Se as imagens não são proibidas, por que os cristãos de Éfeso não encomendavam imagens dos artífices?

– Pode me ajudar, quando puder, com as duas “dúvidas” de um protestante (leia o texto abaixo). Temo em não dar uma resposta satisfatória, portanto resolvi “pedir ajuda aos universitários”. Abraços (José Renato – Santos-SP)

<<Há anos perguntando, nenhum católico respondeu…

Seja você o primeiro católico a responder esta pergunta:

Atos 19 conta o seguinte:

– Paulo estava havia um bom tempo em Éfeso, e neste tempo muitos se converteram ao cristianismo e reuniam-se no teatro da cidade. Os artíficies (fabricantes de imagens de escultura) perdiam seus clientes com o significativo número de conversões ao cristianismo.

Por causa da redução dos lucros os artíficies fizeram um protesto contra Paulo e os cristãos, afirmando que por causa deles a sua profissão estava ficando em descrédito e que a deusa Diana também corria este risco por causa dos cristãos.

A pergunta é:

“Porque os cristãos desta época não encomendavam imagens de Maria, de Jesus, dos santos e dos profetas?”

“Será que os ourives iriam protestar por estarem perdendo clientes se os cristãos encomendassem imagens de escultura a eles? Tais artífices não ficariam felizes por ganharem novos clientes? Por que então os cristãos não faziam isso?”>>

Prezado José Renato,
Eu já tinha ouvido essas perguntas antes e as respostas são mais de natureza histórica. O erro do irmão protestante provém do fato de não saber que os pagãos fabricantes de imagens eram pessoas consagradas aos seus deuses. Cada ofício tinha os seus protetores e cada família tinha os seus “lares”, algo semelhante aos “terafim” mencionados no episódio de Gênesis em que Jacó deixa a casa de Labão. Com o passar do tempo, a medida que a cultura romana se cristianizou, as diferentes categorias de ofícios adotaram um santo padroeiro cristão ao invés de um deus pagão; a Igreja sancionou este costume piedoso por não encontrar nele nada de mau.

As imagens mais antigas que possuímos são representações de Cristo como Bom Pastor, que aparecem nas catacumbas romanas. Um testemunho bastante forte é um grafito romano que apresenta com ironia um cristão adorando um asno crucificado. Deus sabe o que faz! Essa expressão irônica é uma garantia de que não foi desenhada por um sectário ou qualquer outro cristão. Por esse desenho ficamos sabendo que Alexâmenos (o homem representado fazendo o sinal da cruz) se prostrava diante de um crucifixo. A imagem é datada do século III:

O costume de representar ícones e imagens, consagrá-los etc. deve, portanto, ter começado muito cedo na Igreja, já que as catacumbas existem desde os tempos apostólicos (São Pedro, aliás, foi enterrado em uma delas).

Os cristãos de Éfeso jamais encomendariam uma imagem aos próprios pagãos do templo [de Diana]. Desde os primeiros séculos as imagens cristãs foram talhadas ou pintadas por ermitões ou monges, como ainda ocorre entre os gregos ortodoxos. [Mas em Éfeso] dispomos hoje de imagens talhadas na rocha que remontam ao século III (ver  AQUI).

O problema dos talhadores de ídolos de Éfeso é que os cristãos não adoravam ídolos. Não é a mesma coisa usar uma imagem para recordar e honrar Jesus, Maria ou um santo e adorar diretamente a imagem como fazem os pagãos. Para o pagão, a imagem é Deus; para o cristão, a imagem é um ponto de reflexão que o conduz a Deus em meditação, um sinal, uma representação respeitosa de uma realidade que não pode ser representada mas apenas invocada ou recordada.

Para maiores informações (boas e breves!) sobre a vida e adoração pagãs nos tempos greco-romanos, recomendo o livro “The God that Did not Fail” (=O Deus que não Falhou), de Robert Royal.

Creio ainda que o amigo protestante pode resolver as suas perguntas se estudar como funcionava a sociedade pagã e o papel que cabia à religião naqueles tempos. Os conceitos da sociedade pagã são bastante diferentes dos da nossa e é necessário estudar muita História para poder compreender o contexto social das cartas de Paulo e o Novo Testamento em geral.

Recomendo também o livro “The Bones of St. Peter” (=Os Ossos de São Pedro): o seu autor, o arqueólogo calvinista John Evangelist Walsh, converteu-se ao Catolicismo após concluir a sua pesquisa.

Por fim, anexo o seguinte artigo sobre as Imagens, extraído do meu Blog de Apologética:

IMAGENS

Católicos e protestantes concordam que os Dez Mandamentos são de inspiração divina. Os Mandamentos aparecem em diversos pontos da Bíblia, como por exemplo, Êxodo 20 e Deuteronômio 5.

É importante observar que os textos originais não indicam onde começa e termina cada Mandamento. A numeração por versículos foi estabelecida no século XI pelo Cardeal Hugo de Santo Claro como auxílio e guia para o estudo das Escrituras. A ordem dos Mandamentos empregada pela Igreja Católica é a mesma empregada por Santo Agostinho já no século IV e é a mesma empregada pelos grupos eclesiais luteranos. Alguns grupos eclesiais protestantes usam hoje a divisão dos Padres Gregos que é um pouco diferente da usada por Santo Agostinho.

Em uma tentativa de atacar o uso de imagens no culto, alguns reformadores – entre eles, João Calvino – decidiram apontar “Não farás escultura nem imagem alguma…” como Segundo Mandamento. Para os católicos, no entanto, esta passagem é parte integrante do Primeiro Mandamento porque assim sugere a sintaxe hebraica original. Para que a lista não terminasse com Onze Mandamentos, os reformadores juntaram os dois últimos Mandamentos em um só, incluindo a mulher entre as propriedades ou pertences. Esta alteração protestante é importante porque rebaixa de maneira injusta a dignidade da mulher na vida cristã enquanto que o Decálogo católico preserva o entendimento cristão da dignidade da mulher, do matrimônio e da monogamia que prevalecem no Novo Testamento. Em um claro excesso de autoridade, os reformadores modificaram as Escrituras que a Igreja aceitava há muitos séculos. Sua intenção de dar ênfase ao que consideravam injusto (uso de imagens no culto) resultou em uma redução da dignidade da mulher cristã criada, tal como o homem, à imagem de Deus: “Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher” (Gênesis 1,27).

“Deus pronunciou todas estas palavras: ‘Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirou do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que existe em cima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante dos ídolos, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o SENHOR teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por mil gerações para com os que me amam e guardam os meus mandamentos'” (Êxodo 20,1-6).

As instruções de Deus neste caso devem ser entendidas no seu contexto original. Os israelitas estão saindo do Egito, onde viviam já há quatro séculos em meio a uma cultura que atribuía às imagens as qualidades e o poder dos deuses que representavam. Nessas circunstâncias é que Deus condena o estilo pagão de adorar as imagens, tão comum no Egito (uma sociedade bem conhecida por sua religiosidade pagã). O Mandamento não afirma que todas as imagens são inerentemente malignas, tampouco proíbe os fiéis de usá-las de maneira apropriada no culto e na liturgia, como comprovaremos logo após estudar a construção do Tabernáculo de Israel, construído pelos próprios isrelitas seguindo as instruções de Deus. Resta claro, ao ler o relato completo do Êxodo – assim como outras partes da Escritura – que o abominável não são as imagens por si mesmas, mas a sua adoração como se fossem deuses.

“Farás dois querubins de ouro polido nas duas extremidades do propiciatório: um de cada lado, de modo que os querubins estejam nos dois extremos do propiciatório. Os querubins, com as asas estendidas por cima, estarão encobrindo o propiciatório, um em frente do outro, voltados para o propiciatório” (Êxodo 25,18-20).

Deus manda os israelitas decorarem a Arca da Aliança com imagens de anjos.

“Para as duas extremidades do propiciatório fez dois querubins de ouro, de ouro polido, um querubim na extremidade de um lado e outro querubim na extremidade do outro lado. Os querubins tinham as asas estendidas por cima e encobriam com elas o propiciatório; estavam um diante do outro, voltados para o propiciatório” (Êxodo 37,7-9).

“No Santo dos Santos mandou erigir dois querubins esculpidos, revestidos de ouro. A extensão total das asas dos querubins era de dez metros. Uma asa do primeiro querubim, de dois metros e meio, tocava a parede da sala, e a outra asa, de dois metros e meio, tocava a asa do outro querubim. Do mesmo modo, uma asa do segundo querubim, de dois metros e meio, tocava a parede da sala, e a outra asa, de dois metros e meio, tocava a asa do outro querubim. As asas estendidas daqueles querubins mediam, pois, dez metros. Eles estavam de pé com os rostos voltados para o templo. Mandou fazer a cortina de púrpura roxa e vermelha, de carmesim e de linho fino e adorná-la com figuras de querubins” (2Crônicas 3,10-14).

Estas esculturas de anjos foram construídas para decorar o Templo. Isto jamais teria ocorrido se a proibição divina incluísse imagens de qualquer espécie.

“Debaixo da borda havia por toda a circunferência um friso com figuras de bois, vinte por cada metro. Em duas filas rodeavam o ‘Mar’, fundidas com este numa só peça. Era sustentado por doze novilhos, três deles voltados para norte, três para oeste, três para sul e três para leste. O ‘Mar’ repousava sobre eles e as partes traseiras estavam voltadas para o lado de dentro” (2Crônicas 4,3-4).

Estas figuras de bois estavam localizadas conspicuamente no átrio do Templo de Salomão.

“Sobre os painéis entre as travessas havia leões, touros e querubins; da mesma forma, sobre as travessas, acima e abaixo dos leões e bois, havia guirlandas em relevo” (1Reis 7,29)

Havia uma enorme variedade de imagens esculpidas no Templo de Salomão e nos sucessivos Templos em que se adorou o Deus de Israel.

“No Santíssimo, Salomão mandou instalar dois querubins de madeira de oliveira de dez côvados (=5 metros) de altura” (1Reis 6,23).

Por vontade pessoal, Salomão mandou talhar imagens de querubins para o Templo. Deus não havia lhe dado esta ordem, no entanto, essas imagens não Lhe resultaram ofensivas.

“Dentro e fora do templo, em volta de todas as paredes internas e externas, estavam pintados querubins e palmeiras. Havia uma palmeira no meio de cada dois querubins. Cada querubim apresentava duas faces: Para o lado de uma palmeira mostrava rosto humano e para o lado da outra palmeira mostrava rosto de leão, e assim por diante, ao redor de todo o templo” (Ezequiel 41,17-19).

Como se pode verificar, este Segundo Templo também continha imagens esculpidas.

“Sobre a arca estavam os querubins da Glória, que com sua sombra cobriam o propiciatório” (Hebreus 9,5)

O Novo Testamento confirma que havia imagens no Templo do antigo Israel e não diz que essas imagens pudessem ser ofensivas a Deus.

“Farás também um véu de púrpura violeta, vermelha e carmesim e de linho fino retorcido, bordado de querubins” (Êxodo 26,31).

Imagens bordadas foram usadas no santuário da Arca da Aliança, um dos lugares mais sagrados do Tabernáculo de Israel.

“E o Senhor lhe respondeu: ‘Faze uma serpente venenosa e coloca-a sobre uma haste. Aquele que for mordido, mas olhar para ela ficará com vida'” (Números 21,8).

À primeira vista, isto parece uma violação à suposta proibição de se “fazer imagens de escultura”; no entanto, a ordem provém de Deus! Isto deixa bem claro a falsidade da interpretação literal de que toda e qualquer imagem confeccionada é ofensiva aos olhos de Deus. É interessante observar que o próprio Jesus faz referência a esta passagem no Novo Testamento:

“Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também será levantado o Filho do Homem, a fim de que todo o que nele crer tenha vida eterna” (João 3,14-15).

Os israelitas foram salvos do veneno das serpentes tão logo Moisés – seguindo a ordem de Deus – construiu a figura da serpente, erguendo-a diante do povo. É obvio, portanto, que o Mandamento de Êxodo 20 não se refere literalmente à simples criação de imagens.

“Vós que escapastes dentre as nações, reuni-vos e vinde para mais perto. Os que carregam ídolos de madeira são ignorantes, oram a um deus que não pode salvar” (Isaías 45,20).

Logo, o que Deus proíbe é a adoração de falsos deuses e não o simples uso de imagens. Em nenhuma parte das Escrituras se proíbe fazer ou usar imagens. As Escrituras proíbem a adoração de imagens, algo que nenhum cristão se atraveria a fazer.”

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