“1700° aniversário de batismo do povo armênio” (João Paulo II: 02.02.2001)

CARTA APOSTÓLICA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II
POR OCASIÃO DO 1700° ANIVERSÁRIO DO
BAPTISMO DO POVO ARMÉNIO

 

1. “Deus, maravilhoso e sempre providente, segundo a Vossa previsão, deste início à salvação dos Arménios”.

Caríssimos Irmãos e Irmãs, o antigo hino litúrgico, que canta a iniciativa de Deus na evangelização do vosso nobre Povo brota do meu coração repleto de gratidão nesta feliz data, na qual celebrais o XVII centenário do encontro dos vossos antepassados com o cristianismo. Toda a Igreja católica rejubila na recordação da providencial purificação baptismal, graças à qual a vossa nobre e querida Nação começou definitivamente a fazer parte da multidão de povos que acolheram a vida nova em Cristo.

“Pois todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo” (Gl 3, 27). As palavras do Apóstolo Paulo revelam a singular novidade que o cristão adquire pelo facto de ter recebido o Baptismo. De facto, com este sacramento o homem é incorporado em Cristo, de forma que já pode afirmar com confiança: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Este encontro pessoal e irrepetível regenera, santifica e transforma o ser humano, tornando-o perfeito adorador de Deus e templo vivo do Espírito Santo. O Baptismo, ao inserir o discípulo na verdadeira videira que é Cristo, faz dele um ramo capaz de dar fruto. Tornado filho no Filho, ele é herdeiro da felicidade eterna, preparada desde a origem do mundo.

Por conseguinte, cada Baptismo é um acontecimento marcado pelo encontro de amor entre Cristo Senhor e a pessoa humana, no mistério da liberdade e da verdade. É um acontecimento que tem uma dimensão eclesial, como se verifica com qualquer outro sacramento: a incorporação em Cristo significa também a incorporação na Igreja, Esposa do Verbo, Mãe Imaculada e afectuosa. A respeito disto, o Apóstolo Paulo afirma: “Foi num só Espírito que todos nós fomos baptizados, a fim de formarmos um só corpo” (1 Cor 12, 13).

Esta incorporação na Igreja adquire uma visibilidade particular na história de alguns povos, para os quais a conversão foi um facto comunitário, ligado a acontecimentos ou circunstâncias particulares. Quando isto se verifica, fala-se de “Baptismo de um povo”.

2. Caríssimos Irmãos e Irmãs do povo arménio, há dezassete séculos esta conversão comum a Cristo realizou-se para vós. Tratou-se de um acontecimento que marcou profundamente a vossa identidade; não só a identidade pessoal, mas também a comunitária, de forma que se pode com razão falar de “Baptismo” da vossa Nação, mesmo se na realidade a penetração do cristianismo já tinha sido iniciado desde há algum tempo na vossa Terra. A tradição atribui o seu início à pregação e à obra dos próprios santos apóstolos Tadeu e Bartolomeu.

Com o “Baptismo” da comunidade arménia, a começar pelas suas autoridades civis e militares, nasce uma identidade nova do povo, que se tornará parte constitutiva e inseparável do próprio ser arménio. Desde então já não foi mais possível pensar que, entre os componentes dessa identidade, não esteja a fé de Cristo, como elemento essencial. Aliás, a própria cultura arménia receberá do anúncio do Evangelho um impulso de extraordinário vigor: a “armeniedade” dará uma conotação profundamente característica a este anúncio e, ao mesmo tempo, este anúncio será uma força propulsora para um progresso sem precedentes da própria cultura nacional. Também a invenção do alfabeto arménio, facto determinante para a estabilidade e o carácter definitivo da identidade cultural do povo, estará estreitamente ligada ao “Baptismo” da Arménia e será querida e concebida como um verdadeiro e próprio instrumento de evangelização, antes de o ser como um instrumento de comunicação e de conceitos e notícias. Obra de São Mesrop-Masthoc’, em colaboração com o santo Catholicos Sahak, o novo alfabeto permitirá aos Arménios receber as melhores linhas da espiritualidade, da teologia e da cultura de Sírios e Gregos, e de fundir tudo isto de maneira original com a contribuição da especificidade do próprio génio.

3. A conversão da Arménia, que se realizou no alvorecer do século IV e tradicionalmente situada no ano 301, deu aos vossos antepassados a consciência de ser o primeiro povo oficialmente cristão, muito antes que o cristianismo fosse reconhecido como religião própria do império romano.
É sobretudo o histórico Agatângelo que, numa narração rica de simbolismo, se detém a narrar pormenorizadamente os factos que a tradição coloca na origem dessa maciça conversão do vosso povo. A narração inspira-se no encontro providencial e dramático dos dois heróis que estão na base dos acontecimentos: Gregório, filho do Parto Anak, que cresceu em Cesareia de Capadócia, e o rei arménio Tiridate III. Na realidade, no início foi um confronto: Gregório, tendo-lhe sido pedido o seu sacrifício para a deusa Anahit, opôs-se com uma decidida recusa, explicando ao soberano que um só é o criador do céu e da terra, o Pai do Senhor Jesus Cristo. Tendo sido por isso submetido a cruéis tormentos, Gregório, assistido pelo poder de Deus, não se sujeitou. Considerando esta sua irredutível constância na confissão cristã, o rei mandou lançá-lo num poço profundo, um lugar incómodo e escuro infestado de serpentes, onde ninguém anteriormente tinha sobrevivido. Mas Gregório, alimentado pela Providência através da mão piedosa de uma viúva, permaneceu longos anos naquele poço sem sucumbir.

A narração prossegue contando as tentativas realizadas entretanto pelo imperador romano Diocleciano para seduzir a santa virgem Hrip’sime, a qual, a fim de se subtrair ao perigo, fugiu de Roma com um grupo de companheiras, procurando refúgio na Arménia. A beleza da jovem chamou a atenção do rei Tiridate, que se apaixonou por ela e quis fazê-la sua. Perante a obstinada recusa de Hrip’sime, o rei enfureceu-se e mandou matá-la, assim como as suas companheiras com torturas cruéis. Segundo a tradição, como pena pelo horrendo delito, Tiridate foi transformado num javali, e não pôde recuperar a aparência humana enquanto não obedeceu a uma indicação do Céu, libertando Gregório do poço no qual tinha permanecido durante treze longos anos. Tendo obtido o prodígio da recuperação do semblante humano pelas orações do Santo, Tiridate compreendeu que o Deus verdadeiro era o de Gregório e decidiu converter-se, juntamente com a sua família e com o exército e empenhar-se na evangelização de todo o País. Desta forma os Arménios foram baptizados e o cristianismo impôs-se como religião oficial da Nação. Gregório, que entretanto tinha recebido em Cesareia a ordenação episcopal, e Tiridate percorreram o País, destruindo os lugares de culto dos ídolos e construiram templos cristãos.

Depois de uma visão do Unigénito Filho de Deus encarnado, foi construída uma igreja em Vagharshpat, que do prodigioso acontecimento tomou o nome de Etchmiadzin, o que significa o lugar onde “o Unigénito desceu”. Os sacerdotes pagãos foram instruídos na nova religião e tornaram-se os ministros do novo culto, enquanto os seus filhos constituíram o nervo do clero e do subsequente monaquismo.

Gregório retirou-se muito cedo para a vida eremita no deserto, e o filho mais jovem Aristakes foi ordenado Bispo e constituído chefe da Igreja arménia. Nesta qualidade participou no Concílio de Niceia. O historiador arménio conhecido com nome de Moisés de Corene define Gregório “o nosso progenitor e pai segundo o Evangelho” (1) e, para mostrar a continuidade entre a evangelização apostólica e a do Iluminador, refere a tradição segundo a qual Gregório teria tido o privilégio de ser concebido ao lado da sagrada memória do apóstolo Tadeu.

Os antigos calendários da Igreja ainda não dividida celebram-no, no Oriente e no Ocidente, no mesmo dia como apóstolo incansável de verdade e de santidade. Pai na fé de todo o povo arménio, São Gregório ainda hoje intercede do Céu, a fim de que todos os filhos da vossa grande Nação possam finalmente encontrar-se de novo à volta da única Mesa posta por Cristo, divino Pastor do único rebanho.

4. Esta narração tradicional encerra em si, paralelamente aos aspectos legendários, elementos de grande significado espiritual e moral. A pregação da Boa Nova e a conversão da Arménia, estão antes de mais fundadas no sangue das testemunhas da fé. Os sofrimentos de Gregório e o martírio de Hrip’sime e das suas companheiras mostram como o primeiro Baptismo da Arménia é precisamente o do sangue.

A componente do martírio constitui um elemento constante na história do vosso povo. A sua fé permanece indissoluvelmente ligada ao testemunho do sangue derramado por Cristo e pelo Evangelho. Toda a cultura e a própria espiritualidade dos Arménios estão invadidos do orgulho pelo sinal supremo do dom da vida no martírio. Sentem-se nelas os ecos dos gemidos devido ao sofrimento suportado em comunhão com o Cordeiro imolado para a salvação do mundo. Disto é símbolo o sacrifício de Vardan Mamikonian e dos seus companheiros que, na batalha de Avarayr (a. 451) contra a dinastia de Iazdegerd II que queria impor ao povo a religião mazdeísta, deram a vida para permanecer fiéis a Cristo e defender a fé da Nação. Na vigília do conflito, como narra o histórico Eliseu, os soldados foram exortados a defender a fé com estas palavras: “Quem pensava que o cristianismo fosse para nós como roupa, agora sabe que não no-lo pode tirar, como não nos pode tirar a côr da pele” (2). Trata-se de um testemunho eloquente da coragem que animava estes crentes: morrer por Cristo significava para eles participar na sua paixão, afirmando os direitos da consciência. Era preciso não permitir que fosse renegada a fé cristã, sentida pelo povo como um bem supremo.

A partir de então repetiram-se muitas vezes vicissitudes análogas, até aos massacres suportados pelos Arménios nos anos entre os séculos XIX e XX, que culminaram nos trágicos acontecimentos de 1915, quando o povo arménio teve de sofrer violências indizíveis, cujas consequências dolorosas ainda são visíveis na diáspora, à qual foram obrigados muitos dos seus filhos. É uma memória que não se pode perder. Várias vezes, no decurso do século que há pouco terminou, os meus Predecessores quiseram prestar homenagem aos cristãos da Arménia, que perderam a vida por mãos violentas (3). Eu próprio quis recordar os sofrimentos suportados pelo vosso povo: são os sofrimentos dos membros do Corpo místico de Cristo (4).

Os acontecimentos sanguinolentos, além de marcarem profundamente a alma do vosso povo, mudaram várias vezes a sua geografia humana, obrigando-o a contínuas migrações em todo o mundo. Merece ser realçado o facto de que, onde quer que os arménios tenham chegado, levaram a riqueza dos próprios valores morais e das próprias estruturas culturais, indissoluvelmente ligadas às eclesiásticas. Guiados pela confiante consciência do apoio divino, os cristãos arménios souberam manter firme nos seus lábios a oração de São Gregório de Narek: “Se fixar os olhos a observar o espectáculo do duplo risco no dia da miséria, que eu veja a tua salvação, ó providente Esperança! Se voltar o olhar para o alto em direção do caminho aterrador que tudo envolve, que venha ao meu encontro docemente o anjo da paz!” (5). De facto, a fé cristã, também nos momentos mais trágicos da história arménia, foi a mola propulsora que assinalou o início do renascimento do um povo cansado.

Assim a Igreja, seguindo os seus filhos peregrinos no mundo à procura de paz e de serenidade, constituiu a sua verdadeira força moral, tornando-se, em muitos casos, a única instância que eles puderam ter como ponto de referência, o único centro autorizado que apoiou os seus esforços e inspirou o seu pensamento.

5. Um segundo elemento de grande valor na vossa história atormentada, queridos Irmãos e Irmãs arménios, é constituído pela relação entre evangelização e cultura. A palavra “Iluminador”, com a qual é designado São Gregório, realça muito bem a sua dupla função na história da conversão do vosso povo. De facto, “iluminação” é a palavra tradicional na linguagem cristã para indicar que, mediante o Baptismo, o discípulo, chamado por Deus das trevas para a sua admirável luz (cf. 1 Pd 2, 9), é inundado pelo esplendor de Cristo “luz do mundo” (Jo 8, 12). N’Ele, o cristão encontra o profundo significado da sua vocação e da sua missão no mundo.

Mas a palavra “iluminação”, na acepção arménia, enriquece-se de um ulterior significado, porque também indica a difusão da cultura através do ensinamento, confiado em particular aos monges-mestres, continuadores da pregação evangélica de São Gregório. Como evidencia o historiador Koriun, a evangelização da Arménia levou consigo a vitória sobre a ignorância (6).

Com o espalhar da alfabetização e do conhecimento das normas e dos preceitos da Sagrada Escritura, foi permitido finalmente ao povo construir uma sociedade regida de maneira sábia e prudente. Também Agatângelo não deixa de anotar como a conversão da Arménia tenha implicado a emancipação dos cultos pagãos, que não só escondiam ao povo a verdade da fé, mas mantinham-no de igual modo numa condição de ignorância (7).

Por este motivo a Igreja arménia considerou sempre parte integrante do seu mandato a promoção da cultura e da consciência nacional e empenhou-se sempre para que esta síntese permanecesse viva e fecunda.

6. A narração tradicional dos factos relacionados com a conversão dos Arménios oferece motivos para uma reflexão. Em São Gregório o Iluminador e nas santas Virgens resplandece a força poderosa da fé, que leva a não se deter perante as tentações do poder do mundo, e torna capazes de resistir aos sofrimentos mais atrozes bem como às lisonjas mais aliciantes. No rei Tiridate podem ver-se as consequências provocadas pelo afastamento de Deus: o homem perde a própria dignidade degradando-se, de maneira a permanecer prisioneiro dos próprios desejos. De toda esta narração emerge uma verdade importante: não existe uma sacralidade absoluta do poder, e não significa que ele possa ser sempre justificado em tudo o que realiza. Ao contrário, deve-se reconhecer a responsabilidade pessoal das próprias escolhas: se elas são erradas, permanecem assim, mesmo que seja um rei quem as realiza. A humanidade reconstitui-se totalmente quando a fé desmascara o pecado, o iníquo se converte e encontra Deus e a sua justiça.

Nos edifícios cristãos, construídos no lugar onde se veneravam os ídolos, transparece a verdadeira identidade do cristianismo: isso encerra o que nele existe de verdadeiramente válido em sentido religioso da humanidade e sabe, ao mesmo tempo, propor a novidade de uma fé que não admite outros compromissos. Desta forma, edificando o povo santo de Deus, contribui também para o aparecimento de uma nova civilização na qual são sublimados os valores mais autênticos do homem.

7. Enquanto se desenvolvem as celebrações do XVII centenário da conversão da Arménia, o meu pensamento eleva-se ao Senhor do céu e da terra, ao qual desejo exprimir a gratidão de toda a Igreja por ter suscitado no povo arménio uma fé tão firme e corajosa e por ter apoiado o testemunho.

Uno-me de boa vontade a esta feliz comemoração, para contemplar juntamente convosco, caríssimos Irmãos e Irmãs, a inumerável multidão de Santos que teve a origem nesta terra abençoada e agora resplandece na glória do Pai. Trata-se de figuras que constituem um rico tesouro para a Igreja: são mártires, confessores da fé, monges e monjas, filhos e filhas que nasceram de novo da fecundidade da Palavra de Deus. Entre as figuras ilustres, quero recordar aqui São Gregório de Narek, que sondou as profundezas tenebrosas do desespero humano e entreviu a luz resplendente da graça que também nela brilhou para o crente, e São Nerses Shnorhali, o Catholicos que conjugou um extraordinário amor pelo seu povo e pela sua tradição cum uma clarividente abertura às outras Igrejas, num esforço exemplar de busca da comunhão na plena unidade.

Desejo dizer ao povo arménio, antes de mais, o meu obrigado pela sua longa história de fidelidade a Cristo, fidelidade que conheceu a perseguição e o martírio. Os filhos da Arménia cristã derramaram o seu sangue pelo Senhor, mas toda a Igreja cresceu e se consolidou em virtude do seu sacrifício. Se hoje o Ocidente pode livremente professar a própria fé, isto é devido também a quantos se imolaram, fazendo do seu corpo uma defesa para o mundo cristão, nas suas extremas ramificações. A sua morte foi o preço da nossa segurança: agora eles resplandecem envolvidos em cândidas vestes e cantam ao Cordeiro o hino de louvor na bem-aventurança do Céu (cf. Ap 7, 9-12).

O património de fé e de cultura do povo arménio enriqueceu a humanidade de tesouros de arte e de talento, que agora se encontram espalhados em todo o mundo. Mil e setecentos anos de evangelização fazem desta Terra um dos berços da civilização cristã, para a qual se dirige com um olhar de admiração a veneração de todos os discípulos do Mestre divino.

Embaixadores de paz e de laboriosidade, os Arménios percorreram o mundo e, com o árduo trabalho das suas mãos, ofereceram um precioso contributo para o transformar e tornar mais próximo do projecto de amor do Pai. O povo cristão sente-se feliz pela sua presença generosa e fiel e deseja que eles possam encontrar sempre simpatia e compreensão em todas as partes do mundo.

8. Desejo dirigir, ainda, um pensamento particular a todos os que se empenham para que a Arménia supere os sofrimentos de tantos anos de regime totalitário. O povo espera sinais concretos de esperança e solidariedade, e estou certo de que a recordação grata das próprias origens cristãs é para cada Arménio motivo de conforto e de estímulo. Faço votos para que a memória viva dos prodígios realizados por Deus entre vós, caríssimos fiéis arménios, vos ajude a redescobrir em plenitude a dignidade do homem, de cada homem, de qualquer condição, e vos estimule a apoiar em bases espirituais e morais a reconstrução do País.

Formulo fervorosos votos para que os fiéis continuem com coragem o seu empenho e os seus já notáveis esforços, de forma que a Arménia de amanhã refloresça nos valores humanos e cristãos da justiça, da solidariedade, da igualdade, do respeito, da honestidade e da hospitalidade, que estão na base da convivência humana. Se isto se verificar, o Jubileu do povo arménio dará plenamente o seu fruto.

Estou certo de que a data dezassete vezes centenária do Baptismo da vossa querida Nação será um momento significativo e particular para continuar com vigor o caminho do diálogo ecuménico.

As cordiais relações já existentes entre a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica tiveram, nos últimos decénios, um impulso decisivo também através dos encontros das mais altas Autoridades daquela Igreja com o Papa. Como esquecer, neste contexto, as memoráveis visitas ao Bispo e à comunidade cristã de Roma de Sua Santidade Varken I em 1970, do inesquecível Karekin I em 1996, e a recente visita de Karekin II? Depois, a entrega a Sua Santidade Karekin II, na presença do Patriarca armenio-católico, da relíquia do Pai da Arménia cristã, que eu próprio tive a alegria de realizar recentemente, para a nova catedral de Yerevan, constitui uma ulterior confirmação do vínculo profundo que une a Igreja de Roma a todos os filhos de São Gregório o Iluminador.

É um caminho que deve continuar com confiança e coragem, a fim de que todos possam ser cada vez mais fiéis ao mandamento de Cristo: ut unum sint! Nesta perspectiva, a Igreja arménio-católica deve oferecer o seu decisivo contributo mediante a “oração, o exemplo da vida, a escrupulosa fidelidade às antigas tradições orientais, o mútuo e mais profundo conhecimento, a colaboração e a fraterna estima de coisas e pessoas” (8).

Com os Arménios e para os Arménios presidirei daqui a poucos dias a uma solene Eucaristia de louvor para agradecer a Deus o dom da fé dele recebido, rezando para que o Senhor “reúna em unidade todos os povos na sua santa Igreja, que surgiu sobre os fundamentos dos Apóstolos e dos Profetas, e a conserve imaculada até ao dia em que Ele voltar” (9). Naquela celebração estarão presentes na única Mesa do Pão de vida os Irmãos e as Irmãs que já vivem a comunhão plena com a Sé de Pedro e, desta forma, enriquecem a Igreja Católica com o próprio contributo insubstituível. Mas o meu profundo desejo é que aquela sagrada Acção de graças abrace idealmente todos os Arménios, onde quer que se encontrem, para exprimir com uma única voz o reconhecimento de cada um a Deus pelo dom da fé, no sagrado ósculo da paz.

9. O meu pensamento dirige-se para a “Mãe da Luz, Maria, a Virgem santa que gerou segundo a carne a Luz que provém do Pai, e se tornou o alvorecer do Sol de justiça” (10). Venerada com profundo afecto com o título de Astvazazin (Mãe de Deus), ela está presente em todos os momentos da atormentada história daquele povo. São principalmente os textos litúrgicos e homiléticos que escancaram os tesouros da devoção mariana que, ao longo dos séculos, assinalou a afeição filial dos Arménios à Escrava do grande mistério da salvação. Além de a recordar quotidianamente na Divina Liturgia e em todas as horas do Ofício divino, a oração da Igreja prevê festas ao longo do ano que recordam a sua vida e os mistérios de mais relevo. A ela se dirigem os fiéis com confiança, para solicitar que a sua intercessão junto do Filho: “Templo da Luz sem manchas, tálamo inefável do Verbo, tu, que destruíste a triste maldição da mãe Eva, implora ao teu Filho Unigénito, que nos reconciliou com o Pai, para que nos prive de qualquer perturbação e conceda a paz às nossas almas” (11)! Virgem do Socorro, Maria é venerada como a rainha da Arménia.

Luminosa glória, na multidão dos Santos arménios cantores da Mãe de Deus, é sem dúvida São Gregório de Narek, o grande Vardapet (doutor) mariano da Igreja Arménia, que também eu quis recordar na Encíclica Redemptoris Mater (12). Ele saúda a Virgem Santa como “Sede predilecta da vontade da Divindade encarnada” (13). Com as suas palavras, se eleve a súplica da Igreja em festa, para que este Jubileu do Baptismo da Arménia seja motivo de renascimento e de alegria:

Aceita o cântico de bênção
dos nossos lábios e digna-te conceder
a esta Igreja os dons e as graças
de Sião e de Belém,
para que possamos ser dignos
de participar na salvação
no dia da grande manifestação
da glória indestrutível
do imortal salvador e teu Filho,
o Unigénito
” (14).

Sobre todo o povo arménio e sobre as próximas celebrações, invoco a plenitude das bênçãos divinas, fazendo minhas as palavras do histórico Agatângelo: “Eles, dirigindo estas palavras ao Criador, digam: “Senhor, Vós sois o nosso Deus”, e Ele lhe diga: “Vós sois o Meu povo” (15), para glória da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Amen.

Vaticano, 2 de Fevereiro de 2001.


Notas


1) História da Arménia, Veneza 1841, pág. 265.

2) História de Vartan e da guerra dos Arménios contra os Persas, cap. V, Veneza 1840, pág. 121.

3) Cf. BENTO XV, Discurso no Sagrado Consistório (6 de Dezembro de 1915) AAS VII (1915), 510; Carta aos Governantes dos povos beligerantes (1 de Agosto de 1917): AAS IX (1917), 419; PIO XI, Discurso no Consistório para a beatificação dos veneráveis João Bosco e Cosme de Carboniano (21 de Abril de 1929): Discorsi II, 64; Carta Enc. Quinquagesimo ante (23 de Dezembro de 1929): AAS XXI (1929), 712; PIO XII, Discurso aos fiéis arménios (13 de Março de 1946): Discorsi e messaggi VIII, 5-6.

4) Homilia durante a Divina Liturgia em rito arménio (21 de Novembro de 1987), 3: Insegnamenti X/3 (1987), 1177; Discurso na abertura da exposição Roma-Arménia (25 de Março de 1999), 2: L’Osserv. Rom. 26 de Março de 1999, pág. 4; Discurso por ocasião da visita de Sua Santidade Karekin II (9 de Novembro de 2000); L’Osserv. Rom. 11 de Novembro de 2000, pág. 5.

5) Livro das Lamentações, Palavra II, b, ed. Studium, 1999, pág. 164-165.

6) Cf. História da vida de São Mesrob e do início da literatura arménia, Veneza 1894, págs. 19-24.

7) Cf. Agatângelo, História, 2, Veneza 1843, págs. 196-198.

8) Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre as Igrejas orientais Orientalium Ecclesiarum, 24.

9) Antigo “Cântico para todas as festas da Virgem Santa Maria”, em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armenorum Breviario excerpta, Veneza 1877, XVII, 118.

10) CATHOLICOS ISACCO III, Hino para a festa da santa Cruz, em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armeniorum Breviario excerpta, Veneza 1877, XIII, 88-89.

11) S. NERSES SHNORHALI, Hino em honra da Virgem Santa Maria, em tempo de Quaresma, em Laudes et hymni ad SS. Mariae Virginis honorem ex Armeniorum Breviario excerpta, Veneza 1877, IX, 81.

12) Cf. n. 31: AAS 79 (1987), 404.

13) Discurso panegírico à B.A.V. Maria, Veneza 1904, pág. 16; 24.

14) Ibid.

15) História, 2, Veneza 1843, pág. 200.

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