Um debate sobre a licitude da prática do Yoga…

Há cerca de uns quatro meses, postei um artigo em [espanhol] que compartilhava algumas das advertências que importantes personalidades da Igreja faziam acerca dos perigos espirituais oriundos da prática desta disciplina de meditação oriental (“É lícito para um católico praticar Yoga?”). Naquele momento, fiz essa publicação em razão de ter encontrado, em um grupo católico que costumo a visitar ocasionalmente, uma interessante discussão onde alguns católicos defendiam essa prática e outros, não; achei então útil reunir essas opiniões para lançar um pouco de luz sobre o assunto.

Recentemente me deparei com uma outra discussão semelhante, na qual, por questão de tempo, precisei me limitar a apenas oferecer dois comentários pontuais, antes que houvesse o encerramento. A discussão em si foi bastante longa e, em alguns momentos, tornou-se um pouco repetitiva; mesmo assim, creio ser interessante comentar algumas opiniões que ali foram dadas, por serem de alguma utilidade.

Comentário Prévio: O debate começou quando um participante compartilhou um vídeo que apresentava a opinião do Pe. Gabriel Amorth (que fôra o exorcista oficial do Vaticano), apontando o caráter prejudicial do Yoga. A partir de então, os ânimos se exaltaram e alguns participantes passaram a agredir verbalmente o participante que postara o ‘link’, acusando-o de “fundamentalista”, “ignorante”, um “católico acomodado que não usa o cérebro”, “palhaço” e outros adjetivos nada caridosos mas ridículos, enquanto que este, com admirável paciência, respondia sempre com humildade e mansidão. Devo dizer que, apesar de ter me parecido um espetáculo lamentável e vergonhoso, me limito aqui, em minhas observações, a apreciar somente os argumentos de fundo, não porque eu possa justificar ou deixar de lado taiss condutas, mas por este artigo ter uma motivação apologética.

1. Satanizar o Yoga?

A primeira espécie de objeção apresentada no debate, foi tentar, de maneira fraudulenta, apontar a pessoa que compartilhava o vídeo como alguém que “sataniza” o Yoga:

– “Hahahahahah… Espero que não queiram satanizar também os esquilos ou as corridas… Hahahah… Se continuarmos assim, teremos que queimar escolas e bibliotecas… Com todo respeito ao Pe. Amorth… não precisamos cair em fanatismos e loucuras. É claro que a opinião de um exorcista não impõe Magistério”.

Primeiramente, observa-se já aqui uma falácia – conhecida como “falácia do espantalho” – pela qual se distorce e caricaturiza o argumento do adversário para atacá-lo com alguma vantagem: o lado contrário é classificado como fanático fundamentalista enquanto que [o agressor] se coloca a si mesmo como “homem contemporâneo” (mas poderíamos dizer melhor e apropriadamente: como “homem ‘do mundo'”).

Pois bem. A grande maioria das objeções de teólogos e sacerdotes sobre o prejuízo de se praticar essa disciplina, religião ou o como quer que se chame, é feita com base nesta advertência: que nas ideias e técnicas do Yoga, em suas várias escolas e formas, juntamente com elementos naturais (afirmações ou práticas que podem ser úteis para o domínio de si ou para a oração), encontram-se elementos que dificilmente podem ser considerados como válidos, ainda que naturalmente (p.ex.: a tendência ao panteísmo; a dissolução da pessoa e da atividade pessoal como meta ideal da ‘mística’; as explicações confusas e equivocadas sobre a natureza humana e suas relações com o restante da realidade; a infravalorização de aspectos deste mundo; etc.). Veja-se o que explica, por exemplo, o Pe. Miguel Ángel Fuentes, Doutor em Teologia, em sua página na Internet, no artigo “É moralmente lícito práticar o Yoga? E se for feito somente como ginástica?”.

Inclusive, as declarações do Pe. Gabriel Amorth devem ser entendidas no seu contexto quando qualifica a prática do Yoga como “satânica”, já que ele mesmo explica que isto se dá por sua radical incompatibilidade com as Sagradas Escrituras e pelo fato de a prática do Yoga levar [o praticante] a adotar crenças hinduístas, que tem como um de seus dogmas essenciais a reencarnação. Em suma: o demônio pode servir-se destas práticas para afastar os fiéis da fé cristã. Quem pratica Yoga pratica por consequência o Satanismo? É claro que não, mas pratica uma disciplina que Satanás pode usar para afastar os fiéis da pureza de sua fé, misturando-a com doutrinas esotéricas orientais.

2. A “Nostra Aetate” reconhece de alguma forma que a prática do Yoga é lícita?

O participante que criou o tema compartilhou também o documento do Magistério “Jesus Cristo: Portador da Água da Vida”, que aborda a problemática da Nova Era e aponta o Yoga como um de seus elementos prejudiciais (quanto a isto, abordarei mais tarde); responderam-lhe afirmando que esse documento deve ser lido à luz da Declaração “Nostra Aetate”, do Concílio Vaticano II, que declara que, sendo o Yoga uma religião, deve ser respeitado:

– “Na ‘Nostra Aetate’ a Igreja ensina o que verdadeiramente pensa acerca das religiões não-cristãs, entre elas o Hinduísmo (dentro do qual se insere o Yoga)… e o respeito que devemos ter a elas, por manterem dentro das suas concepções um genuíno valor de busca a Deus por parte do homem…”

– “O documento que você aponta não pode ser compreendido se você não tiver lido este outro: ‘Nostra Aetate’, já que este que aponto faz uma diferenciação entre o que é outra religião e o que é a Nova Era… Vejamos o que a ‘Nostra Aetate’ diz sobre o Hinduísmo (no qual encontra-se o Yoga): ‘Assim, no Hinduísmo, os homens investigam o mistério divino e o expressam mediante a inesgotável fecundidade dos mitos e com os penetrantes esforços da filosofia, e buscam a libertação das angústias de nossa condição mediante as modalidades da vida ascética, através de profunda meditação, ou então buscando refúgio em Deus com amos e confiança’ (Nostra Aetate). Já o ‘Portador da Água da Vida’ fala dentro de um contexto Nova Era… não sobre o que menciona como parte de uma tradição religiosa em si. O problema é que tal documento é lido por leigos sem formação nenhuma e que querem extrair verdades ao seu bel-prazer, sem contemplar uma correta interpretação a partir do contexto no qual foi escrito…”.

Mais adiante, o mesmo participante reconheceu o seu amor por uma outra religião oriental, o Budismo:

– “Sou católico oriental, mas ainda conservo em mim um amor pelo Budismo e sua cultura e filosofia… que geralmente não é aceito pelo católico mediano”.

Interpretações da Declaração Conciliar como as anteriores são as frequentes causadoras de o Concílio Vaticano II encontrar tanta resistência entre alguns setores tradicionalistas. Deve-se assumir que afirmar que o documento “Jesus Cristo: o Portador da Água da Vida”, em suas referências sobre o Yoga, não se aplicam ao Yoga do Hinduísmo (porque este é uma religião e a ‘Nostra Aetate’ diz que devemos respeitar essas religiões), é de um disparate de magnitudes apocalípticas. Se essa fosse realmente a correta interpretação dos documentos, os tradicionalistas deveriam dar-lhes a razão. Mas como reiteradamente afirmou o Papa Bento XVI, os documentos do Concílio Vaticano II devem ser lidos à luz da hermenêutica da continuidade e também à luz dos demais documentos conciliares, que deixam claro que somente existe uma religião verdadeira:

– “Em primeiro lugar, professa o Sagrado Concílio que Deus manifestou ao gênero humano o caminho pelo qual, servindo-O, os homens podem salvar-se e ser felizes em Cristo. Cremos que esta única e verdadeira religião subsiste na Igreja Católica e Apostólica, à qual o Senhor Jesus confiou a missão de difundí-la a todos os homens” (Dignitatis Humanae 1).

Isso que seguramente não é objetado nem mesmo pelos defensores do Yoga possui uma outra consequência óbvia, pois se conforme o Concílio só há uma única e verdadeira religião, então também conforme o mesmo Concílio concluímos que as demais religiões são falsas. No caso do Hinduísmo, suas divindades não apenas são falsas como também a adoração dos seus falsos deuses acarreta em crassa idolatria. O Concílio também declara o dever moral de os homens abraçarem esta única religião verdadeira:

– “deixa íntegra a doutrina tradicional católica sobre o dever moral de os homens e as sociedades para com a verdadeira religião e única Igreja de Cristo” (Dignitatis Humanae 1).

E assim como é dever moral abraçar a verdadeira religião, também o é afastar-se das falsas religiões. A ‘Nostra Aetate’ não aprova, portanto, a prática de nenhuma outra religião – nem Yoga, nem Budismo, nem Hinduísmo; simplesmente diz que as respeita “por mais que discrepe em muito do que ela professa e ensina”. O mesmo poderia ser perfeitamente dito do Ateísmo, sem implicar qualquer aprovação em absoluto.

Idem quando diz que “a Igreja Católica não rejeita nada daquilo que nestas religiões há de santo e verdadeiro”. Não há, pois, que se entender que foi reconhecido que tais religiões são boas ou lícitas de alguma maneira, mas apenas que é possível encontrar nelas coisas boas, que não tem motivo para ser rejeitado apenas por pertencer a essas religiões. Mas seria a prática do Yoga um desses casos, visto que possui elementos incompatíveis com a fé cristã? É óbvio que não.

Por outro lado, ainda que seja certo afirmar que o documento “Jesus Cristo: Portador da Água da Vida” se refere à Nova Era, também é certo que um dos elementos nocivos encontrado nela é precisamente a presença desses elementos incompatíveis com a Fé Cristã, entre os quais o Yoga:

– “Entre as tradições que confluem na Nova Era, pode-se enumerar: as antigas práticas ocultas do Egito, a cabala, o gnosticismo cristão primitivo, o sufismo, as tradições dos druídas, o cristianismo celta, a alquimia medieval, o hermetismo renascentista, o budismo zen, o yoga etc. Nisto consiste o ‘novo’ da Nova Era: é um ‘sincretismo de elementos esotéricos e seculares'” (Jesus Cristo: Portador da Água da Vida 2,1).

Note-se que o Yoga é identificado como uma das tradições que confluem na Nova Era e é qualificado como um desses “elementos esotéricos”. Não se trata, portanto – como erroneamente interpretam alguns participantes do debate -, de o Yoga ser um problema quando praticado dentro da perspectiva da Nova Era; muito pelo contrário: a Nova Era é prejudicial, entre outros motivos, porque inclui esses elementos esotéricos. Não há Yoga “válido” quando se é hinduísta e “inválido” quando se segue a “Nova Era”, da mesma forma como tampouco é bom que um hinduísta pratique uma religião falsa: o bom é que deixe de praticá-la e abrace a verdadeira [religião].

3. E se não for praticado como religião, mas só como exercício?

Sob esta perspectiva, também saíram em defesa da prática do Yoga vários participantes:

– “Ainda não consigo entender como é possível ser prejudicado, tendo uma boa formação católica. O Yoga é muito bom como exercício, não tem nada a ver com essa história de mudar de religião ou crença; se isso realmente ocorre, apenas demonstra que [essas pessoas] nunca compreenderam a sua fé”.

Os coordenadores desse grupo católico também defenderam a mesma opinião, discordando de vários artigos publicados na página Catholic.Net:

– “Apesar de respeitar muito a Catholic.Net, acredito que [a questão] deva ser matizada; agora, se já está na onda dos chakras e outras coisas da Nova Era, aí sim é mau. Mas apenas como exercício, não”

Um dos participantes expressou a sua opinião, dizendo que mesmo assim deveria ser evitado, por comportar um risco:

– “Mas para que arriscar? Para exercitar-se? Não vale a pena”.

Ao que um dos coordenadores respondeu, dizendo que tal atitude seria escrúpulo e, como tal, pecado:

– “Ora, o escrúpulo é pecado em si mesmo; é como aquele que pede para não assistir filmes como ‘Harry Poter’ ou ‘O Exorcismo de Emily Rose’ ou ‘O Rito’, para não deixar a porta aberta ao Inimigo: são escrúpulos!”.

A respeito se o Yoga pode ser praticado exclusivamente como exercício, as opiniões autorizadas dos teólogos e sacerdotes coincidem: é extremamente difícil – se não impossível – sobretudo quando vai se avançando nos níveis dessa prática. Por exemplo, o professor Joel S. Peters, que leciona Teologia no Instituto Católico de Ensino Superior de Montvale, Nova Jersei (Estados Unidos), responde:

– “E quanto aos benefícios à saúde trazidos pelo Yoga? Não seria possível obter os benefícios corporais do Yoga desprezando-se os aspectos religiosos?
Esta pergunta é enganosa e revela certa ignorância da parte de quem a formula. É enganosa porque pressupõe que é possível levantar uma dicotomia entre as posturas físicas do Yoga e a sua espiritualidade sujacente; revela ignorância porque o cristão praticante que faz essa pergunta muito provavelmente não investigou previamente o Yoga… Se o tivesse feito, teria se dado conta de que é, em sua verdadeira natureza, uma prática da religião hindu” (“Pode um cristão praticar Yoga como disciplina corporal? Um especialista fala de sua finalidade religiosa”. In: Religión en Libertad)
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Uma opinião semelhante tem o sacerdote e doutor em Teologia Miguel Ángel Fuentes, no artigo previamente citado, onde acrescenta que aqueles que se limitam a fazer o que é prescrito até a terceira ou quarta etapa do Yoga executam apenas um comportamento superficial, que não pode nem ser considerado propriamente Yoga. Para as etapas seguintes, enumera os receios totalmente justificados que o uso do Yoga impõe ao cristão; e aqui é oportuno diferenciar esses receios daquilo que um dos coordenadores deste grupo [católico] confundiu com “escrúpulo” e “pecado”:

– Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que os escrúpulos não são pecado, mas a dúvida irrazoável sobre a moralidade de um ato feito ou a ser feito. A pessoa escrupulosa vive preocupada, enxergando pecado onde não há. O escrúpulo é um problema ou uma enfermidade espiritual que pode ser curada mediante a assistência de uma boa direção espiritual e a graça de Deus; assim ocorreu com numerosos santos que sofreram deste problema. Quem é escrupuloso não peca por possuir escrúpulos; pelo contrário, teme pecar por coisas que realmente não são pecado, o que pode afetar a sua saúde espiritual. Não são um “pecado em si mesmo”, como assume o amigo católico.

– Em segundo lugar, deve-se distinguir entre receios justificados e escrúpulos (que não são justificados). No caso do Yoga, vemos que há numerosas advertências de vozes autorizadas prevenindo quanto aos riscos desta espécie de práticas, alertando sobre a sua incompatibilidade com a Fé Cristã e, inclusive, um documento magisterial incluindo-o no elenco de práticas esotéricas. Afastar-se de tudo o que possa dar ocasião para a queda constitui mais um ato de sensatez e prudência, que Jesus nos recorda no Evangelho: “Se a tua mão é ocasião de pecado, corta-a” (certamente é uma hiperbole, mas a moral da história é que devemos nos afastar das [más] ocasiões que podem nos levar a cair, apartar-nos de Deus ou da verdadeira Fé).

4. Mas todas essas “vozes autorizadas” não são apenas “opiniões pessoais”?

Diante das opiniões de teólogos e sacerdotes, os defensores do Yoga alegaram, neste debate, que tudo isso tratava-se apenas de “opiniões pessoais”:

– “A Igreja é maior que as opiniões pessoais, graças a Deus.
Felizmente, a Igreja tampouco se baseia em ‘sites’ da Internet”.
Com todo respeito ao Pe. Amorth… não precisamos cair em fanatismos e loucuras. É claro que a opinião de um exorcista não impõe Magistério.
Um exorcista é um ser humano que pode errar nas suas opiniões…”

É certo que muitas das advertências sobre a prática do Yoga provêm das opiniões de teólogos e sacerdotes autorizados, publicadas em renomados ‘sites’ católicos. Em momento nenhum se pretendeu elevar suas opiniões ao nível de ‘dogma’; porém, por essas opiniões provirem de católicos conhecedores do assunto, não deixam de ser valiosas e dignas de serem levadas a sério.

Por exemplo: as advertências do Pe. Gabriel Amorth, ainda que sejam falíveis, provêm de alguém que possui uma ampla experiência no trato com os demônios: tendo sido o exorcista oficial do Vaticano e realizado mais de 50.000 exorcismos, “alguma” experiência ele deve ter. O mesmo se diga dos demais teólogos e sacerdotes especializados na matéria.

E se analisarmos bem, a posição daqueles que defendem a prática do Yoga também são opiniões pessoais. Então cabe avaliar qual opinião seria mais autorizada: a dos sacerdotes, teólogos e doutores, publicadas em consenso pelos ‘sites’ católicos mais renomados (acrescentando-se também aí o exorcista oficial do Vaticano) ou a de alguns católicos (sendo um deles, amante confesso do Budismo e que crê que quem não pensa como ele é um “ignorante”)? Eu, pelo menos, não tenho a menor dúvida a quem devo seguir.

Para concluir, eis uma breve lista das “opiniões” contrárias ao Yoga, firmadas por teólogos, sacerdotes e especialistas do assunto (em espanhol):

“O Yoga: na filosofia e na prática é incompatível com o Cristianismo” (ACIprensa)

“Yoga” (Corazones.org)

“Praticar Yoga” (EWTN)

“Yoga: é possível separar a teoria e a prática?” (Catholic.net)

“Pode um cristão praticar Yoga como disciplina corporal? Um especialista fala sobre a sua finalidade religiosa” (Religión en Libertad)

“É lícito o Yoga?” (El teólogo responde)

“15 razões do por que o Yoga é extremamente perigoso” (Catholic.net)

E entre os documentos oficiais do Magistério (em espanhol):

Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da meditação cristã (Congregação para a Doutrina da Fé)

Jesus Cristo: Portador da Água da Vida (em espanhol)

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