“Sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias” (2008)

Um Pronunciamento da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos

As pesquisas com células-tronco têm chamado a atenção de muitos em nossa sociedade. As células-tronco são células relativamente não-diferenciadas que, quando se dividem, podem se replicar e também produzir uma variedade de células mais especializadas. Os cientistas esperam que esses “blocos de construção” (“lego”) biológicos possam ser direcionados para produzir muitos tipos de células para reparar o corpo humano, curar doenças e aliviar o sofrimento.

Células-tronco extraídas de tecidos adultos, de sangue do cordão umbilical, e da placenta (geralmente chamadas de “células-tronco adultas”) podem ser obtidas sem prejuízo para o doador e sem qualquer problema ético, tendo demonstrado serem promissoras em termos médicos. Alguns cientistas, no entanto, têm maior interesse em células-tronco obtidas ao destruir-se um ser humano embrionário na primeira semana ou quase de desenvolvimento. A cultura dessas células-tronco embrionárias envolve a matança deliberada de seres humanos inocentes, um ato gravemente imoral. Ainda assim, alguns tentam justificá-lo apelando para um esperado benefício futuro.

O IMPERATIVO DE RESPEITAR A VIDA HUMANA

A Igreja Católica “valoriza e encoraja o progresso das ciências biomédicas que abrem perspectivas terapêuticas até então sem precedentes” (Papa Bento XVI, Discurso de 31 de Janeiro de 2008). Ao mesmo tempo, a Igreja afirma que o verdadeiro serviço à humanidade se inicia com o respeito por cada e por toda vida humana.

Sendo o dom primeiro e fundamental dado por um Deus que ama infinitamente, a vida merece nosso maior respeito e proteção. Os ataques diretos a vidas humanas inocentes são sempre gravemente errôneos. No entanto, alguns pesquisadores, eticistas e legisladores sustentam que nós podemos matar diretamente seres humanos embrionários como se estes fossem meros objetos de pesquisa – e até mesmo que nós deveríamos tornar os contribuintes cúmplices desta matança através do uso de verbas públicas. Assim, enquanto a vida humana é ameaçada de muitas maneiras em nossa sociedade, a destruição dos embriões humanos para pesquisas com células-tronco nos confronta com o tema do respeito à vida de um modo inteiramente novo.

ALGUNS ARGUMENTOS E NOSSA RESPOSTA

Quase todos concordam com o princípio de que indivíduos e governos não devem atacar as vidas de seres humanos inocentes. Entretanto, diversos argumentos têm sido usados para justificar a destruição de embriões humanos para a obtenção de células-tronco. Foi argumentado que (1) qualquer dano causado neste caso é compensado pelos benefícios potenciais; (2) o que é destruído não é uma vida humana, ou pelo menos não um ser humano com direitos humanos fundamentais; (3) a destruição de embriões humanos para a obtenção de suas células não pode ser vista como uma perda da vida embrionária. Gostaríamos de comentar brevemente cada um destes argumentos.

Primeiro, o falso pressuposto que um fim bom pode justificar a morte direta tem sido a fonte de muitos males em nosso mundo. Esta ética utilitarista possui de modo especial conseqüências desastrosas quando usadas para justificar experimentos letais em seres humanos em nome do progresso. Nenhum comprometimento para um esperado “bem maior” pode apagar ou diminuir o mal que é suprimir diretamente vidas humanas inocentes aqui e agora. De fato, políticas que visem a minar nosso respeito pela vida humana somente poderão colocar em perigo os mesmos pacientes vulneráveis aos quais a pesquisa com células-tronco oferece auxílio. A mesma ética que justifica suprimir algumas vidas para ajudar os pacientes com doença de Parkinson ou Alzheimer hoje poderá ser utilizada para sacrificar estes mesmos pacientes amanhã, se suas sobrevivências forem vistas como desvantajosas para outros seres humanos considerados mais úteis ou produtivos. O sofrimento de pacientes e famílias afetadas pelas doenças degenerativas merecem nossa compaixão e nosso empenho por uma resposta, mas não às custas de nosso respeito pela própria vida.

Segundo, alguns sustentam que o embrião em sua primeira semana de desenvolvimento é muito pequeno, imaturo, ou pouco desenvolvido para poder ser considerado uma “vida humana”. Não obstante, o embrião humano, desde a concepção em diante, é um membro tão vivo da espécie humana quanto qualquer um de nós. É um fato biológico que este novo organismo vivo possui total completude dos genes humanos e expressa ativamente estes genes ao viver e desenvolver-se de um modo que é único dos seres humanos, estabelecendo os fundamentos essenciais de seu posterior desenvolvimento. Embora dependente de muitas maneiras, o embrião é um membro distinto e completo da espécie Homo Sapiens, que se desenvolve em direção à maturidade direcionando seu funcionamento orgânico integrado. Todos os estágios posteriores da vida são etapas na história de um ser humano já existente. Assim como cada um de nós foi uma vez um adolescente, uma criança, um recém nascido, e uma criança no útero, cada um de nós foi uma vez um embrião.

Outros, embora reconheçam o fato científico de que o embrião é um membro vivo da espécie humana, sustentam que a vida em seu estágio mais precoce é muito fraca, ou pouco desenvolvida, demasiadamente desprovida de habilidades mentais ou físicas, para possuir um valor plenamente humano ou direitos humanos. Mas sustentar que nossos direitos dependem de tais fatores é negar que os seres humanos possuem dignidade humana, que nós temos valores inerentes somente por sermos membros da família humana. Se os direitos fundamentais tais como o direito à vida forem baseados em habilidades ou qualidades que podem aparecer e desaparecer, aumentar ou diminuir, e existirem em maior ou menor grau em diferentes seres humanos, então não existem direitos humanos inerentes, não existe verdadeira igualdade humana, somente privilégios para os fortes. Como fiéis que reconhecem cada vida humana como o dom de um Deus que ama infinitamente, insistimos que todo ser humano, não importa quão pequeno ou aparentemente insignificante, é importante para Deus e portanto, todos, não importa quão fracos ou pequenos, devem importar para nós.

Este não é apenas um ensinamento da Igreja Católica. A Declaração de Independência de nossa nação dá por concedido que os seres humanos são desiguais em tamanho, força e inteligência. No entanto, ela declara que os membros da raça humana que são desiguais em todos estes aspectos são criados iguais em seus direitos fundamentais, começando com o direito à vida. Tragicamente, este princípio da igualdade dos direitos humanos para todos nem sempre foi seguido na prática, mesmo pelos que assinaram a Declaração. Mas nos mais gloriosos momentos de nossa nação os Americanos entenderam que não podemos desprezar ou excluir qualquer classe da humanidade, que os direitos humanos básicos devem pertencer a todos os membros de toda a raça humana sem distinção. À luz do conhecimento moderno sobre a continuidade do desenvolvimento humano a partir da concepção em diante, todos nós, sem distinção de filiação religiosa, enfrentamos este desafio hoje novamente quando tomamos decisões sobre seres humanos no estágio de desenvolvimento embrionário.

Finalmente, alguns sustentam que os cientistas que matam embriões por causa de suas células-tronco não estariam realmente privando ninguém de sua vida, porque estariam utilizando embriões ‘excedentes’ ou indesejados que iriam morrer de qualquer maneira. Este argumento é simplesmente inválido. Todos nós iremos morrer um dia, mas isto não dá a ninguém o direito de nos matar. Nossa sociedade não permite experimentos letais em pacientes terminais ou em prisioneiros condenados sob o pretexto que eles irão, de qualquer maneira, morrer em breve. Do mesmo modo, o fato de que um ser humano embrionário está em risco de ser abandonado pelos seus pais não confere a nenhum indivíduo ou governo o direito de matar primeiro aquele ser humano.

CLONAGEM E MAIS ALÉM

É também cada vez mais evidente que a “cultura” de células-tronco não irá resumir-se à destruição de embriões ‘excedentes’ congelados em clínicas de fertilização. A busca de um grande suprimento de embriões viáveis com diversos perfis genéticos já conduziu alguns pesquisadores a sustentar o direito de criar um vasto número de embriões humanos somente para poder destruí-los em pesquisas. Dessa forma, a clonagem humana, praticada pelos mesmos métodos usados para criar a ovelha clonada Dolly, agora é dita ser essencial para o progresso na pesquisas com células-tronco embrionárias.

A clonagem humana é intrinsecamente má porque reduz a procriação humana a um mero processo de manufatura, produzindo novos seres humanos em laboratório de acordo com especificações predeterminadas como se fossem mercadorias. Mostra o desrespeito pela vida humana no próprio ato de gerá-la. Isto é especialmente claro quando os embriões humanos são produzidos por clonagem para efeitos de pesquisa, porque as novas vidas humanas são geradas somente para poderem ser destruídas. Tal clonagem para pesquisa irá inevitavelmente facilitar as tentativas de produzir crianças nascidas por clonagem, criando um novo desafio para cada e todos os direitos das crianças de serem respeitadas como indivíduos únicos com seu próprio futuro. Alguns políticos sugerem prevenir este resultado exigindo que todos os embriões produzidos por clonagem sejam destruídos em um determinado momento, de tal modo que não possam sobreviver até o nascimento. Estas propostas não só aprovam erroneamente a clonagem humana, mas aumentam-lhe o mal através da insistência de que a inocente vítima humana da clonagem deva morrer.

Alguns pesquisadores e legisladores chegam a propor o desenvolvimento de embriões clonados no útero feminino por algumas semanas para poder cultivar tecidos e órgãos mais úteis, uma prática grotesca contra a qual o Congresso legislou através da Lei da Proibição do Cultivo de Fetos de 2006 (Fetus Farming Prohibition Act of 2006). Alguns aliciam mulheres para que sejam doadoras de óvulos para clonagem humana, chegando a oferecer pagamento em dinheiro para compensar os temores destas mulheres em relação ao risco para a saúde derivado do procedimento de coleta dos óvulos. Outros pesquisadores pretendem usar óvulos animais para experiências de clonagem humana, criando embriões ‘híbridos’ que tornam a linha divisória entre as espécies humana e animal perturbadoramente tênue.

Atualmente parece inegável que uma vez que atravessemos a linha moral fundamental que nos impede de tratar qualquer ser humano como um mero objeto de pesquisa, não haverá mais um ponto final. A única posição moral que afirma a dignidade de todos nós é a rejeição do primeiro degrau nesta descida. Nós, portanto, exortamos os católicos e todos os homens de boa vontade a unirem-se a nós para reafirmar, precisamente neste contexto das pesquisas com células-tronco embrionárias, que ‘a morte de criaturas humanas inocentes, mesmo se realizada para ajudar a outros, constitui um ato absolutamente inaceitável’ (Papa João Paulo II, O Evangelho da Vida [Evangelium Vitae], nº 63).

UM CAMINHO MELHOR

A natureza, de fato, nos fornece amplos recursos para buscar o progresso médico sem suscitar estes graves problemas morais. As células-tronco provenientes de tecidos adultos e do sangue do cordão umbilical são hoje reconhecidas como muito mais versáteis do que outrora se supunha. Estas células possuem hoje uso largamente difundido no tratamento de muitos tipos de câncer e outras doenças, e, em tratamentos clínicos, já beneficiaram pacientes que sofriam de doenças cardíacas, problemas da córnea, anemia falciforme, esclerose múltipla, e muitas outras condições devastadoras. Os pesquisadores desenvolveram até mesmo novos métodos não destrutivos para produção de células-tronco com as propriedades das células-tronco embrionárias, por exemplo, pela reprogramação das células adultas. Não há objeções morais contra a pesquisa e a terapia deste tipo, quando não estiver envolvido nenhum dano a seres humanos em qualquer estágio de desenvolvimento e forem conduzidas com o consentimento informado apropriado. As fundações e os centros médicos católicos têm estado, e continuarão a estar, entre os principais incentivadores dos avanços eticamente responsáveis do uso médico das células-tronco adultas.

[Em geral, pode-se consultar o site www.stemcellresearch.org Experiências clínicas em andamento com células tronco adultas ou de sangue de cordão umbilical podem ser consultadas no site ClinicalTrials.gov usando a expressão de busca ‘stem cell’].

CONCLUSÃO

A questão da pesquisa com células tronco não nos força a escolher entre ciência e ética, muito menos entre ciência e religião. Ela nos apresenta uma escolha a respeito de como nossa sociedade deve buscar o progresso científico e médico. Iremos ignorar as normas éticas e usar alguns dos mais vulneráveis seres humanos como objetos, minando o respeito à vida humana que é o fundamento da arte de curar? Um caminho como este, mesmo se conduzisse a um rápido progresso técnico, seria um retrocesso em nossos esforços para construir uma sociedade que seja plenamente humana. Em vez disso devemos buscar o progresso por caminhos eticamente responsáveis que respeitem a dignidade de cada ser humano. Somente assim poderão produzir-se curas e tratamentos pelos quais todos tenham vida.

REFERÊNCIAS

Bento XVI. Audiência para os Participantes do Congresso Internacional promovido pela Pontifícia Academia para a Vida, 16 de setembro de 2006. www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/september/index_en.htm.

Bento XVI. Audiência para os Participantes na Sessão Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, 31 de janeiro de 2008. www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/ 2008/january/index_en.htm.

João Paulo II. Carta Encíclica O Evangelho da Vida (Evangelium Vitae). Washington, DC: United States Conference of Catholic Bishops, 1995. Disponível também em www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/index.htm.

USCCB Secretariat of Pro-Life Activities. Stem Cell Research and Human Cloning: Questions and Answers. Washington, DC: United States Conference of Catholic Bishops, 2008. www.usccb.org/prolife/issues/bioethic/stemcell/Q&ABulletinInsert.pdf.

USCCB Secretariat of Pro-Life Activities. Stem Cell Research and Human Cloning: Questions and Answers. Washington, DC: United States Conference of Catholic Bishops, 2008.

www.usccb.org/prolife/issues/bioethic/stemcell/Q&ABulletinInsert.pdf.

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