a Igreja “caiu”, como dizem alguns. Ao longo da História da Igreja foram cometidos erros em seus tratamentos com a socidade secular e também em como manejar adequadamente a liberdade e o poder que experimentou. Alguns queixam hoje que os cristãos se ligam demasiadamente aos partidos políticos, deixando todo o resto à margem. Isto não difere em nada do que ocorria no tempo de Constantino. Que a Igreja adquiriu uma nova cor quando se estabeleceu sob Constantino, ninguém questiona. Porém, a idéia de que a Igreja tornou-se “rapidamente corrupta” e que os concílios convocados sob o seu reinado eram simples “funcionários do imperador” é por demais simplista. A Igreja permaneceu fiel à missão de esclarecer e transmitir a Tradição Apostólica. “A fé professada e praticada nas igrejas primitivas não foi determinada por maquinações políticas de imperadores e hierarquias episcopais”, afirma Williams. “A formulação e construção essencial da identidade cristã foi algo que o século IV recebeu e continuou ampliando mediante a exegese bíblica e a vida litúrgica, segundo se reflete na tradição dos credos”.

É comum vermos como alguns protestantes empreendem grandes esforços para demonstrar que, em certas interpretações bíblicas, os primeiros Padres diferiam do que os católicos crêem hoje em dia; porém, acabam demonstrando que essa fé é diametralmente oposta àquela que eles mesmos professam hoje. Você, porém, não verá o autor protestante desta réplica discutir a posição de Agostinho sobre a necessidade do batismo das crianças, a sucessão apostólica e outros temas; e se você perguntar [aos protestantes] sobre a sucessão apostólica de suas respectivas igrejas, responderão: “Com licença…”.

“Tudo ia bem até que José Miguel começou a falar. Creio que seria bom fazer aqui alguns esclarecimentos interessantes. O primeiro é que tanto os protestantes quanto a maioria dos padres da igreja têm Pedro em alta estima, como o primeiro entre os iguais; porém, não cremos que Pedro foi papa, como ensina Roma.

Vejamos alguns pontos indicados pelo infalível concílio Vaticano I e II sobre o papado e a infalibilidade do mesmo. Portanto, deveria ser provado que estes pontos foram sustentados por Agostinho para provar que cria no papado, já que tanto o Vaticano I quanto o [Vaticano] II tomaram os padres da igreja como prova destes pontos:
a. Cristo deu a primazia de jurisdição a Pedro sobre a Igreja e sobre todo o mundo.
b. Inerente à primazia de jurisdição existe também um ensino infalível sobre a Igreja.
c. Este direito de jurisdição é dado aos sucessores de Pedro, aos bispos de Roma, perpetuamente.
d. Quando fala ‘ex cathedra’, isto é, quando fala em sua capacidade oficial como papa, e definindo doutrina em questões de fé e moral, o bispo de Roma ensina infalivelmente.
e. O Romano Pontífice tem absoluta autoridade inerente ao seu cargo, possui autoridade sobre todos os concílios e seu juízo não pode ser questionado; ele, não pode ser julgado por tribunal humano.
f. Em todos os tempos da História da Igreja foi necessário que cada igreja do mundo deveria estar de acordo com a igreja de Roma.
g. Estes ensinamentos sempre foram sustentados por toda a Igreja, através de todas as épocas, e podem ser validadas pelas escrituras, os cânones dos concílios gerais e por unânime conselho dos padres da Igreja.
h. É necessário para a salvação de cada indivíduo cristão que esteja submetido à autoridade do Pontífice Romano em todas as áreas da fé, moral e disciplina; se alguém estiver em desacordo com os ensinamentos do Vaticano I, que seja anátema.”

(…) Nosso interlocutor toma de maneira imprecisa e um tanto distorcido o texto original do Concílio Vaticano I.

Esta é, exatamente, uma das objeções de Webster e outros apologetas protestantes, como Jason Enger. Embora seja anacrônico encontrar no pensamento de Agostinho um nível de explicitação tal como aparece nos cânones do Concílio Vaticano I – principalmente porque o entendimento da Igreja acerca das verdades da fé vão aumentando com o decorrer dos séculos – podemos ver, neste tema que ora abordamos, que, na essência, reconhece indiscutivelmente a primazia petrina, tal como nos apresenta o mencionado Concílio.

Vejamos alguns novos exemplos e repassemos outros textos de Agostinho:

– “Já que vemos neles um grande auxílio de Deus e muito proveito e utilidade, duvidaremos de nos acolher no seio desta Igreja que, segundo a confissão do gênero humano, tem na Sé Apostólica [=Roma] e guardou, pela sucessão de seus bispos, a autoridade suprema, a despeito dos clamores dos hereges que a assediam e foram condenados, seja pelo juízo do povo, seja pelas solenes decisões dos concílios, ou pela majestade dos milagres? Não querer conferir-lhe o primeiro lugar é seguramente fruto de uma soberana impiedade ou de uma arrogância desesperada. E se toda ciência, ainda que a mais humilde e simples, exige, para ser adquirida, a ajuda de um doutor ou de um mestre, pode-se imaginar um orgulho mais temerário, tratando-se dos livros dos divinos mistérios, negar-se a recebê-los da boca de seus intérpretes e, sem os conhecer, querer condená-los?” (De utilit. credenci 17,35).

Abro um parênteses nesta citação para enfatizar qual é o erro da parte protestante: ao longo de todo o estudo, tentou provar que Santo Agostinho, ao interpretar Mateus 16,18, via na confissão de fé a pedra sobre a qual foi edificada a Igreja. Demonstra, assim, que não entendeu realmente o sentido do artigo. Por sua vez, confirma também o que foi dito logo no princípio: quando um protestante vê que algum Padre da Igreja interpreta desta maneira, assume que há uma rejeição do primado romano. Precisamente por isso é que no começo do artigo foram colocados os textos onde Santo Agostinho interpreta desta maneira. Mesmo assim, o que se provava era que esta interpretação não representava uma rejeição ao primado romano, coisa que o nosso amigo [protestante] nunca quis entender.

Ademais, esta rejeição não apenas nunca existiu, como que nos textos apresentados vemos Santo Agostinho declarar, em primeiro lugar, que a sucessão dos bispos é levada em conta (não custa relembrar, aliás, que os protestantes rejeitam a doutrina da sucessão apostólica, sendo este um outro ponto que o pensamento de Agostinho se lhes opõe). Posteriormente, afirma [Agostinho] que a mais certa é aquela que reconhece chegar até o próprio Pedro; e, como se isso não fosse suficiente, apresenta logo depois a lista dos bispos de Roma.

Repassemos agora alguns textos onde Santo Agostinho mantém a mesma idéia:

– “Não é possível crer que guardais a fé católica se não ensinais que se deve guardar a fé romana” (Serm.120,13).

– “Mesmo prescindindo da sincera e genuína sabedoria (…), que em vossa opinião não se encontra na Igreja Católica, muitas outras razões me mantêm em seu seio: o consentimento dos povos e das gentes; a autoridade, erigida com milagres, nutrida com a esperança, aumentada com a caridade, confirmada pela antigüidade; a sucessão dos bispos, a partir da própria sé do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor confiou, após a ressurreição, o apascentamento de suas ovelhas, até o episcopado atual; e, por fim, o próprio apelativo de ‘católica’, que não sem razão somente a Igreja alcançou (…) Estes vínculos do nome ‘cristão’ – tantos, tão grandes e dulcíssímos – mantêm o fiel no seio da Igreja Católica, apesar de que a verdade, por causa da torpeza de nossa mente e indignidade da nossa vida, ainda não se apresenta” (C. Ep. Man. 4,5).

Quando Santo Agostinho combate os donatistas, escreve em uma de suas cartas:

– “…Viram que Ceciliano estava unido por cartas de comunhão à Igreja romana, na qual sempre residiu a primazia da cátedra apostólica…” (Ep 43,3,7)

À medida que avançar neste estudo, colocarei mais ênfase; no entanto, por ora, quero ressaltar que neste sentido toda a réplica é literalmente insubstancial, já que inverte inutilmente os esforços, tentando provar algo que não discutimos. Vejamos:

“Sobre quem a Igreja foi fundada?
José Miguel, da mesma forma que sua igreja, ensina que foi sobre Pedro, ao contrário do que afirma tanto os protestantes, quanto o Novo Testamento e Agostinho, que dizem que foi sobre a confissão de Pedro, isto é, sobre a fé em Cristo.
Segundo Agostinho – e não um protestante do século XVI ou XVII – a pedra não é Pedro, mas a [sua] confissão: ‘Sobre esta afirmação que tu fizeste – Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo – edificarei a minha Igreja’. A Igreja é edificada sobre a confissão de fé, não sobre Pedro.
O Catecismo da igreja de Roma diz o seguinte: ‘CIC 881. O Senhor fez de Simão, ao qual deu o nome de Pedro, e somente dele, a pedra de sua Igreja’; e também diz isto: ‘Pedro, por causa da fé confessada por ele, será a rocha inquebrantável da Igreja. Terá a missão de guardar esta fé ante todo desfalecimento e de confirmar nela os seus irmãos (cf. Lc 22,32)’.
Como pode ser que a visão de Agostinho se aproxime mais da igreja de Roma, quando ele mesmo diz que a rocha não é Pedro? Como Agostinho pode ser um papista se contradiz completamente o Vaticano I, II e o próprio catecismo?”

É necessário também fazer um esclarecimento pois, ao que parece, nosso amigo [protestante] não leu direito o meu primeiro artigo: para nós, católicos, AMBAS as interpretações se complementam; é falso, portanto, afirmar que Santo Agostinho contradiz o Catecismo, que também diz a mesma coisa:

– “CIC 424. Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos acerca de Jesus: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’ (Mt 16,16). Sobre a rocha desta fé, confessada por São Pedro, Cristo tem construído a sua Igreja (cf. Mt 16,18; São Leão Magno, Serm. 4,3; 51,1; 62,2; 83,3)”.

Em seu parágrafo anterior, [o protestante] ficou escandalizado porque Santo Agostinho interpreta que, em Mateus 16,18, a pedra é a fé confessada por Pedro, porém, o Catecismo não diz a mesma coisa? Esperemos que ele não venha logo dizer que o catecismo ensina idéias protestantes, que contradiz a si mesmo, ou que Leão Magno (a quem certos protestantes apontam, de forma depreciativa, como um dos Papas mais “papistas”) tampouco reconhecia o primado romano.

Com efeito, [nosso amigo protestante] parte de uma suposição errada (a de que os católicos não aceitam como complementar ou possível a interpretação de que a pedra seja também a fé de Pedro); levanta, assim, um “espantalho”.

No entanto, o Catecismo o desmente ou, na melhor das hipóteses, aponta o seu erro. Assim, se a interpretação particular de Santo Agostinho é que a pedra é a fé de Pedro, provamos que isto, por outro lado, não é uma rejeição do primado.

“Antes de encerrar esta parte do escrito, quero abordar as ‘Retratações’ de Agostinho; no princípio de seu ministério, Agostinho dizia que Pedro era a rocha, porém, depois, se retratou e, como vemos em toda sua grande carreira teológica, seu ponto de vista favorito era o de que a igreja fôra fundada sobre Cristo ou na fé de Pedro, mas não em sua pessoa. Vejamos o que diz Agostinho:
– ‘In a passage in this book, I said about the Apostle Peter: ‘On him as on a rock the Church was built.’…But I know that very frequently at a later time, I so explained what the Lord said: ‘Thou art Peter, and upon this rock I will build my Church,’ that it be understood as built upon Him whom Peter confessed saying: ‘Thou art the Christ, the Son of the living God,’ and so Peter, called after this rock, represented the person of the Church which is built upon this rock, and has received ‘the keys of the kingdom of heaven.’ For, ‘Thou art Peter’ and not ‘Thou art the rock’ was said to him. But ‘the rock was Christ,’ in confessing whom, as also the whole Church confesses, Simon was called Peter. But let the reader decide which of these two opinions is the more probable. The Fathers of the Church’ (Washington D.C., Catholic University, 1968; Saint Augustine, The Retractations Chapter 20.1).
Isto é muitíssimo interessante e quero que o vejamos detidamente que:
1. Em suas ‘Retratações’, Agostinho corrigiu o ponto de vista anterior, o de que Pedro era a rocha.
2. Depois, apresentou a opinião – que sustentou durante todo o seu ministério – que Pedro não é a rocha”.

Para analisar melhor este argumento – ainda que, em um primeiro momento, eu havia declinado de me aprofundar na opinião de Agostinho sobre Mateus 16,18, já que não representava uma rejeição do primado da parte de Santo Agostinho – passo agora a me aprofundar um pouco mais, para demonstrar o verdadeiro contexto e como Santo Agostinho, finalmente, em suas “Retratações”, se inclina para a segunda interpretação, considerando, porém, AMBAS como possivelmente válidas, deixando o leitor livre para se inclinar pela interpretação que considerasse mais apropriada.

Algumas citações em que Santo Agostinho via Pedro como a pedra são:

– “Não nos permitimos ouvir aqueles que negam que a Igreja de Deus é capaz de perdoar todos os pecados. Eles se equivocam porque não reconhecem em Pedro a pedra e eles rejeitam crer que as chaves do céu, a partir de suas próprias mãos, foram entregues à Igreja” (Do Combate Cristão 31,33; ano 397; in JUR,3:51).

– “Quando, deste modo, ele disse aos seus discípulos, ‘Vocês também me abandonarão’, Pedro, a pedra, respondeu por todos: ‘Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna'” (Homilias sobre João, Tratado 11,5; ano 417; in NPNF1,VII:76).

– “Pedro, que O confessou como Filho de Deus , e nessa confissão foi chamado ‘pedra sobre a qual a Igreja seria edificada'” (Comentário ao Salmo 69,4; ano 418; [PL 36, 869], in Butler, 251).

– “…Pedro, essa pedra, o próprio Pedro, a grande montanha…” (Comentário ao Salmo 104[103],16; ano 418; in NPNF1,VIII:513).

Chegamos agora às suas “Retratações”, onde enfatizarei aquilo que o nosso amigo [protestante] omitiu em seu comentário:

– “Em meu primeiro livro contra Donato, fiz em algum lugar uma referência ao Apóstolo Pedro como: ‘a Igreja está fundada sobre ele como que sobre uma rocha’. Esta interpretação também soa em muitos lábios nas abençoadas linhas de Santo Ambrósio, onde, falando de cozinha doméstica, diz: ‘Quando ele canta, a rocha da Igreja absolve o pecado’. Porém, me recordo que frequentemente expliquei as palavras de nosso Senhor a Pedro, ‘sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’, de maneira que deveriam ser entendidas como se referissem à confissão do próprio Pedro, quando disse: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’; e como significando que Pedro foi logo chamado rocha, portando a figura da Igreja, a qual está construída sobre esta rocha e recebeu as chaves do reino dos céus. O que foi dito dele não foi ‘Tu és Rocha’, mas ‘Tu és Pedro’, porém a Rocha era Cristo, tendo sido confessada por Simão (e como toda a Igreja confessa), que foi chamado Pedro. Qual destas interpretações é a mais correta, decida o leitor” (Retratações 1,21; ano 427; in GILES, 177).

Assim, dos textos acima, podemos entender que:

1. Santo Agostinho primeiramente era a favor de chamar Pedro de ‘pedra sobre a qual se edifica a Igreja’.

2. Comenta que essa interpretação é bastante difundida e aponta outro Padre da Igreja que a favorece: Santo Ambrósio.

3. Favorece [agora] a interpretação de que a pedra de Mateus 16,18 é a fé de Pedro; porém, não rejeita definitivamente a primeira interpretação, citada por Santo Ambrósio (outro Padre da Igreja de renome) e deixa aberta a possibilidade de que a outra interpretação seja também correta, permitindo que o leitor decida.

Este simples fato que nosso amigo [protestante] e Webster omitem ilumina bastante o assunto no sentido de que, a respeito de Mateus 16,18, as duas interpretações eram [para Agostinho] possivelmente válidas.

“Quero que leiam estas observações de John Rotelle, que é o editor das séries católicas dos sermões de Agostinho:
‘There was Peter, and he hadn’t yet been confirmed in the rock’: That is, in Christ, as participating in his ‘rockiness’ by faith. It does not mean confirmed as the rock, because Augustine never thinks of Peter as the rock. Jesus, after all, did not in fact call him the rock…but ‘Rocky.’ The rock on which he would build his Church was, for Augustine, both Christ himself and Peter’s faith, representing the faith of the Church’ (emphasis mine) (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine [New Rochelle: New City, 1993], Sermons, Sermon 265D.6, p. 258-259, n. 9).
É interessante que este autor católico e suas séries, que contam com o Imprimatur da Igreja, nos dá razão de tudo o quanto dissemos até aqui. Vejamos:
1. Agostinho nunca pensou em Pedro como a rocha.
2. Jesus não chamou Pedro de rocha.
3. A rocha sobre a qual seria construída a igreja, segundo Agostinho, era tanto o próprio Cristo quanto a fé de Pedro, representando a fé da Igreja.”

Neste momento, a parte protestante copia textualmente e sem traduzir uma citação que Willian Webster consignou em uma de suas publicações. Assim, sem precisar analisar se o autor original teve sua citação tirada de seu contexto, é interessante observar algumas coisas:

No tocante ao ponto 1, quando diz que Agostinho NUNCA pensou em Pedro como a rocha, já demonstramos que tal afirmação é falsa; acabamos, inclusive, de apresentar numerosas citações de Santo Agostinho onde ele assim reconhece. Ele mesmo o aceita [como possível] em suas “Retratações”, de modo que o nosso amigo [protestante] ou o erudito católico, ao afirmarem isto, se equivocam.

No tocante ao ponto 2, se Jesus chamou ou não Pedro de pedra (deixando de lado a opinião de Santo Agostinho), isto é um tema à parte; porém, se o que quer insinuar a parte protestante é que os eruditos católicos não crêem que Jesus chamou Pedro de “a pedra” – tomando por exemplo o autor [católico] que cita – tenta nos enganar de forma descarada! Consulte-se, por exemplo, a obra “O Pontificado Romano na História”, escrito por José Orlandis, catedrático de História do Direito da Universidade de Saragoza, primeiro decano da Faculdade de Direito Canônico da Universidade de Navarra e primeiro diretor do Instituto de História da Igreja, que escreveu mais de duzentos trabalhos e mais de vinte livros. Ele escreve:

– “…corresponderia a Pedro, na futura Igreja, ser a rocha, cimento inquebrantável, que assegurará sua perenidade: ‘E eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’; e a promessa das chaves do Reino: ‘Te darei as chaves do reino dos céus’ – de ligar e desligar no mundo, com decisões de relevo e efeitos transcendentes: ‘Tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus; e tudo o que desligares na terra, será desligado nos Céus'” (“O Pontificado Romano na História”, p. 14).

Estejam certos de que, assim como este autor, eu poderia citar uma grande quantidade de eruditos católicos que defendem a mesma opinião. Portanto, se o que tenta nosso amigo [protestante] é dar a falsa impressão de que estes eruditos possuem uma posição diferente da opinião deste servo [que ora escreve], está inutilmente esperando que faça frio no inferno.

No tocante ao ponto 3, considerando que para Santo Agostinho eram válidas ambas as interpretações, volto a observar que isto não implica em rejeição do primado. E já que nosso amigo gosta de tomar as citações de terceiros feitas na Webster, o que dizer das citações de eruditos protestantes – como Cesar Vidal [Manzanares] – que afirmam que Santo Agostinho sempre reconheceu o primado da Sé Romana?

– “(…) Eclesiologicamente, Agostinho não é unívoco na utilização do termo ‘igreja’, referindo-se tanto à comunidade dos fiéis, edificada sobre o fundamento apostólico, quanto ao conjunto dos predestinados que vivem na ditosa imortalidade. Considera herege não quem erra na fé (Ep XLIII,1), mas ao que ‘resiste à doutrina católica que lhe é manifestada’ (De Bapt. XVI,23), a qual se expressa no símbolo batismal, nos concílios (Ep. XLIV,1) e na sé de Pedro, que sempre desfrutou do primado (Ep. XLIII,7)” (Dicionário de Patrística; verbete “Agostinho de Hipona”).

“Então a pergunta é: Agostinho era um papista? Cremos que não, já que o seu ponto de vista se afasta muitíssimo do de Roma, a ponto de poder ser qualificado por herege por alguns concílios da igreja de Roma.
Então resumimos assim:
1. A igreja de Roma diz que a igreja se funda sobre Pedro, já que ele é a pedra de Mateus 16:18.
2. Agostinho diz que a igreja se funda sobre a fé de Pedro, isto é, sobre Jesus Cristo. Segundo ele, Pedro não é a pedra de Mateus 16:18.”

Analisemos agora os pontos de seu resumo:

1. Já vimos que o ponto 1 está equivocado. Mostramos, inclusive, o texto do Catecismo onde também se aceita a segunda interpretação, dizendo: “(…) Sobre a rocha desta fé, confessada por São Pedro, Cristo tem construído a sua Igreja”.

2. Se Agostinho diz que a Igreja se funda sobre a fé de Pedro – o que também é dito pelo Catecismo – não há realmente nenhum problema. Se o problema é que o Catecismo utiliza também a outra interpretação, tampouco há problemas, porque o próprio Santo Agostinho, em suas “Retratações”, permite que o leitor escolha a interpretação que considere mais conveniente. Se a isso somarmos o fato de que o próprio Agostinho era partidário da mesma e é, ele mesmo, quem nos recorda que em sua época essa interpretação também gozava da popularidade entre Padres reputados (como Santo Ambrósio), o argumento de nosso amigo [protestante] cai mais rápido que a torre de Babel.

“Na primeira citação que se deu de Agostinho, fala de Pedro como o primeiro dos Apóstolos. A que se refere Agostinho com isto? Pedro tinha algum ofício que o tornava primeiro entre eles? A resposta é simples: ‘Não’. Para Agostinho, todos os Apóstolos eram iguais, já que não existia nenhum papa.
Que Pedro fosse o primeiro, não era isso uma primazia de jurisidição, mas de honra. Poderiámos até dizer ‘de tempo’, já que Pedro foi o primeiro a ser escolhido pelo Senhor”.

Em textos anteriores, demonstrei que Santo Agostinho reconhecia na Igreja de Roma a primazia. Posteriormente, demonstrarei, com evidências, que esta primazia incluía a jurisidição sobre outras igrejas. No entanto, quero primeiro me deter no absurdo argumento da parte protestante. Note-se que ele alega que Pedro tinha a primazia de honra, por ser o primeiro a ter sido escolhido e, por isso, é “o primeiro entre os iguais”. Para justificar isto, oferece as seguintes citações (sem traduzí-las), para avalizar seu ponto de vista:

– “‘As you know, all of you who know the holy scriptures, among the disciples whom the Lord chose while present in the flesh, Peter was the first to be chosen. Paul on the other hand was not chosen among them, nor with them, but a long time afterward, though not for all that unequal to them. So Peter is the first of the apostles, Paul the last; while God, whose servants these two are, whose heralds, whose preachers these two are, is the first and the last (Rv 22:13). Peter first among the apostles, Paul last among the apostles; God both first and last, before whom nothing and after whom nothing. So God who has presented himself as eternally the first and the last, himself joined together the first and the last apostles in martyrdom’ (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine, Sermons III/8 [Hyde Park: New City, 1994], Sermon 299.2, p. 229).
– ‘The blessed apostles Peter and Paul were called at different times, and crowned on the same day. The Lord called Peter before all the others, Paul after all the others; Peter the first of the apostles, Paul the last; they were led to martydom on one and the same day by the First and the Last’ (John Rotelle, Ed., The Works of Saint Augustine, Sermons III/8 [Hyde Park: New City, 1994], Sermon 299C.1, p. 250).”

Repare-se que estes textos falam de Pedro e Paulo como Apóstolos (e nós cremos que Pedro seja tão apóstolo quanto Paulo e vice-versa). Não se aprofunda aí no primado de Pedro; apenas aborda a relação dos santos Apóstolos Pedro e Paulo acerca de sua ordem de chamamento. Portanto, ente argumento não dá apoio à posição protestante.

Há outros textos de Santo Agostinho, no entanto, que negam completamente que Pedro, no ofício do primado, possuísse a mesma autoridade que os demais Apóstolos, como vemos a seguir.

Um exemplo temos quando [Agostinho] escreve que Pedro é:

– “(…) o primeiro e chefe na ordem dos Apóstolos, na qual a Igreja foi representada” (Serm. 76,3).

Assim, segundo a interpretação de Agostinho, Pedro pode representar a Igreja e é chamado de “o chefe dos Apóstolos”. Note-se a discrepância entre o que é expressado pela parte protestante e o que é expresso por Agostinho. É inconseqüente qualquer especulação que relacione seu primado com a ordem em que foi chamado por Jesus (sem entrar na polêmica de quem foi realmente chamado em primeiro lugar, uma vez que os Evangelhos informam que foi André). Tome-se agora um exemplo da vida cotidiana e considere-se se o empregado mais antigo de uma empresa pode ser chamado necessariamente de chefe…

Eis outros textos onde Agostinho emprega expressões similares:

– “Entre os Apóstolos, quase em todo lugar, apenas Pedro tinha o mérito de personalizar a Igreja, já que esta mesma pessoa, a única de toda a Igreja que a suportava, apenas ele mereceu ouvir: ‘A ti darei as chaves do Reino do céu’. Para ti as chaves, não para um homem apenas, mas para receber a unidade da Igreja. Desde então se estabelece a excelência de Pedro, já que suportou a figura dessa mesma universalidade e unidade da Igreja quando foi dito a ele: ‘Eu te entrego’, tratando-se de algo que havia sido entregue a todos. Portanto, para que saibais que a Igreja recebeu as chaves do Reino dos céus, escutai o que o Senhor disse em outro lugar, a todos os seus Apóstolos: ‘Recebei o Espírito Santo’. E, em seguida: ‘Aqueles a quem perdoardes os pecados, estes lhes serão perdoados; aqueles a quem retiverdes, ficarão retidos’. Neste mesmo sentido, o Senhor, depois de sua ressurreição, confiou também a Pedro suas ovelhas, para que as apascentasse. Não que ele fosse o único dos discípulos que tivesse o encargo de apascentar as ovelhas do Senhor; é que Cristo, pelo fato de referir-se a um só, quis significar com isso a unidade da Igreja; e se dirige a Pedro com preferência aos demais, é porque Pedro é o primeiro entre os Apóstolos. Não te entristeças, Apóstolo; responda uma vez, responda duas, responda três. Vence por três vezes tua profissão de amor, já que por três vezes o temor venceu tua presunção. Três vezes há de ser desatado aquilo que por três vezes fôra atado. Desata pelo amor o que havias atado pelo temor. Apesar da sua debilidade, por primeira, por segunda e por terceira vez confiou o Senhor suas ovelhas a Pedro” (Serm. 295,2; 75,9).

Segundo Agostinho, apenas Pedro tinha o mérito de personalizar toda a Igreja; era o único que suportava toda a Igreja e somente ele mereceu ouvir: “A ti darei as chaves”. Através dele as chaves foram dadas a toda a Igreja, porém, ele é o portador. Todos [os demais Apóstolos] são pastores do rebanho, mas Pedro é o “chefe dos Apóstolos” (como o chama Agostinho), representando a todos em razão de seu primado. Todos os Apóstolos podem ligar e desligar em comunhão com sua cátedra. Isto tudo se deduz da totalidade dos textos de Agostinho, onde afirma que, para estar unido à Igreja Católica, é necessário estar unido à Sé Apostólica [=Roma].

– “A Igreja atua em bendita esperança até nesta vida problemática, e esta Igreja (…) foi personificada no Apóstolo Pedro, por conta do primado que obteve dentre os Apóstolos” (Sobre o Evangelho de João, Tratado 124,5; ano 416; in NPNF1, VII:450).

Neste ponto, é indiscutível que Santo Agostinho reconhecia o primado de Roma. Agora, se alguém tenta alegar que este primado era apenas um “primado de honra”, tal argumento também cai por terra; e darei diversas razões.

Em textos paralelos, onde Agostinho emprega esta mesma palavra, não se pode dar guarida a essa interpretação; por exemplo, quando escreve:

– “Advertí que tínhamos outras atas eclesiásticas. Segundo elas, Segundo Tigisitano, que era então o primaz da Numídia, tinha deixado os traidores ao juízo de Deus, pois estavam presentes e confessaram seu delito. Ele lhes permitiu que permanecessem como estavam, em suas sés episcopais” (Epist 43,3 [a Glório e outros]; ano 397/398; in FC, XII:184) .

Segundo de Tigisitano, nessa época, mantinha o primado da província da Numídia. Assim, por manter a primazia, presidia sobre os demais bispos da Numída (no Concílio de Cirta, Segundo foi quem presidiu o concílio).

Porém, através da revisão dos fatos históricos, é possível provar, de forma mais contundente, o reconhecimento de Santo Agostinho ao primado de Roma: não apenas um primado de honra, mas também de jurisdição. Uma prova clara temos quando nos diversos concílios celebrados em Cartago e Milevi, os diversos bispos africanos condenam o Pelagianismo e apelam para o Papa, para que este ratifique a decisão. Um extrato da carta que 68 bispos [de cartago] enviaram ao Papa, diz:

– “Nos reunimos conforme o costume da Igreja de Cartago e um sínodo foi realizado para discutir várias matérias, quando nosso irmão, presbítero Orósio, nos apresentou as cartas de nossos santos irmãos e companheiros, os bispos Heros e Lázaro, as quais incluímos. Uma vez lidas estas [cartas], percebemos que Pelágio e Celestino foram acusados de serem os autores de um erro perverso, devendo os mesmos serem condenados por todos nós. Em razão disso, pedimos que tudo o que foi feito em relação a Celestino aqui em Cartago, há cerca de cinco anos, seja levado até o fim. Tendo lido isto – como Sua Santidade pode perceber pelas atas que juntamos – apesar de a decisão ser clara, vez que demonstrada que tão grande ferida tinha sido extirpada pela Igreja mediante o juízo episcopal, mesmo assim pensamos que era conveniente uma deliberação comum, para que os autores dessa persuasão (apesar de haver rumores que Celestino desde então logrou êxito em alcançar o sacerdócio) sejam anatematizados abertamente para que, se não obtiverem sua [própria] salvação, obtenha-se, ao menos, [a salvação] daqueles que foram ou possam ser enganados por eles, quando souberem da sentença condenatória. Acreditamos ser correto, honorável irmão, que este ato seja comunicado a Vossa Caridade, para que à estatura da nossa pequenez seja acrescentada a autoridade da Sé Apostólica (ut statutis nostrae mediocritatis etiam apostolcae sedis adhibeatur auctoritas), para a preservação da segurança de muitos e para a correção da perversidade de alguns” (Carta do Concílio de Cartago ao Papa Inocêncio I).

– “E tememos que, por vos repetir estas mesmas coisas que Sua Santidade prega com maior graça a partir da Sé Apostólica (quae majore gratia de sede apostolica praedicas), possa parecer que o fazemos de maneira inconveniente. Porém, o fazemos porque, levando em consideração a nossa maior debilidade, os ataques dos hereges são mais constantes e ousados quanto maior é o zelo com que demonstramos pregar a Palavra de Deus. Portanto, se Pelágio parece a Sua Santidade absolvido pelas atas episcopais, cujos rumores é de que foram negociadas no Oriente, ainda assim o próprio erro e a impiedade demonstrada por muitos de seus promotores em diversos lugares deve também ser anatematizado pela autoridade da Sé Apostólica. Que Sua Santidade considere e sinta conosco, em seu coração de pastor, quão vãs e destrutivas são para as ovelhas de Cristo as necessárias conseqüências desta sacrílega discussão” (Idem)

– “Pois, ainda que Pelágio e Celestino tenham corrigido sua conduta ou anunciem que nunca defenderam tais opiniões, e neguem que sejam seus quaisquer escritos que nos apresentam como evidência contra eles, e se não há maneira nenhuma de convencê-los de sua fasidade, mesmo genericamente quem quer que queira assegurar dogmaticamente etc., que seja anátema. Quanto as outras coisas que se objetam contra eles, não duvidamos que Sua Reverência, após ler as atas episcopais, que dizem que foram redigidas no Oriente pelo mesmo motivo, deixará de emitir tal sentença [condenatória], que fará regozijar a todos nós na misericórdia de Deus (id judicarurum unde omnes in Dei misericordia gaudeamus)” (Idem).

Outra carta, enviada por 61 bispos do Concílio de Milevi – inclusive Santo Agostinho – dizia:

– “Visto que Deus, por um dom especial de Sua graça, vos colocou na Sé Apostólica, e nos deu alguém como Sua Santidade em nossos tempos, para que possa ser melhor imputada a nós, como uma falta de negligência se falhamos em mostrar a Sua Reverência o que é sugerido para a Igreja, se Sua Santidade receber as mesmas com desprezo ou negligência, rogamos que vossa diligência pastoral abrace o grande perigo que correm os membros débeis de Cristo” (Carta do Concílio de Milevi ao Papa Inocêncio I).

– “Ao insinuar estas coisas ao vosso peito apostólico, não precisamos dizer muito, e acumular palavras acerca desta impiedade, já que, sem dúvida, moverá em Sua Santidade tal sabedoria que não podereis deixar de vos abster de corrigí-las, para que não possam se infiltrar ainda mais (…) Dizem que os autores desta perniciosa heresia são Pelágio e Celestino, os quais, na verdade, deveriam preferir ser curados pela Igreja ao invés de serem separados da Igreja desnecessariamente. Dizem que um deles, Celestino, inclusive logrou êxito em alcançar o sacerdócio na Ásia. Sua Santidade foi melhor informada pelo Concílio de Cartago acerca do que foi feito contra ele há alguns anos. Pelágio – nos informam as cartas de alguns de nossos irmãos – encontra-se em Jerusalém; dizem que está enganando muitos ali. No entanto, muitos outros, que examinaram mais de perto seus pontos de vista, o estão combatendo em nome da Fé católica, em especial, vosso santo filho, nosso irmão e companheiro sacerdote, Jerônimo. Porém, consideramos que, com a ajuda da misericórdia de nosso Deus, a quem rezamos para que o aconselhe e escute vossas preces, aqueles que mantêm estas perversas e banais opiniões cederão mais facilmente à autoridade de Sua Santidade, que provém da autoridade das Sagradas Escrituras (auctoritati sanctitatis tuae, de sanctarum scripturarum auctoritate depromptae facilius….esse cessuros), para que possamos regozijar em sua correção ao invés de nos entristecermos por sua destruição. Porém, optem eles pela alternativa que quiserem, Sua Reverência precisa perceber que ao menos deve-se cuidar destes muitos que podem ser enredados por suas redes, caso não se submetam honradamente. Escrevemos isto a Sua Santidade a partir do Concílio da Numídia, imitando os nossos companheiros bispos da Igreja e província de Cartago, que entendemos terem escrito acerca desta matéria à Sé Apostólica que Sua Graça adorna” (Idem).

Nestas cartas, o Papa é indicado como aquele que recebeu de Deus a graça especial de ocupar a Sé Apostólica. Porém, o mais interessante é que, ainda que as sentenças dos concílios regionais, repletos de bispos (inclusive Agostinho) fosse rejeitado pelos hereges, a autoridade da Sé Apostólica podia infundir-lhes o terror ou, talvez, convertê-los.

É necessário ressaltar que os bispos pedem uma condenação autoritativa do Papa contra as doutrinas que eles já haviam condenado anteriormente, para que o mal fosse inteiramente erradicado, reconhecendo de forma implícita que, enquanto os Concílios regionais apenas alcançavam as regiões africanas, o alcance do Papa tinha força universal. Se isto não é jurisdição, então o que era?

E se o bispo de Roma não tivesse autoridade sobre toda a Igreja, por que os bispos da África e Agostinho (também bispo) teriam a preocupação de saber o que o Papa diz ou não? Por que os hereges, que tinham ignorado a decisão de mais de 100 bispos, se converteriam em razão da palavra de apenas um?

Posteriormente, Santo Agostinho enviou uma carta para um bispo de nome Hilário, prevenindo-o contra os hereges:

– “…ouvimos dizer que na Igreja de Cartago um decreto de um Concílio de bispos foi feito contra eles e deverá ser enviado, por carta, ao santo e venerável papa Inocêncio; e nós temos cartas semelhantes do Concílio da Numídia para a mesma Sé Apostólica” (Epist. 178).

Vejamos agora a resposta do Papa às cartas dos bispos africanos, redigida em 3 de janeiro de 417:

– “Ao inquirir acerca dessas coisas que devem ser tratadas com toda solicitude pelos bispos e, especialmente, por um verdadeiro e justo Concílio católico, preservando – como fizestes -, o exemplo da antiga tradição e preocupando-se da disciplina eclesiástica, vós verdadeiramente fortalecestes o vigor da nossa Fé, não menos agora que nos consultais quanto ao vosso veredito. Já que decidistes que era apropriado referir ao nosso juízo, sabendo o que é devido à Sé Apostólica, já que todos os que estão neste lugar desejam seguir o Apóstolo [Pedro], do qual o próprio episcopado e a plena autoridade deste nome se derivam., seguindo seus passos, sabemos como condenar o mal e aprovar o bem. Mesmo assim, preservastes, por vosso cargo sacerdotal, os costumes dos Padres e não desdenhastes daquilo que é decretado por uma sentença divina e não humana: que qualquer coisa que seja feita, ainda que em províncias distantes, não deve ser aplicado enquanto não for dado a conhecer a esta Sé. Pois é por sua autoridade que todos os pronunciamentos justos devem ser fortalecidos e que, a partir daí, todas as outras igrejas – como águas que fluem da fonte e correm por diferentes regiões do mundo, os arroios puros da única cabeça incorrupta – devem receber o que buscam impor: quem deve ser lavado e a quem esta água, digna de corpos puros, deve ser evitada, para não profaná-la pela sujeira inlavável. Vos felicito, portanto, queridos irmãos, por ter dirigido cartas a nós, por intermédio de nosso irmão e companheiro, o bispo Júlio, e pelo cuidado das igrejas que governais terem mostrado sua solicitude pelo bem-estar de todos, por pedirem um decreto que deve beneficiar todas as igrejas do mundo de uma só vez, para que a Igreja, tendo estabelecido as suas regras, confirme por este decreto o justo pronunciamento contra estes erros e, assim, possa evitar temer estes homens” etc. (Carta do Papa Inocêncio I ao Concílio de Cartago; Epist. 181; in FC, XII:121-122, 125, 127).

– “Dentro dos deveres da Igreja Romana e das atividades da Sé Apostólica, em que tratamos com as fiéis e curativas discussões das diversas consultas, nosso irmão e companheiro, o bispo Júlio, me trouxe, sem demora, as cartas que Vossas Caridades enviaram a partir do Concílio de Milevi , demonstrando vossos sérios cuidados para com a Fé, acrescentando uma queixa similar à do Concílio de Cartago. É, portanto, com o devido cuidado e apropriadamente que consultais os segredos do ofício apostólico (apostolici consulitis honoris [al. oneris] arcano); a esse ofício que me refiro, corresponde, assim como as coisas de fora, o cuidado de todas as igrejas diante da opinião que se deve ter acerca desta preocupante questão, seguindo assim a antiga regra que sabeis ter sido observada por todo o mundo perante nós. Porém, deixo de lado este tema, pois não penso que seja desconhecido por vossa prudência; caso contrário, por que confirmar com vossa ação, se não conheciam que as respostas sempre fluem da Fonte Apostólica para todas as províncias que as pedem? Frequentemente se discute uma questão de fé, porém, pensamos que todos os nossos irmãos e companheiros bispos devem se referir a ninguém mais que Pedro, o autor de seu nome e ofício, inclusive como agora, quando Vossas Caridades nos referem um tema que pode ser útil em todo o mundo, a todas as igrejas em comum. Porque, por necessidade, devemos nos tornar ainda mais cautelosos quando vemos os inventores da maldade – tendo em vista a conclusão dos dois sínodos – terem sido cortados da comunhão eclesial por nossa sentença. Vossa caridade, portanto, ocasionará um duplo bem, pois obterão a graça de ter preservado os cânones e o mundo inteiro compartilhará do vosso benefício” (Carta do Papa Inocêncio I ao Concílio de Milevi; Epíst.182; in FC, XII:127, 128, 130, 131).

Desnecessário seria negar o convencimento que expressa o Papa em suas cartas aos bispos africanos (incluindo Agostinho), sobre sua jurisdição sobre toda a terra. De fato, assim expressa, de forma diáfana, quando afirma que “não deve concluir sem ser dado conhecimento a esta Sé, pois é por sua autoridade que todos os pronunciamentos justos devem ser fortalecidos”. Interessante que se afirma que esta é uma antiga regra seguida em todas as partes, sendo mais clara, todavia, quando afirma que a essa Sé corresponde o cuidado de todas as igrejas e que as respostas fluem desta fonte apostólica a todas as províncias que as solicitam, sobretudo em questões de fé.

Também não é necessário dizer que uma carta assim não teria sido bem recebida por Santo Agostinho e os outros bispos africanos se estes pensassem como a nossa contraparte protestante, no sentindo de não existir tal primazia de jurisdição do Papa sobre as províncias da terra. No entanto, Santo Agostinho não demonstra evidência alguma de que tal carta causasse algum incômodo; ao contrário, não apenas diz que é “pio”, como também se alegra do ditame do Papa, escrevendo que, tendo Roma se pronunciado, a causa estava encerrada:

– “Já por este motivo foram enviadas duas cartas à Sé Apostólica e também dali vieram dois rescritos. A causa foi encerrada, para que finalmente termine o erro” (Sermão 131,10,10; Epíst. 150,7).

Futuramente, Santo Agostinho reafirma seu pensamento definitivo sobre o decreto do Papa Inocêncio:

– “[Celéstio] deveria manter seu assentimento ao decreto da Se Apostólica, o qual foi publicado por seu predecessor de sagrada memória. O acusado, no entanto, rejeitou condenar as objeções realizadas pelo diácono, contudo ele não se atreveu a sustentar abertamente a carta do bendito Papa Inocêncio” (Do Pecado Original 7,8; ano 418; in NPNF1,V:239).

– “…ele contestou que consentiu às cartas do papa Inocêncio, de bendita memória, por quem toda a dúvida sobre esta matéria fôra removida” (Contra as Duas Cartas dos Pelagianos 3,5; ano 420; in NPNF1, V:393).

“As palavras do venerável bispo Inocêncio, referentes a esta matéria do Concílio cartaginense: o que poderia ser mais claro ou manifesto que o juízo da Sé Apostólica?” (Contra as Duas Cartas dos Pelagianos 4,6; ano 420; in NPNF1, V:394).

Portanto, é risível qualquer objeção para negar que Santo Agostinho considerava os decretos do Papa como portadores de autoridade e definitivos.

Com isto em mente, podemos rir dos comentários da parte protestante que afirmam: “Agostinho não diz que os sucessores de Pedro tinham jurisdição sobre a igreja”.

Vou analisar agora outras objeções da parte protestante:

“E aqui vemos outra mentira de José Miguel, já que diz: ‘Para o santo bispo de Hipona, o ministério concedido a Pedro é desempenhado especificamente pelos bispos de Roma em sucessão ininterrupta’. Qual ministério? O do papado? Vigários de Cristo? Infalibilidade papal? Juridsição sobre a Igreja? Poderia nos responder o sr. Miguel?”

Eu estava me referindo ao seu posto no ofício da Sé Apostólica, à cátedra de Pedro, ou qualquer outro como o prefira chamar.

Cito novamente a Epístola 53, onde Santo Agostinho explicitamente afirma que a sucessão dos bispos de Roma alcança até o próprio Pedro, nos fornecendo, inclusive, a lista dos bispos de Roma até o momento em que escreveu esta carta:

– “Se a sucessão dos bispos for levada em conta, quanto mais certa e benéfica a Igreja que nós reconhecemos chegar até o próprio Pedro, aquele que portou a figura da Igreja inteira, a quem o Senhor disse: ‘Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’. O sucessor de Pedro foi Lino, e seus sucessores em ordem de sucessão ininterrupta foram estes: Clemente, Anacleto, Evaristo, Alexandre, Sisto, Telésforo, Higino, Aniceto, Pio, Sótero, Eleutério, Victor, Zeferino, Calisto, Urbano, Ponciano, Antero, Fabiano, Cornélio, Lúcio, Estêvão, Sisto, Dionísio, Félix, Eutiquiano, Caio, Marcelino, Marcelo, Eusébio, Miltíades, Silvestre, Marcos, Júlio, Libério, Dâmaso e Sirício, cujo sucessor é o presente bispo Anastácio. Nesta ordem de sucessão, nenhum bispo donatista é encontrado” (Santo Agostinho, Ep. 53,2).

Apresentamos também as cartas dos Concílios africanos (incluindo Agostinho), onde se reconhece este ofício do papa e se lhe pede o pronunciamento definitivo para a erradicação da heresia. Estas provas são conclusivas, porém, como é claro, “o pior cego é aquele que não quer ver”.

“Embora eu tenha colocado a minha ênfase nas últimas considerações de José Miguel Arráiz (JMA), a primeira também é interessante, onde Agostinho aponta as razões do porquê de não se separar da igreja católica – a qual não é a mesma da de JMA. Aqui vemos bem definida a sua eclesiologia, a qual obteve de Optato, que escreveu “Sete Livros sobre o Cisma Donatista” (PL XI,883-1103). O ponto de vista de Agostinho não se afasta muito do de Optato; sobre a catolicidade da igreja, diz que ela consiste em estar por toda a terra (cf. Da Unidade da Igreja 3.4; BAC XXX,659); e a apostolicidade da igreja se baseia na sucessão apostólica de seus bispos, cujo epitome encontra-se em Roma, pois ali se pôde assinalar uma sucessão ininterrupta desde Pedro, ‘figura de toda a Igreja’ (Epíst. LII,1; BAC LXIX,301).
Os donatistas não tinham essas características, já que suas doutrinas não concordavam com as doutrinas das igrejas apostólicas; portanto, suas doutrinas não eram ortodoxas. No entanto, jamais encontraremos na citação feita por JMA qualquer menção à jurisidição de Pedro e seus sucessores sobre a Igreja, tal como Roma ensina, ou que Agostinho permanece na igreja pelo simples fato de o bispo de Roma ser o vigário de Cristo na terra. No pensamento de Agostinho não havia outra primazia além daquela da igreja apostólica e não de um ‘papado’, como quer nos enganar JAM. Agostinho tinha a igreja de Roma e seu bispo em alta estima, mas não havia nenhuma espécie de poder papal sobre eles; vejamos o que diz este historiador quanto a Roma:
– ‘Elsewhere I have argued in detail Augustine’s views of authority in the Church and that, in my opinion, the council [not the Pope] was the primary instrument for settling controversies….I believe that Augustine had great respect for the Roman church whose antiquity and apostolic origins made it outshine by far other churches in the West. But as with Cyprian, the African collegial and conciliar tradition was to be preferred most of the time.’ (The Rise of the Papacy [Wilmington, Delaware: Michael Glazier, 1990], p. 79)”.

Aqui, a parte protestante começa com uma óbvia falácia de “espantalho”, afirmando que Santo Agostinho não se afastava da Igreja Católica por razões diferentes das que apontei. Porém, o que eu apontei na verdade? Me limitei a copiar textualmente a citação de Agostinho onde ele explica, com suas próprias palavras:

– “Ainda prescindindo da sincera e genuína sabedoria…, que em vossa opinião não se encontra na Igreja Católica, muitas outras razões me mantém em seu seio: o consentimento dos povos e das gentes; a autoridade, erigida com milagres, nutrida com a esperança, aumentada com a caridade, confirmada pela antigüidade; a sucessão dos bispos desde a própria sé do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor confiou, depois da ressurreição, o apascentamento de suas ovelhas até o episcopado de hoje; e, por fim, o próprio apelativo de ‘católica’, que não sem razão apenas a Igreja alcançou… Estes vínculos do nome cristão – tantos, grandiosos e dulcíssimos – mantêm o crente no seio da Igreja católica, apesar de que a verdade, por causa da torpeza de nossa mente e indignidade de nossa vida, ainda não se apresenta” (Santo Agostinho, C. ep. Man. 4,5).

É Santo Agostinho (e não eu) quem afirma que uma das razões por que não se afasta da Igreja é a sucessão dos bispos a partir da própria Sé do apóstolo Pedro. Notório que também nesta mesma epístola, um pouco mais adiante, ele diz: “Eu não creria no Evangelho se a isso não me movesse a autoridade da Igreja Católica”

Pois bem: não foi dito que essa era a única razão; e se é isso que ele tenta dar a entender, está mentindo. Porém, algo que Agostinho testemunha é que se alguém não está em comunhão com Roma (como é o caso do autor da réplica protestante), então também não está em comunhão com a Igreja Católica, como atira na cara dos donatistas:

– “Não é possivel crer que guardais a fé católica se não ensinais que se deve guardar a fé romana” (Serm. 120,13)

– “Venham, irmãos donatistas, se desejam se unir à videira. É penoso quando vos vemos assim cortados. Numerem os sacerdotes, inclusive a partir da sé de Pedro. E, nessa ordem, verifiquem quem os sucedeu. Essa é a pedra, a qual as portas do inferno não podem conquistar. Todos os que se regozijam na paz apenas julgam verdadeiramente” (Salmo contra a Cerimônia Donatista 2; ano 393; in GILES, 182)

O que [o protestante] diz a seguir, é uma afirmação gratuita sobre a negação da evidência da jurisdição do bispo de Roma sobre todas as outras igrejas, argumento este que já reefutei de forma suficientemente clara.

A respeito da citação de Michael Glazier, as palavras que são colocadas entre colchetes alteram o sentido do texto original; porém, isto também não apóia o ponto de vista [protestante], porque o que é dito ali é que os concílios eram o primeiro instrumento para resolver as disputas, como ocorre ainda hoje. Porém, não é a mesma coisa dizer que o primeiro instrumento seja a última instância ou possua a máxima autoridade! Não se deve esquecer que são os próprios Papas quem utilizavam – e utilizam – os concílios como principal instrumento para resolver os problemas, o que não é uma rejeição de sua própria autoridade. Prova palpável acabamos de mostrar: os conflitos com os pelagianos tentou-se resolver através de concílios; mas estes pediam a aprovação do bispo de Roma para confirmar suas decisões e transformá-las em regra para toda a Igreja.

Para concluir, analisarei um comentário irrelevante onde sou acusado de anacronismo:

“Que mais poderia querer? Que fosse apresentado o título de “Papa”? Ora, isto também ocorre em inumeráveis ocasiões, as quais seria muito trabalhoso enumerar”.

“O uso da palavra ‘papa’ é de total anacronismo, já que naquela época se usava a palavra ‘papa’ – que simplesmente significa ‘pai’ – a todo bispo. Por exemplo, Jerônimo usa o título de papa para Atanásio, Epifânio, Paulino e Agostinho; os gregos continuam empregando-o para qualquer sacerdote. No entanto, José Miguel quer nos enganar, afirmando que o uso da palavra ‘papa’ por Agostinho aos bispos de Roma significa que apóia o papado promovido pela igreja de Roma; porém, não diz que foi somente no século VII que a igreja latina se converteu em propriedade dos bispos de Roma. Gregório VII ordenou, em 1073, que esse título fosse reservado exclusivamente para o bispo de Roma. Portanto, José Miguel quer dar um significado à palavra ‘papa’ que só veio a ter séculos depois de Agostinho”.

Nesta parte, nosso amigo [protestante] se declara abertamente clarividente e afirma o que eu quero ou não fazer crer. Eu não disse que o título de Papa era empregado exclusivamente naquela época para o bispo de Roma, nem pretendi afirmar que a primazia do bispo de Roma dependa diretamente de que se lhe chamem ‘Papa’, como se nota das evidências [ali e também aqui] suficientemente apresentadas. Assim, o meu comentário não deve ser entendido além do que eu disse: que se meu amigo protestante, depois de toda a evidência apresentada, queria ver se também o chamavam de ‘Papa’, isto também encontrava.

CONCLUSÃO

Espero que este pequeno estudo permita aprofundar ainda mais este tema, sobre o qual pouco foi publicado na Internet, em espanhol [ou português]. Espero da próxima vez apontar outras evidências, já que o tema é bastante extenso. Por outro lado, agradeço à contraparte protestante, pois me permite continuar enriquecendo a apologética católica.

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BIBLIOGRAFIA:

– BAC 422. Patrología III, Instituto Patriótico Augustinianum
– BAC 457. Obras Completas de San Agustín, XXXV
– BAC 69. Obras Completas de San Agustín, VIII
– BAC 99b, Obras Completas de San Agustín, X1b
– El pontificado Romano en la Historia, José Orlandis
– Jesús, Peter & Keys, Scott Butler, Norman Dahlgren, Rev. Mr. David Hess
– Upon this Rock, Stephen K. Ray
– St. Augustine, St. Peter & the Papacy, Stephen K. Ray
– St. Augustine, Pelagianism, and the Holy See, by John Chapman
– Catecismo Oficial da Igreja Católica
– Diccionario de Patrística, Cesar Vidal Manzanares

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