Um caminho para o diálogo entre a Santa Sé e a FSSPX

No último sábado, 24 de Janeiro de 2009, a Congregação para os Bispos tornou público o decreto (1) pelo qual retira as excomunhões dos quatro Bispos da Fraternidade Sacerdotal S. Pio X (FSSPX ou SSPX): – Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta – pena na qual incorreram por deixarem-se sagrar bispos em 1988 por D. Marcel Lefebvre e D. Antonio de Castro Mayer, sem o mandato do Santo Padre, o Papa João Paulo II.

Um bem completo e elaborado dossiê (2) sobre a expectativa da chegada deste decreto, foi elaborado pelo blog de notícias tradicionalistas “Fratres in Unum”, que aliás, deixemos registrado, merece nossas sinceras congratulações pelo excelente trabalho imparcial que desempenha.

Neste momento que é alegria para uns, tristeza para outros e desconfiança e dúvidas para a maioria, é que resolvemos tecer algumas palavras.

Algumas perguntas normalmente vêm à cabeça das pessoas: 1) E agora a SSPX já está em comunhão com a Igreja? 2) Podemos já assistir à suas missas? 3)Os Bispos da SSPX aceitaram o Vaticano II? 4) O Papa Bento XVI irá cancelar o Concílio?

As perguntas de número 1 e 2 são respondidas em um interessante artigo do Pe. John Zuhlsdorf, cuja tradução fizemos (3) e já está disponível em nosso site com o nome “O SIGNIFICADO DA ‘RETIRADA’ DAS EXCOMUNHÕES DOS BISPOS DA FSSPX”.

Antes de responder às demais, é importante dizer que nós do Apostolado Veritatis Splendor ficamos muito felizes com a publicação do referido decreto. E é por isso que nosso recesso mais uma vez foi antecipado; e para que ninguém diga que ficamos insensíveis a este tão grande acontecimento na história recente da Santa Igreja Católica.

A despeito do que muito se disse em listas de emails, blogs e comunidades do Orkut, não somos contra a Fraternidade, e nem contra grupo específico algum. Nossa luta não é a luta de uma torcida organizada, cujo objeto é simples ataque a um grupo em específico. Nossa guerra é contra erros, embora muitas vezes para combatê-los seja preciso atacar quem erra.

O trabalho da unidade vem de Deus (cf. Jo 10,16) enquanto o da divisão vem de Satanás (cf. Lc 22,31). Ora, quem ama a Deus se alegra com Suas obras. Neste momento, os verdadeiros católicos devem se alegrar e receber com todo amor os Bispos da FSSPX. Assim como na parábola do “Filho Pródigo”, o Papa Bento XVI recebeu em casa o filho que queria voltar e se submeter ao Pai. Devemos então, partilhar com o Santo Padre a alegria de receber os Bispos da FSSPX, e não agir como o filho mais velho que se não se conformou com a volta do irmão.

Por um ato de grandeza, o Santo Padre aceitou o pedido (pedido que poderia ter sido negado) do superior da FSSPX revogando a excomunhão que pesava sobre os quatro bispos ordenados de forma ilícita (mas válida).

A carta de D. Fellay (4) expressa a alegria por isto, reconhecendo o gesto magnânimo do Santo Padre. A partir de agora, inicia-se uma nova fase: que lugar a FSSPX ocupará no “Corpus Ecclesiae”? Como a FSSPX poderá ajudar a Igreja a acolher e entender com maior cuidado a Tradição? Em que sentido a FSSPX entende que a Igreja tenha-se desviado da autêntica Tradição, com a reforma litúrgica, a questão do diálogo ecumênico, da liberdade religiosa e a colegialidade, pontos nos quais a FSSPX discorda do Concílio Ecumênico Vaticano II?

Damos aqui a resposta à pergunta número 3. A Fraternidade, embora reconheça o Vaticano II naquilo que ele é, um legítimo Concílio da Igreja Católica, suas reservas a ele continuam as mesmas. Nem a FSSPX está negando sua visão, nem a Santa Sé está abandonando o Concílio Vaticano II (respondemos agora à pergunta número 4).

Ora, se nem a Fraternidade e nem a Santa Sé abandonaram suas respectivas concepções do Vaticano II ,o que se deu então? Por acaso virou a Igreja a “casa da mãe Joana”? Nada disso. Agora, começa uma nova fase, a do diálogo; o diálogo na unidade eclesial!

A despeito do que fantasiam alguns que já estabeleceram quem ganhou ou quem perdeu, retirada das excomunhões dos Bispos da FSSPX é o estabelecimento para caminho do diálogo, nada mais que isso.

Agora é hora de rezar, para que as dificuldades decorrentes de uma visão estreita do Concílio Vaticano II sejam redimensionados (não esqueçamos que Dom Lefebvre assinou todos os Documentos Conciliares), bem como que a Igreja como tal possa enxergar em que sentido as determinações do Concílio Vaticano II supostamente estariam a contradizer a autêntica Tradição da Igreja, e em que sentido sua aplicação errônea tenha provocado males à Igreja e à sua Missão.

Agora, se ficarmos no prisma de quem perdeu, ou quem ganhou, com ufanismos infantis, vamos nos esquecer da caridade, e cair na mentalidade de times de futebol, das torcidas organizadas. Para os verdadeiros católicos, não interessa se quem ganha é a FSSPX ou a Santa Sé. Ganhamos todos, se a Verdade Católica triunfar. Com efeito, é o que há de acontecer.

Não há dúvidas que vivemos um momento histórico. A aproximação de um grupo de irmãos (coeptum fidelium), que se organizaram na busca de uma fidelidade à Tradição da Igreja. Um grupo consistente, que tem razões, segundo sua visão teológica, em não aceitar determinadas situações criadas após o Concílio Vaticano II. Não é um grupo de traidores da fé, pelo contrário. Resistiram de forma organizada, segundo critérios fundamentados na fé, a uma situação por eles considerada anormal na Igreja. Obviamente pode-se discutir se aplicaram estes princípios de forma sempre católica, mas não duvidamos da reta intenção, que sempre foi aquela de fidelidade à Igreja de Cristo. Poderia ter sido de outra forma, de outra maneira? Talvez, apesar de que “poderia” não é a realidade. Tudo pode ser diferente, mas em cada momento, diante de situações bem concretas, fica difícil às vezes não somente ser compreendido, mas também compreender.

Triste mesmo é a existência dos adeptos da “hermenêutica da ruptura” dos documentos do Vaticano II. Este grupo, muito mais numeroso, mais consistente, talvez não tão organizado, está disseminado em todas as realidades eclesiais e em todas as partes do mundo, alimenta-se da grande parte de teólogos e pastoralistas da Igreja, que fazem ouvidos moucos (em bom português: são surdos mesmo) à visão, aos pronunciamentos, aos documentos emanados da autoridade suprema da Igreja. São aqueles que continuam a fazer exatamente aquilo que aprenderam, ouvindo ou vendo fazer, nos abusos não autorizados pelo Vaticano II, usando a autoridade do mesmo Concílio para fundamentarem suas visões aberrantes a respeito de Doutrina, Liturgia, Moral, Ecumenismo etc.

Finalmente, existe um terceiro grupo, uma terceira realidade na Igreja de hoje, que são aqueles que estão em sintonia com o Magistério da Igreja, em espírito e em verdade. A estes, a situação dos nossos irmãos da FSSPX incomodava muito, no sentido de sofrer também em ver que, de alguma maneira estes irmãos tinham razão (por exemplo quando diziam que a Missa de S. Pio V não havia sido ab-rogada), mas não em tudo. Ver irmãos nossos, com a mesma fé, separados, com o dedo em riste contra nós, acusando-nos de traição à Tradição que tanto amamos, não é nada agradável.

A atitude do Santo Padre Bento XVI vem de encontro a esta situação dolorosa, muito mais dolorosa para João Paulo II, que teve que engolir esta “separação” em seu pontificado, claramente voltado para sanar os problemas com o outro grupo de católicos (o segundo), os que causaram e continuam a causar um mal ainda maior para a Igreja, estes sim traindo e abandonando a Tradição. Bento XVI, de certa maneira, fez aquilo que todos nós, tanto os da FSSPX como os católicos que sempre procuraram estar unidos ao Santo Padre, reconhecendo no espírito e na letra do Concílio Vaticano II não uma ruptura, mas uma continuidade com a legítima Tradição da Igreja, então, ele fez o que nós mais queríamos que acontecesse: o diálogo desarmado e construtivo. Não temos posições para defender ou para renunciar: temos a Igreja, a qual queremos cada vez mais bela e resplandecente na fidelidade a Cristo.

Pensamos que as atitudes de grandeza de coração, tanto dos Bispos da FSSPX quanto do Santo Padre, ajudam-nos a compreender a capacidade de diálogo que todos devemos ter sem transigir no que é certo, mas, também esforçando-nos em compreender, ir ao encontro do outro.

Acreditamos também, que a Fraternidade se deu conta de que a forma como estava conduzindo as coisas, oferecia um perigo real para as almas: a adesão ao Sedevacantismo. Podemos deduzir isso nas seguintes palavras de D. Fellay aos fiéis da FSSPX:

O decreto do dia 21 de janeiro cita a carta do dia 15 de dezembro passado ao Cardeal Castrillón Hoyos na qual eu expressava nosso apego “à Igreja de N.S. Jesus Cristo que é a Igreja Católica” e reafirmando nossa aceitação de seu ensinamento e nossa Fé na primazia de Pedro. Eu recordava como sofremos pela situação atual da Igreja onde este ensinamento e esta primazia são humilhados (4, grifos nossos).

E sobre este perigo, escrevemos tantas vezes. O crescimento recente do Sedevacantismo, principalmente integrado por pessoas que partilhavam da mesma postura em relação do Concílio Vaticano II que tem a FSSPX, confirmou a nossa tese.

Porém, agora que a Fraternidade está prestes a ter plena cidadania na Igreja Católica (de direito e de fato), se é verdade que poderá discutir contrutivamente com a Santa Sé o Vaticano II, o mesmo não vale quanto ao Novo Código de Direito Canônico e à nova profissão de Fé (Professio Fidei). Se realmente a FSSPX se submeter a ambos, poderá aprofundar a questão do Vaticano II com a Santa Sé, porém, de forma velada e respeitosa, conforme está previsto nestes documentos. Desta forma, a Fraternidade abandonará o Sedevacantismo prático ou material no qual estava, e tornará possível o escrutínio do Concílio, tal qual fizeram os gregos em relação à doutrina católica, quando aí perceberam a sua beleza e ortodoxia. Essa é a nossa esperança e sob a qual colocamos nossas orações, nosso empenho e nosso coração.

Notas

(1) CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS. Fratres in Unum: DECRETO DA CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS. Disponível em http://fratresinunum.wordpress.com/2009/01/24/2009/01/24/esta-consumado-decreto-da-congregacao-para-os-bispos.

(2) FRATRES IN UNUM. Dossiê: Levantamento do Decreto das Excomunhões sobre os bispos da FSSPX – 21 de janeiro de 2009. Disponível em http://fratresinunum.wordpress.com/2009/01/24/dossie-levantamento-das-excomunhoes-21-de-janeiro-de-2009.

(3) https://www.veritatis.com.br/article/5587/

(4) FELLAY, D. Bernard. Fratres in Unum: Carta de Dom Bernard Fellay aos fiéis da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Disponível em http://fratresinunum.wordpress.com/2009/01/24/2009/01/24/carta-de-dom-bernard-fellay-aos-fieis-da-fraternidade-sacerdotal-sao-pio-x.

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