“Teoria do Resgate”: um exemplo espírita

Mal tínhamos lançado no ar a nossa “Teoria do Resgate” e eis que em pouco tempo recebemos o e-mail de um espírita, do qual destacamos (em itálico) os trechos abaixo:

“O principal motivo de ser do Espiritismo é resgatar o Cristianismo em sua essência, posto que as instituições que se encarregaram de difundi-lo, notadamente a Igreja Católica, perderam-se em meio a formalismos e dogmas que contrariam frontalmente a simplicidade da doutrina do Cristo.”

Não houve outra solução a não ser remeter o interlocutor para que lesse melhor o texto da “Teoria do Resgate” e, portanto, efetuasse a operação ali pedida. Para quem não se lembra de tal texto, pedimos que o leia, antes de prosseguir neste de agora.

“Em Minas Gerais, nós, espíritas, estudamos assiduamente o Evangelho, e grupos há que dedicam anos e anos ao estudo do Velho Testamento. Essas práticas, embora não sejam regra no movimento espírita, tendem a aumentar a cada dia, pois crescentemente vem-se percebendo sua importância. Esse estudo não só fortalece as bases do Espiritismo, como leva seus adeptos a uma vivência cristã que, inegavelmente, nem a maioria dos católicos praticantes, nem dos evangélicos, possui.”

Aqui o autor do e-mail apelou para o que chamamos de “argumento puritano”: meu grupo é puro e santo… na sua Igreja só tem pecador… e por aí vai.

Como insistisse bastante neste ponto, ao longo da conversa mantida, foi preciso demonstrar, através da sucessiva troca de mensagens, que:

1. Os espíritas não são tão imaculados assim. A própria Bíblia fala que todos pecam e qualquer pessoa de bom senso sabe disso.

2. Esta comunidade de santos só existe no céu: é a Igreja Triunfante. Aqui, na Terra, trigo e joio crescerão juntos.

3. Ainda que os espíritas fossem puros como ouro provado pelo fogo, isto não garante que o Espiritismo (a doutrina) seja isenta de erros. “As Contradições Sobre a Reencarnação” bem demonstram esta realidade.

4. Na Igreja Católica também houve e há pessoas que foram ou são grandes exemplos para humanidade. Os melhores dos espíritas, nem de longe, se comparam a um São Francisco ou a uma Santa Teresa D´Ávila.

5. Ainda que não houvesse tais santos na Igreja, isto não quer dizer que ela propagasse erros. A prática não se confunde com a doutrina ensinada.

6. Atos humanos se comparam com atos humanos; doutrina, com doutrina. Logo, a comparação maior consiste em Espiritismo X Cristianismo, tal qual aparece, p. ex., no texto “O Espiritismo é Cristão?”.

7. Tais apelos emocionais e puritanos nada tem a ver com o que é pedido na “Teoria do Resgate”.

Óbvio que tais argumentos e outros foram desenvolvidos. Não há porque repeti-los aqui, uma vez que o interesse imediato se reduz em dar um exemplo envolvendo o Espiritismo e a Teoria do Resgate. Neste último texto, havíamos destacado exemplos protestantes, mas com a devida advertência de que a dita teoria se aplicava a diversos outros grupos. De omissão ninguém pode nos acusar:

“Como foi dito antes, são diversos os grupos não-católicos que apelam para tal recurso (protestantes, maçons, espíritas, aquarianos…). No entanto, daremos preferência aos protestantes. E para que ninguém mande a acusação de que preferimos uma heresia a outra (?!), adiantamos que tal escolha se dá, simplesmente, porque é neste grupo que mais temos visto o mencionado sofisma. Se é porque os grupos protestantes predominam em número sobre as demais seitas, ou se é porque utilizam mais tal argumento, isto não vem ao caso. Prossigamos.”

“Portanto, enfatizo que o Espiritismo é cristão, sim, e só tenderá a crescer, até sepultar, de vez, todos os enganos que, durante os últimos 20 séculos, têm sido divulgados, por ignorância ou má-fé, sobre a mensagem de Jesus.”

Era aqui, precisamente, que o autor deveria mostra estes “erros” que marcaram os “últimos 20 séculos” do Cristianismo. Para tanto, deveria mostrar quais eram as verdades do Cristianismo, como foram perdidas, quem introduziu tantos erros, como, enfim, veio o Espiritismo para “resgatar o Cristianismo em sua essência”…ou seja, toda a operação solicitada pela “Teoria do Resgate”.

Obviamente, assim não aconteceu, nem ao longo da História, e menos ainda no bate-papo mantido por e-mail.

Considerando, porém, que já nos surgiram espíritas para dizer que “os primeiros cristãos se reuniam para invocar os mortos”, então vamos pegar este exemplo para servir de objeto a nossa teoria. Óbvio que outros exemplos poderiam ser usados, tipo aqueles divergências que aparecem no texto “O Espiritismo é Cristão?”.

Primeiro, demonstrar com provas a referida prática. Onde consta na Bíblia? Quem são os autores patrísticos que dão testemunho dela ?

Ora, o que vejo não é nada disso. Consta sim que os primeiros cristãos se reuniam para a Ceia Eucarística, tal qual prega hoje a Igreja Católica:

“Porque recebi do Senhor o que vos transmiti: O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de mim”. E, do mesmo modo, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: “Este cálice é o nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim”. Pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que ele venha. Assim, pois, quem come o pão ou bebe o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo e então coma do pão e beba do cálice; pois aquele que, sem discernir o corpo [do Senhor], come e bebe, come e bebe sua própria condenação.” (I Cor 11, 23-29)

Até que Ele venha… Como Cristo ainda não voltou, pior ainda para aqueles que ousaram desobedecer as Suas ordens.

E para não sermos ainda mais prolixos, sugerimos ao leitor que não deixe de ler as seguintes passagens bíblicas: Mt 26,26s ; Mc 14, 22s, Lc 22,19s.

Se há quem prefere desobedecer a Cristo, conforme Ele próprio já previra, então nada resta além das fortes e magníficas palavras abaixo:

“Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo descido do céu. Se alguém comer deste pão viverá para sempre. E o pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo”.

“Os judeus começaram a discutir entre si: “Como pode esse homem nos dar de comer sua carne?” Jesus lhes disse: “Na verdade eu vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim também quem comer de minha carne viverá por mim.” (Jo 6, 48-58)

Também São Justino, ainda no século II, dá o seu testemunho:

“Quando as orações terminam, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo. Em seguida, leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados. Ele os toma e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito Santo e rende graças (em grego: Eucharistian) longamente pelo fato de termos sido julgados dignos destes dons.” (S. Justino, Apol. 1,65)

Interessante notar ainda a passagem em que São Justino mostra que aqueles “que entre nós se chamam diáconos” também levam o pão, o vinho e a água aos ausentes. Ou seja, se a Eucaristia fosse apenas um símbolo qualquer, não havia porque os diáconos se darem a este trabalho, e menos ainda São Paulo ter ameaçado que “quem come o pão ou bebe o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor”.

Quanto a esta conversa de que os primeiros cristãos se reuniam não para o Sacrifício Eucarístico, mas sim para “evocar os mortos” é algo simplesmente absurdo. Onde estão, afinal, estes “médiuns cristãos”?

Ainda que fosse superado este obstáculo, isto é, de o espírita demonstrar a tal corriqueira prática mediúnica, deveria ainda ele mostrar como é que estes mesmos cristãos mudaram tão rapidamente a forma e o conteúdo da reunião, adotando o ritual descrito por São Paulo, São Justino e outros.

Se possível isto fosse, mostrar os motivos para tão brusca alteração, bem como o devido resgate das “verdades perdidas”.

Logo, não seria só a questão da “reunião” (Missa X Evocação dos Mortos), mas cada um dos pontos divergentes entre o que prega hoje o espiritismo e o que ensina a Igreja, mostrando, finalmente, quem se manteve fiel aos 2000 anos de Cristianismo, tal qual solicitado na Teoria do Resgate.

Continuamos aguardando!

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