Vocações

Mensagem do Cardeal D. Eugênio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

29/8/2003

Vocações

A figura do Pastor é usada, repetidas vezes, na Sagrada Escritura. Apascentava o rebanho, pessoalmente ou através de seus filhos. O trabalho consistia em procurar alimento para os animais que lhe eram confiados, ser paciente no trato com os mesmos, defender as ovelhas das feras e ladrões. Levava o necessário para cumprir essa responsabilidade. Jesus Cristo, ao aproximar-se seu sacrifício cruento, pela salvação da Humanidade, se autodenomina: “Eu sou o bom pastor; o bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas” (Jo 10,11). Sua Igreja, Ele define como um redil e “haverá um só rebanho e um só pastor” (idem, 10,16). A primeira imagem de Jesus representa-O como um pastor que conduz aos ombros uma ovelha. Foi encontrada nas Catacumbas de Domintila e é do século II ou início do III. Além dessa, há uma outra também do século II ou III, nas catacumbas de São Calixto ? Cripta de Lucina. O logotipo do Catecismo da Igreja Católica é uma pedra sepulcral cuja imagem do Bom Pastor era usada pelos cristãos para simbolizar o repouso e a felicidade na Vida Eterna.

À medida que a obra de Cristo se difundia por todo o Império Romano e terras adjacentes, o Espírito Santo, que dirige a Igreja, multiplicava o chamado “Colégio Apostólico”, composto pelos Bispos, e a ele agregava os presbíteros e diáconos. Sobre os demais batizados, diz o Catecismo da Igreja Católica (nº 900): “Os leigos têm a obrigação e gozam do direito, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a Mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens”.

Do bom andamento de toda essa estrutura divina e humana depende o bem-estar do rebanho de Cristo, hoje presente em todos os quadrantes da terra. Um dos mais importantes fatores para o êxito é a formação e o número dos sacerdotes, pastores que assegurem o autêntico e eficiente atendimento às ovelhas. Limito-me hoje a tratar do recrutamento e formação do clero, pois estamos no Ano Vocacional, proposto pela CNBB, e no mês de agosto, dedicado às Vocações.

Depois do Concílio Vaticano II, por interpretações errôneas de seus ensinamentos, além da crise dos anos 60-70, na sociedade em geral, as vocações escassearam, casas religiosas foram fechadas, e padres abandonaram o sacerdócio. Hoje, a situação mudou e surgiu uma messe fecunda e um clima com fundadas esperanças. Vivi uma longa e rica experiência no assunto. Estou às vésperas de celebrar 60 anos de Ordenação Sacerdotal. Nesse espaço de tempo, pude sentir a vida da Igreja. Sem dúvida, a formação, o recrutamento, as causas de êxito e fracasso, não estavam ausentes. Cheguei à conclusão de haver uma relação entre o problema sacerdotal e o grau de vitalidade da comunidade católica. Correntes de idéias atribuídas erroneamente ao Concílio, muito prejudicaram a vida religiosa e, em conseqüência, o campo vocacional. O Papa Paulo VI constatou, na primeira Encíclica de seu Pontificado, a “Ecclesiam Suam”, de 6 de agosto de 1964, a necessidade de permanecer vigilantes, pois muitos fiéis pensam “que a renovação da Igreja deve consistir principalmente na adaptação de seus sentimentos e costumes aos do mundo (…) A fascinação da vida profana é hoje violentíssima” (nº 25). Trata longa e sabiamente dos perigos para o povo de Deus. Essa realidade denunciada veio prejudicar muitos setores da Igreja. Seminários foram fechados, erros doutrinários se infiltraram nos menos avisados. Em compensação, surgiram modelos de formação e um estilo de vida do sacerdote não raro assumindo uma fisionomia leiga, afastando-se do sagrado. A obediência ao Papa enfraqueceu. Faltava o desafio à generosidade, tão comum nessa faixa etária, pois se lhe apresentavam um comportamento algo distante da Cruz de Cristo. Acreditava-se, com isso, obter da juventude o entusiasmo para edificar o meio temporal segundo a justiça social, mas às custas dos valores eternos. Políticos, assistentes sociais, economistas, por mais importantes que sejam essas atividades, distanciavam o jovem de seu objetivo, que devia buscar uma formação marcadamente para Deus e não uma tarefa temporal. Refletem esse quadro as expressões usadas por Paulo VI, na homilia pronunciada na Festividade de São Pedro e São Paulo, 29 de junho de 1972. Referindo-se à situação da Igreja, o Papa afirma ter a sensação de que “através de alguma fenda, tinha entrado o fumo de Satanás no templo de Deus.”

Passadas quase quatro décadas do encerramento do Concílio, o quadro foi modificado, embora ainda restem, aqui e ali, resquícios de doutrinas subreptíciamente contrárias ao Evangelho. Em grande parte, venceu a Verdade. Os tempos mudaram, graças a Deus. Em muitos lugares, a Casa de Formação Sacerdotal voltou a ser um Seminário, diverso do que era antigamente, mas muito diferente da orientação dada no auge da crise.

O caminho dessa recuperação foi muito variado. Entretanto, inegavelmente, apesar de todas as resistências, o bom-senso e o espírito eclesial ganham terreno. A média anual de ordenações sacerdotais, há bastante tempo, alcançou aqui a meta de 10 a 15 por ano, todos para a Arquidiocese do Rio, com um pique de 22 novos padres.

Para obter este resultado, foi fundamental ? e continua sendo – o envolvimento da comunidade na causa da promoção vocacional, dando real prioridade ao Seminário nas atividades diocesanas. Um outro ponto importante é a fidelidade à Igreja de Cristo, manifestada pela obediência às diretrizes do Papa. E é de justiça lembrar o trabalho da Pastoral Vocacional, Obra das Vocações Sacerdotais e Serra Clube.

Recordemos a ordem do Mestre: “A messe é grande, mas poucos são os operários. Rogai ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe” (Lc 10,2).

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