Teologia da Libertação e frei Boff

Li uma entrevista do Padre Leonardo Boff no site Teobrasil e confesso que fiquei um tanto desconcertado. Por favor o que é o Padre Leonardo Boff e sua Teoria da Libertação.

 

Grato

 

 

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NO BRASIL

 

A Teologia da Libertação é uma corrente ideológica nascido na década de 60 por parte de alguns pensadores cristãos, católicos e protestantes, e atualmente existe de maneira decadente. Sua visibilidade maior se deu durante a época dos grandes regimes totalitários. Numa voz mais aberta promove entre outras, a idéia de um alavancamento da Igreja Católica dentro do cenário político, apoiando para tanto as ideologias marxistas. Dentro da dialética marxista, tal processo passou a ser denominado “progressista”, em oposição ao “conservadorismo”, daí por diante considerado um epíteto equivalente a retrógrado, imobilista e ultrapassado. O nome libertação denota a libertação do ser humano de toda e qualquer desigualdade social, hierárquica e mesmo moral, não deixando de ter seu caráter anárquico. Cresceu no Brasil especialmente na época do Regime Militar, e sendo um braço do intelecto socialista lutava contra o mesmo regime através de universitários e muitos religiosos favoráveis à então, luta anti-regime. Seu principal articulador no cenário internacional e brasileiro foi sob a figura do então Frei Leonardo Boff, que defende para sí o título de criador do nome dessa corrente teológica.

Para a Igreja Católica no entanto, em seu magistério, essa pregação seria uma distorção da verdadeira fé cristã já que, segundo o Cardeal Agnelo Rossi, em sua obra dirigida ao bispado brasileiro sobre essa questão teológica chamada Verdades, erros e perigos na teologia da libertação, a Teologia da Libertação faria mais sociologia e política do que teologia necessariamente (19-03-1985). Esta opinião da alta hieraquia da Igreja é confirmada pela própria Teologia da Libertação através de Leonardo Boff em um de seus textos. Para ele essa corrente é “uma proposta que não é Teologia dentro do marxismo, mas marxismo (materialismo histórico) dentro da Teologia? (Jornal do Brasil, em 6 de Abril de 1980).

Propagando também o caráter ideológico acima da espiritualidade e moral católica, faria a declaração, em uma de suas obras, Teologia da Libertação no debate atual, de que “Na Teologia da Libertação, a questão de fundo não é a Teologia, mas a Libertação” (L. Boff e C. Boff, 1985, p.17); também evidenciando em outro momento esse caráter socialista pela declaração no livro Da Libertação: “Mas quando falo em libertação eu entendo concretamente isso: acabar com o sistema de injustiça que é o capitalismo. É libertar-se dele para criar em seu lugar uma nova sociedade, digamos assim, uma sociedade socialista” (L. Boff e C. Boff, 1979, p. 70). E ainda: “É preciso dizer claro e vigoroso: a libertação é a emancipação social dos oprimidos. Trata-se concretamente para nós de superar o sistema capitalista em direção a uma nova sociedade de tipo socialista” (L. Boff e C. Boff, 1979, p. 113).

Para a Teologia da Libertação, a sociedade “socialista” que ela procura instaurar, é sinônimo de “Reino de Deus”, segundo Boff na já citada obra Da Libertação sobre o tema: “Se assim é, eu afirmo que hoje, para nós, o Reino de Deus é concretamente o socialismo” (L. Boff e C. Boff, 1979, p. 96). Michael Löwy, grande articulador da mesma corrente definiria esta teologia da seguinte forma, em seu livro entitulado Marxismo e Teologia da Libertação: “A utilização do instrumental marxista para compreender as causas da pobreza, as contradições do capitalismo e as formas da luta de classes” (LÖWY, 1991,  p. 27-28).

Dentro da Igreja, fica nítido que o objetivo da Teologia da Libertação era o de criar um movimento de apoio à ação marxista comunista. Frei Leonardo Boff, que, tendo controlado a Editora Vozes de Petrópolis por muitos anos, publicou inúmeros livros dessa corrente teológica, e conseguiu se difundir durante a época de regime militar e no pós-militar de maneira concreta, fazendo ouvir a sua voz contra o capitalismo.

Para a Igreja este tipo de manifestação teológica tinha uma concepção falha e herética, já que as crenças de ambas raízes eram fundamentalmente opostas. Neste marxismo dentro da teologia, a propriedade privada, um bem legítimo segundo a Igreja, era colocado de maneira negativa pelas bases desta teologia, que profundamente ligadas as ideologias socialistas defendiam o confisco de todos os bens privados para a reforma econômica. Sobre este tema defenderia o Papa João XIII: “Da natureza humana origina-se ainda o direito à propriedade privada, mesmo sobre os bens de produção” (Papa João XIII, 1963, n. 21). Pio XI, também exortaria os católicos em uma de suas encíclicas chamada Rerum Novarum nos parágrafos 35 e 36 sobre esta questão:

“A fim de pôr termo às controvérsias que acerca do domínio e deveres a ele inerentes começam a agitar-se, note-se em primeiro lugar o fundamento assente por Leão XIII, de que o direito de propriedade é distinto do seu uso. Com efeito, a chamada justiça comutativa obriga a conservar inviolável a divisão dos bens e a não invadir o direito alheio, excedendo os limites do próprio domínio; mas que os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente, é da alçada não da justiça, mas de outras virtudes, cujo cumprimento não pode urgir-se por vias jurídicas” (Papa Pio XI, 1965).

Diria ainda Pio XI, em sua encíclica Quadragesimo Anno: “Socialismo religioso, socialismo cristão, são termos contraditórios: ninguém pode ao mesmo tempo ser bom católico e socialista verdadeiro” (PAPA PIO XI, 1945, n. 119). Ainda em muitos outros pontos a teologia da libertação incomodava e muito a base da Igreja Católica. Além de outras manifestações de cunho anárquico que fomentavam militância política dentro da própria Igreja e a desobediência hierárquica, havia ainda grandes críticas à doutrina católica, sobretudo na matéria dos sacramentos, já citados no primeiro capítulo, como por exemplo nos casos do Matrimônio e das Ordens Sagradas. Essa inversão de valores, como já citado acima nas declarações de Leonardo Boff, era de tal maneira vivida pelo mesmo que após abandonar os votos católicos, revela a toda a sociedade que já mantinha havia 6 anos, relações amorosas com uma mulher casada e mãe de vários filhos revelando seu profundo descrédito para com a própria doutrina da Igreja, evento este que praticamente minou esta corrente filosófica especialmente dentro do Brasil.

Na seguinte continuação veremos sob quais argumentos a Igreja Católica se sustentou para conscientizar todos os católicos de que a adesão à teologia da libertação era portanto uma adesão negativa e contrária aos princípios de Cristo, e de que a hierarquia da Igreja formada pelos seus Bispos e sacerdotes deveriam se manter longe, porém não silenciosos, diante da vida política de cada país: este posto deveria ser dos leigos.

FISCALIZAÇÃO POLÍTICA: RESPONSABILIDADE DOS LEIGOS

Na obra Igreja e Política de J. Miguel Langlois, o autor cita uma frase dita por Pio XI, em 1927: ?A Igreja foi feita para o mundo e não o mundo para a Igreja? (1988, p.4). Esta frase revela a convicção do caráter atemporal da Igreja Católica e a certeza de que para tanto ela não pode ser reduzida e nem confundida com um fenômeno ideológico, histórico, humano, em suma, temporal, portanto passível de ser esquecida. Ela precisaria ser eterna, cumprir sua missão confiada por Cristo de difundir as vozes do evangelho a todos os povos e em todos os tempos, independente do sistema econômico, social e cultural, levando-as a plenitude mas jamais as incorporando como forma de legitimização. Cristo mesmo diria neste sentido: ?Meu reino não é deste mundo? (Jo 18, 36). E também: ?Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus? (Mt 22,21) quase que como separando a religião da política, o espiritual do temporal. E no entanto Jesus foi precisamente assassinado pelo temor de uma revolução política, da qual supostamente seria o líder.

Todavia esta doutrina não tornaria o cristão numa espécie de anjo perdido dentro do mundo, reduzindo o cristianismo apenas ao culto, porque a própria Encarnação presumiria um Deus compenetrado nas preocupações e realidades humanas. A salvação existiria necessariamente neste mesmo mundo, como ressalta Jesus: ?O Reino  de Deus está no meio de vós? (Lc 17,21). Portanto a Igreja também se preocuparia com a promoção da dignidade humana em todos os tempo e lugares, mas de forma alguma poderia estar a mercê de algum fenômeno social ou político. Neste sentido diria João Paulo II ao Episcopado latino-americano no México, citado na obra de Langlois: ?Se a Igreja se faz presente na defesa ou na promoção da dignidade do homem, fá-lo na linha da sua missão que, mesmo sendo de caráter religioso e não social ou político, não pode deixar de considerar o homem na integridade do seu ser? (LANGLOIS, 1988, p.6). Para J. Miguel Langlois existe uma confusão dos limites de cada área, a religiosa e a política onde muitos são aqueles que, para promover idéias e legitimar protestos, se beneficiam de ambas propositalmente. Enfatizando a conduta, para ele errada, de forma enérgica sobre essas pessoas que buscam utilizar a religião como álibi para práticas abusivas exclama:

“Faz-se aparecer então o Evangelho como um simples código de direitos humanos e de receitas políticas, como uma simples energia em progresso temporal, fator de cultura, de civilzação, de socialização. Como se não houvesse céu nem inferno, nem eternidade, nem graça nem pecado, nem perdição nem salvação sobrenatural: o cristianismo se esgostaria como fenômeno histórico deste mundo, como fermento libertador nas lutas de classes ou na construção de algum paraíso na terra” (LANGLOIS, 1988, p.7).

O Reino de Deus não pode portanto ser de qualquer forma, o ?Reino do Homem?. Não pode haver confusão entre o sacerdote e o filantrópico, o padre e o médico. São funções distintas, e no caso do religioso, seu dever prioritário é a de anunciar o evangelho como forma de saciar a fome espiritual das almas. O grande problema está justamente na alteração da proporção dos valores evangélicos, quando se dá a impressão de que o e Evangelho é apenas uma declaração de direitos humanos, de fórmulas sociais e econômicas, políticas em detrimento do caráter sobrenatural e doutrinal. E é dentro deste contexto que se insere não só a teologia da libertação, mas várias outras tentativas de alavancar o prestígio e o nome da Igreja em interesses de grupos.

A tarefa da Igreja é desta forma uma missão muito mais vertical [espiritual] do que horizontal [política]. Movimentos como a teologia da libertação criariam então homilias essêncialmente sócio-políticas que levariam um esvaziamento do sentido primeiro da Igreja e consequentemente dos seus fiéis. Nesta ótica a função da hierarquia da Igreja – padres, religiosos, Bispos – engajada dentro da política e outros sistemas especializados, como mui defendido pela teologia da libertação, torna-se então precipitada e equivocada. E não vemos justamente nas áreas aonde a teologia da libertação foi difundida, na América Latina especialmente, um enorme êxodo de ex-católicos para toda a sorte de seitas que lhes oferecem o mínimo de espiritualidade? O público da teologia da libertação, por fim, acabou virando as costas para todos aqueles que lhes vendiam uma utopia sem esperança.

Um verdadeiro católico precisa crer que a transformação da sociedade e a promoção humana passam necessariamente mediante a conversão individual. É preciso crer que mudando-se o mundo interior é que se muda o mundo inteiro. E por isso deve ser missão do católico, leigo, inserido no mundo e dentro das questões temporais, a sua atuação em nome da Igreja, com fervor e sem temor. E especialmente dentro das questões políticas.

Silvio Medeiros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOFF, L. Jornal do Brasil, 6 abr. 1980.

BOFF, L; BOFF, C. Teologia da Libertação no debate atual. Petropolis: Vozes, 1985. 77p.

BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Da libertação. Petropolis: Vozes, 1979. 114 p.

GOMEZ DE SOUZA. Classes populares e Igreja nos caminhos da história. Petrópolis: Vozes, 1982. 150 p.

IGREJA CATÓLICA; Papa (1922-1939: Pio XI). Quadragesimo ano: sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social. Petrópolis: Vozes, 1945. 56p.

IGREJA CATÓLICA; Papa (1958-196: João XXIII). A paz na Terra: (encíclica Pacem in terris). São Paulo: F.T.D, 1963. 64 p.

LANGLOIS, J. Miguel Ibañez. Igreja e Política. Quadrante, São Paulo. 1988, 44 p.

LÖWY, Michael. Marxismo e teologia da libertação. São Paulo: Cortez, 1991. 120 p

ROSSI, A. Verdades, erros e perigos na teologia da libertação. Disponível em
<http://www.cleofas.com.br/html/doutrinaeteologia/teologiaelibertacao/teologiaelibertacao2.html> Acessado em 10 out.2003.

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