A atualidade doutrinal do novo Catecismo da Igreja Católica

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

CONGRESSO CATEQUÉTICO INTERNACIONAL

DISCURSO DO CARDEAL JOSEPH RATZINGER

ACTUALIDADE  DOUTRINAL
DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
DEZ ANOS APÓS A SUA PUBLICAÇÃO

9 de Outubro de 2002

O Catecismo da Igreja Católica, que o Papa João Paulo II entregou à Cristandade a 11 de Outubro de 1992 com a Constituição Apostólica Fidei Depositum, vinha ao encontro, por um lado, de uma expectativa, que estava viva em todas as partes da Igreja; mas por outro, deparou-se com um muro de cepticismo, ou melhor, de rejeição, em certas partes do mundo intelectual católico ocidental. Depois da mudança realizada pelo Concílio Vaticano II, os instrumentos catequéticos até então utilizados demonstravam-se ser insuficientes, não mais adequados à consciência de fé, como tinha sido expresso no Concílio. Teve início uma múltipla experiência analogamente ao que se verificava em relação à liturgia. Mesmo com todas as coisas válidas, que se podiam verificar em várias publicações, faltava contudo uma visão de conjunto. Parecia ter-se tornado problemático compreender o que ainda era válido depois da grande mudança. Desta forma, pastores e fiéis esperavam um novo texto de referência, pelo qual se pudesse orientar a catequese e no qual voltasse a ser visível a síntese da doutrina católica segundo as orientações dadas pelo Concílio. Uma parte dos teólogos e dos peritos da catequese era contrária a isso devido ao compreensível desejo do intelectual de poder experimentar o mais possível num espaço livre. A certeza de fé mostrava-se como que em contraste com a liberdade e a abertura da reflexão que progride sempre. Mas a fé não é, antes de mais, um material para experiências intelectuais, mas sim o fundamento sólido a hipóstase, diz a Carta aos Hebreus (11, 1) sobre a qual podemos viver e morrer. E como a ciência não é entravada pelas certezas alcançadas, ao contrário as certezas alcançadas são a condição do seu progresso, assim também as certezas, que a fé nos dá, abrem horizontes sempre novos, enquanto o contínuo rodar sobre si mesma da reflexão experimental acaba por aborrecer.

Nesta situação verificou-se, por um lado, uma grande gratidão pelo Catecismo, para cuja preparação tinham colaborado todos os componentes da Igreja, Bispos, sacerdotes e leigos; por outro lado, verificou-se também uma recusa hostil, que encontrava sempre novas motivações. As supostas modalidades centralistas de preparação foram criticadas, o que está simplesmente em contraste, com toda a evidência, com a verdade histórica. O próprio conteúdo foi etiquetado como estático, dogmatista, “pré-conciliar”. Foi dito que o Catecismo não teria tido em consideração o desenvolvimento teológico, sobretudo o exegético do último século; que não seria dialógico, mas apodíctico-afirmativo. Por conseguinte, não se poderia falar de uma actualidade doutrinal não na época, há dez anos, e hoje, naturalmente, muito menos.

Valor e limites de um Catecismo

Que pensar de semelhantes opiniões? Para as situar na justa luz e entrar num diálogo com os seus exponentes na medida em que eles a isso estão dispostos deve-se, antes de mais, reflectir sobre a natureza de um catecismo e sobre o seu género literário específico. O Catecismo não é um livro de teologia, mas um texto da fé, ou seja, da doutrina da fé. Esta diferença fundamental muitas vezes não está presente de modo suficiente na actual consciência teológica. A teologia não inventa num itinerário de reflexão intelectual o que pode crer ou não neste caso a fé cristã seria inteiramente um produto do nosso próprio pensamento e não diferente da filosofia da religião. A teologia, se tiver uma justa visão de si, é antes o esforço de compreender o dom de uma verdade que a precede. O Catecismo cita a este propósito a conhecida frase de Santo Agostinho, na qual está sintetizada classicamente a essência do empenho teológico:  “Creio para compreender e compreendo para crer melhor” (158; sermo 43, 7, 9). Faz parte constitutiva da teologia a relação entre o dado, que nos é oferecido por Deus na fé da Igreja, e o nosso esforço para nos apropriarmos deste dado na compreensão racional. A finalidade do Catecismo é precisamente apresentar este dado que nos precede, a formulação doutrinal da fé desenvolvida na Igreja; é um anúncio da fé e não uma teologia, mesmo se, naturalmente, uma reflexão que procura compreender faz parte de uma apresentação adequada da doutrina de fé da Igreja e, neste sentido, abre-se à compreensão e à teologia. De igual modo, também não é eliminada a diferença entre anúncio, ou seja, por um lado, o testemunho e, por outro, a reflexão teológica.

Assim também é agora delineado o género literário do Catecismo, que deriva da sua tarefa. A sua forma literária fundamentalmente não é o debate a “quaestio disputata” como expressão clássica do trabalho teológico. A sua forma literária é antes o testemunho, o anúncio que nasce da certeza interna da fé. Também sobre este aspecto devem ser feitos esclarecimentos:  o testemunho dirige-se ao outro e, por isso, faz referência ao seu horizonte de compreensão; o testemunho encerra em si a retomada inteligente da palavra acolhida, mas permanece de igual modo diferente da linguagem da razão que procura de modo científico. No caso do Catecismo da Igreja Católica acrescenta-se ainda mais um factor:  os destinatários deste livro, dos quais depende qualquer ulterior forma de mediação, são muito vários. O Papa menciona no quarto ponto da já citada Constituição Apostólica o elenco dos destinatários aos quais se destina o livro:  os pastores e os fiéis, entre os quais sobretudo os membros da Igreja empenhados na catequese:  depois “todos os fiéis”, por conseguinte também o âmbito ecuménico, e finalmente assim diz o Papa este livro “é oferecido a cada homem que nos pergunta a razão da nossa esperança (cf. 1 Pd 3, 15) e que deseje conhecer o que a Igreja Católica crê”. Se considerarmos que desta forma nos dirigimos não só a níveis de preparação bastante diferentes, mas a todos os continentes e a situações culturais muito diversas, é evidente que este livro não pode constituir a última etapa de um caminho de mediação, mas deve contar com ulteriores mediações mais próximas das diversas situações. Se se tornasse mais directamente “dialógico” para um determinado ambiente por exemplo os intelectuais ocidentais se adoptasse o seu estilo, só se tornaria mais inacessível aos outros. Por isso, o seu estilo devia, por assim dizer, situar-se acima de contextos culturais concretos e procurar dirigir-se aos homens como tais, deixando contudo as ulteriores mediações culturais às respectivas Igrejas locais. O facto de o Catecismo ter sido acolhido positivamente em regiões e ambientes sociais completamente diferentes, mostra que o esforço de se fazer compreender além das diversidades de preparação e de cultura teve, com grande surpresa, bom êxito. Que deva ser possível exprimir verbalmente também de uma forma comum a todos, o que nós cremos, e portanto redigir um livro como este não deveria ser objecto de debate. Com efeito, se isto não fosse possível, a unidade da Igreja, a unidade da fé, a unidade da humanidade seria um fingimento.

Mas que dizer agora prescindindo destes problemas formais da actualidade doutrinal do conteúdo do Catecismo? Se quiséssemos responder de maneira adequada, dever-se-ia percorrer de novo, um após outro, cada um dos trechos do início até ao fim. Neste caso, far-se-ia uma quantidade de descobertas preciosas e poder-se-ia ver, como o Catecismo foi profundamente plasmado pelas instituições do Concílio Vaticano II, como ele, na sua sobriedade teológico-especialista, oferece temas também para o trabalho teológico. Seria instrutivo um exame transversal de temas diferentes como por exemplo o ecumenismo, a relação Israel-Igreja, a relação entre  fé  e  outras  religiões,  fé  e  criação, símbolos e sinais, etc. Tudo isto agora não é possível. Gostaria de me limitar a alguns aspectos exemplares, que tiveram particular realce no debate público.

O uso da Escritura no Catecismo

Foram particularmente fortes os ataques ao uso da Escritura da parte do Catecismo:  ele (como já foi dito) não tivera em consideração o trabalho exegético de todo um século; por exemplo, teria sido tão ingénuo ao citar trechos do Evangelho de João para traçar a figura histórica de Jesus; ter-se-ia inspirado numa fé literal que já se poderia designar fundamentalista, etc. A este propósito, com referência à já indicada tarefa específica do Catecismo, dever-se-ia reflectir muito cuidadosamente sobre o modo como este livro deve usar a exegese histórico-crítica. Relativamente a uma obra, que deve apresentar a fé não das hipóteses e que durante um tempo bastante longo deve ser “referência segura e autêntica para o ensino da doutrina católica” (assim diz o Papa na Constituição Apostólica, n. 4), dever-se-ia ter presente como as hipóteses exegéticas mudam rapidamente e como é grande, na realidade, a divergência até entre autores contemporâneos em relação a muitas teses. Por conseguinte, o Catecismo dedicou um seu artigo os números 101-141 do livro a uma reflexão específica sobre o recto uso da escritura no testemunho da fé. Esta secção foi avaliada por exegetas importantes como uma síntese metodológica com bom êxito, que enfrenta a questão da natureza não só histórica, mas propriamente teológica da interpretação da Escritura. A este propósito, é necessário responder primeiro à pergunta:  o que é exactamente a Sagrada Escritura? O que faz com que esta colecção literária seja, em certa medida, heterogénea, cujo tempo de formação engloba cerca de um milénio, um único livro, um único livro sagrado, que como tal é interpretado? Se se aprofunda esta pergunta, emerge claramente toda a especificidade da fé cristã e da sua concepção e revelação. A fé cristã tem a sua especificidade antes de tudo no facto que se refere a acontecimentos históricos, ou melhor, a uma história coerente, que, de facto, aconteceu como história. Neste sentido, é fundamental para ela a questão da factualidade, da realidade do acontecimento, e por conseguinte deve dar espaço ao método histórico. Mas estes acontecimentos históricos são significativos para a fé unicamente porque se tem a certeza de que o próprio Deus agiu de modo específico neles e, portanto, os acontecimentos têm em si algo que supera os simples factos históricos, algo que provém de outras partes e lhes dá significado para todos os tempos e para todos os homens. Este excesso não deve ser separado dos factos, não é um significado que lhes foi justaposto sucessivamente pelo exterior, mas está presente no próprio acontecimento, apesar de transcender o simples facto. Precisamente nesta transcendência inerente ao próprio facto está a importância de toda a história bíblica. Esta estrutura específica da história bíblica reflecte-se nos livros bíblicos:  por um lado, eles são expressão da experiência histórica deste povo, mas dado que a própria história é algo mais do que a acção e a paixão do povo, na realidade, nestes livros não é só o povo quem fala, mas aquele Deus que age nele e por meio dele.

Por conseguinte, a figura do “autor”, que é tão importante para a investigação histórica, encontra-se articulada em três níveis:  o autor individual é apoiado por sua vez pelo conjunto de todo o povo. Isto revela-se precisamente nos acréscimos e modificações sempre novos dos livros; aqui a crítica das fontes (apesar dos numerosos exageros e hipóteses pouco plausíveis) proporcionaram-nos descobertas admiráveis. No fim, não é só um autor individual que fala, mas os textos aumentam num processo de reflexão, de cultura, de nova compreensão que supera cada um dos autores. Mas precisamente neste processo de superações contínuas, que relativiza todos os autores individuais, está em acção uma transcendência mais profunda:  neste processo de superações, de purificações, de crescimento age o Espírito Santo inspirador, que na palavra conduz os factos e os acontecimentos e nos acontecimentos e nos factos estimula de novo à palavra.

Quem reflectir sobre esta dramática aqui mencionada de maneira muito resumida do tornar-se escritura da palavra bíblica, vê sem dúvida que a sua interpretação também independentemente de interrogações propriamente crentes deve ser extremamente complexa. Mas quem vive na fé deste mesmo povo e se encontra no interior deste processo deve ter em consideração, no interpretar também da última instância, que ele sabe que age nela. Só então se pode falar de interpretação teológica, que de facto não elimina a histórica, mas a amplia numa nova dimensão. Partindo destes pressupostos o Catecismo descreveu a dupla dimensão de uma exegese bíblica correcta, da qual fazem parte, por um lado, os métodos típicos da interpretação histórica, mas depois se considerarmos esta leitura um único livro, e ainda mais um livro sagrado devemos acrescentar ulteriores formas metodológicas. Nos números 109 e 110 são mencionados com referência à Dei Verbum 12 as exigências fundamentais de uma exegese histórica:  prestar atenção à intenção dos autores, às condições do seu tempo e da sua cultura, assim como ter em consideração os modos de compreender, de se exprimir, de contar, habituais na sua época (110). Mas a isto devemos depois acrescentar também os elementos metodológicos, que provêm da compreensão dos livros como um só livro e como o fundamento da vida do povo de Deus no Antigo e no Novo Testamento:  prestar atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura; ler a Escritura na Tradição viva de toda a Igreja; estar atentos à analogia da fé (112-114). Gostaria pelo menos de citar o bonito texto, com o qual o Catecismo apresenta o significado da unidade da Escritura e o ilustra com uma citação de São Tomás:  “por muito diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é, em virtude da unidade do desígnio de Deus, do qual Jesus Cristo é o centro e o coração, aberto depois da sua Páscoa. “O coração de Cristo designa a Sagrada Escritura que revela precisamente o coração de Cristo. Este coração estava fechado antes da Paixão, porque a escritura era obscura. Mas a Escritura foi aberta depois da Paixão, para que todos os que já dela têm consciência, considerem e compreendam como as profecias devam ser interpretadas” (Tomás de Aquino, Psalm. 21, 11)” (112).

Depois, desta complexa natureza do género literário “Bíblia” deriva também que não se pode fixar o significado de cada um dos seus textos com referência à intenção histórica do primeiro autor na maior parte determinado de modo hipotético. Todos os textos se encontravam, na realidade, num processo de contínuas novas escrituras, nas quais o seu potencial de sentido se abre sempre mais, e portanto nenhum texto pertence simplesmente a um autor histórico específico. Dado que o próprio texto tem um carácter processual, não é licito, também a partir do seu próprio género literário, fixá-lo num determinado momento histórico e encerrá-lo aqui; neste caso ele estaria enquadrado no passado, enquanto ler a Escritura como Bíblia significa precisamente que se encontra o presente na palavra histórica e se abre um futuro. A doutrina do sentido múltiplo da Escritura, que foi desenvolvida pelos Padres e encontrou uma sistematização orgânica na Idade Média, a partir desta particular configuração do texto é hoje reconhecida de novo como cientificamente adequada. Por conseguinte, o Catecismo ilustra brevemente a concepção tradicional dos quatro sentidos da Escritura dir-se-ia melhor ao contrário das quatro dimensões do sentido do texto. Existe antes de mais o chamado sentido literal, isto é, o significado histórico-literário, que procura repropor como expressão do momento histórico do aparecimento do texto. Existe o chamado sentido “alegórico”; infelizmente esta palavra desacreditada impede-nos de captar exactamente aquilo de que se trata:  na palavra distante de uma determinada constelação histórica transparece na realidade um itinerário da fé, que insere este texto no conjunto da Bíblia e além daquele tempo orienta-o em todos os tempos a partir de Deus e para Deus. Existe depois a dimensão moral a palavra de Deus é sempre também indicação de um caminho, e por fim, a dimensão escatológica, a superação do que é definitivo e o seu acesso; a tradição chama-o “sentido anagógico”.

Esta visão dinâmica da Bíblia no contexto da história vivida, e que continua, do povo de Deus, conduz depois a uma ulterior aquisição importante sobre a existência do Cristianismo. “Todavia a fé cristã não é uma “religião do Livro”, diz lapidarmente o Catecismo (108). Esta é uma afirmação extremamente importante. A fé não se refere simplesmente a um livro, que como tal seria a única e última instância para o crente. No centro da fé cristã não se encontra um livro, mas uma pessoa Jesus Cristo, que é ele mesmo a Palavra viva de Deus e fez-se conhecer, por assim dizer, na palavra da Escritura, mas que por sua vez pode ser compreendida rectamente sempre e só na vida com ele, na relação viva com ele. E visto que Cristo edificou e edifica a Igreja, o povo de Deus, como seu organismo vivo, o seu “corpo”, é essencial para a relação com ele a participação do povo peregrino, que é o verdadeiro e próprio autor humano e ao qual a Bíblia é confiada como seu tesouro próprio, como já foi dito. Se Cristo vivo é a verdadeira e própria norma da interpretação da Bíblia, isto significa que compreendemos rectamente este livro unicamente na comum compreensão crente sincrónica e diacrónica de toda a Igreja. Fora deste contexto vital a Bíblia é apenas uma recolha literária mais ou menos heterogénea, e não a indicação de um caminho para a nossa vida. Escritura e tradição não podem ser separadas. O grande teólogo de Tubinga, Johan Adam Möhler, ilustrou este vínculo necessário de maneira insuperável na sua clássica obra “Die Einheit in der Kirche” (A unidade na Igreja), cuja leitura nunca será por demais recomendada. O Catecismo realça este vínculo, no qual está incluída também a autoridade interpretativa da Igreja, como testemunha expressamente a segunda Carta de Pedro:  “Sede conscientes, em primeiro lugar, do que segue:  nenhuma escritura profética está sujeita a uma explicação privada…” (1, 20).

É confortador que o Catecismo com esta visão da exegese da Escritura se possa considerar em sintonia com tendências significativas da exegese mais recente. A exegese canónica realça a unidade da Bíblia como princípio da interpretação; a interpretação sincrónica e diacrónica são cada vez mais reconhecidas na sua igual dignidade. O vínculo essencial de Escritura e Tradição é realçado por famosos exegetas de todas as confissões; é evidente que uma exegese separada da vida da Igreja e das suas experiências históricas não pode ir além da categoria das hipóteses, que deve confrontar-se com a superabilidade, em qualquer momento, do que é dito naquele instante. Existem todos os motivos para rever o juízo apressado sobre o carácter grosseiro da exegese escriturística do Catecismo e para se alegrar pelo facto de que ele leia sem complexos a Escritura como palavra presente e possa assim deixar-se plasmar pela Escritura em todas as suas partes como por uma fonte viva.

A doutrina dos Sacramentos no Catecismo

Deixai que eu diga agora mais alguma coisa sobre a actualidade da segunda e da terceira parte do nosso livro. A novidade, totalmente determinada pelo Vaticano II, da segunda parte dedicada aos Sacramentos, mostra-se imediatamente visível pelo seu título:  “A celebração do mistério”. Isto significa que os sacramentos são concedidos, por um lado, no contexto da história da salvação, a partir do mistério pascal o centro pascal da vida e da obra de Cristo como reapresentação do mistério pascal, no qual nós estamos inseridos. Por outro, significa que os sacramentos são interpretados a partir da celebração litúrgica concreta. Com isto o Catecismo realizou um passo importante em relação à tradição doutrinal sacramental da neo-escolástica. Já a teologia medieval tinha separado em grande medida a consideração teológica dos sacramentos da sua realização litúrgica e, prescindindo dela, tinha aprofundado as categorias da instituição, do sinal, da eficácia, do ministro e do destinatário, de forma que tudo o que se referia ao sinal apresentava um vínculo com a celebração litúrgica. Por outro lado, também o sinal não era considerado só a partir da forma litúrgica profunda e concreta, mas era analisado segundo as categorias filosóficas de matéria e forma. Assim a liturgia e a teologia separaram-se cada vez mais uma da outra; a dogmática não interpretava a liturgia, mas os seus conteúdos teológicos abstractos, de forma que a liturgia teve que assumir quase um conjunto de cerimónias, que revestia o essencial a matéria e a forma e por isso podia também ser substituível. Por sua vez a “ciência litúrgica” (na medida em que se podia falar de tal ciência) tornou-se um ensino das normas litúrgicas vigentes e aproximava-se assim de uma espécie de positivismo jurídico. O movimento litúrgico dos anos vinte tentou superar esta perigosa separação e procurou compreender a natureza dos sacramentos a partir da sua forma litúrgica; conceber a liturgia não só como um conjunto mais ou menos casual de cerimónias, mas como a adequada expressão do sacramento da celebração litúrgica, que se desenvolveu a partir do seu interior. A Constituição sobre a liturgia do Vaticano II pôe em realce esta síntese de maneira excelente, mesmo se de forma sóbria, propondo assim à teologia, bem como à catequese, a tarefa de compreender a partir deste vínculo, de modo renovado e mais profundo, a liturgia da Igreja e os seus sacramentos. Infelizmente esta tarefa até agora não foi completamente realizada. A ciência litúrgica tende a separar-se da dogmática e a propor-se como uma espécie de técnica da celebração litúrgica. Por sua vez também a dogmática ainda não assumiu de maneira convincente a dimensão litúrgica. Muito inoportuno, o zelo reformista baseia-se no facto de que se continua a olhar para a forma litúrgica apenas como para um conjunto de cerimónias, que se podem arbitrariamente substituir com outras “soluções”. A este propósito, no Catecismo encontram-se a partir da profundidade de uma compreensão verdadeiramente litúrgica as palavras áureas:  “Por este motivo nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado pelo ministro ou pela comunidade a seu bel-prazer. Nem sequer a autoridade suprema na Igreja pode mudar a Liturgia como lhe agrada, mas unicamente na obediência da fé e no religioso respeito do mistério da Liturgia” (1125). O Catecismo, com o seu modo de tratar a liturgia, que introduz e dá a orientação à parte sacramental, deu um grande passo em frente e, por conseguinte, foi acolhido com grandes aplausos por liturgistas autorizados, por exemplo, pelo estudioso de Tréveros, Balthasar Fischer.
Sem entrar nos pormenores, gostaria a título de ensaio, de assinalar alguns aspectos da doutrina sacramental do Catecismo, nos quais pode aparecer de maneira exemplar a sua actualidade doutrinal. O propósito de ilustrar cada um dos sacramentos a partir da sua forma celebrativa litúrgica, encontrou-se inicialmente perante a dificuldade do facto de que a liturgia da Igreja consiste numa pluralidade de ritos, por conseguinte não existe uma forma litúrgica unitária para toda a Igreja. Isto não causava problema algum para um catecismo, que se destina apenas à Igreja ocidental (latina) ou a uma Igreja particular. Mas um Catecismo, que como o nosso deseja ser “católico” em sentido forte, que por conseguinte se dirige à Igreja una na pluralidade dos seus ritos, não pode privilegiar um rito de maneira exclusiva. Como se deve então proceder? O Catecismo cita, antes de mais, literalmente o texto mais antigo de uma descrição da celebração eucarística cristã, que Justino mártir traçou numa Apologia do cristianismo, dirigida ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) por volta do ano 155 depois de Cristo (1345). Deste texto fundamental da tradição, que precede cada uma das formações de ritos, pode ser deduzida a estrutura essencial da celebração eucarística, que permaneceu comum em todos os ritos “Missa omnium saeculorum”. A menção deste texto permite assim, ao mesmo tempo, compreender melhor cada um dos ritos e descobrir neles a estrutura comum do sacramento cristão central, que ultimamente remonta ao tempo dos apóstolos e, desta forma, à instituição por parte do próprio Senhor. A solução que aqui foi encontrada é indicativa para a concepção de todo o Catecismo, que nunca poderia ser apenas ocidental e como está a peito às Igrejas orientais nem sequer só bizantina, mas devia ter em consideração toda a amplitude da tradição. Pertence aos aspectos mais preciosos deste livro o grande número de textos dos Padres e das testemunhas da fé de todos os séculos homens e mulheres que nele estão inseridos. Dando um olhar ao registo dos nomes vê-se que é dado um espaço amplo aos Padres do Oriente e do Ocidente, mas também as palavras de mulheres santas estão muito presentes, de Joana d’Arc, Juliana de Norwich, Catarina de Sena e Rosa de Lima, a Teresa de Lisieux e Teresa de Ávila. Este tesouro de citações confere por si só ao Catecismo um valor próprio para a meditação pessoal e para o ministério da pregação.
Outro aspecto na teologia do culto, do Catecismo, sobre o qual gostaria de chamar a atenção, é constituído pela acentuação da dimensão pneumatológica da liturgia, e precisamente a pneumatologia a doutrina sobre o Espírito Santo é um tema sobre o qual se deveria ler o Catecismo de maneira transversal, para conhecer a sua particular fisionomia. É fundamental a secção sobre o Espírito Santo no âmbito da interpretação da Confissão de fé (683-747). O livro sublinha antes de mais o profundo relacionamento de cristologia e pneumatologia, que já se mostra vísivel por exemplo no nome Messias Cristo o ungido; de facto, a “unção” significa na tradição patrística, ser penetrado, por parte de Cristo, pelo Espírito Santo, o “óleo” vivo. Particularmente importante e útil é a secção sobre os símbolos do Espírito Santo (694-701), onde se manifesta também um aspecto típico do Catecismo:  a sua atenção às imagens e aos símbolos. Não se reflecte apenas a partir de conceitos abstractos, mas põem-se em primeiro plano precisamente os símbolos, que nos oferecem uma visão interior, mostrando a transparência do cosmos para o mistério de Deus e, ao mesmo tempo, abrem a relação com o mundo das religiões. Realçando a imagem e o símbolo, voltamos de novo ao âmbito da teologia litúrgica, pois, de facto, a celebração litúrgica vive fundamentalmente do símbolo. O tema do Espírito Santo volta depois à doutrina sobre a Igreja (797-810) aqui como aspecto de uma visão essencialmente trinitária da Igreja. E encontramo-la depois novamente em grande medida na parte dos sacramentos (1091-1112), também aqui como parte de uma orientação trinitária da liturgia. A visão pneumatológica da liturgia ajuda mais uma vez a compreender correctamente a Escritura:  obra do Espírito Santo :  no ano litúrgico a Igreja percorre toda a história da salvação e experimenta lendo a Escritura de modo espiritual, isto é, a partir do autor que a inspirou e a inspira, o Espírito Santo o hoje desta história. A partir daqui da origem de toda a Escritura de um único Espírito torna-se compreensível também a unidade interior de Antigo e Novo Testamento; isto é para o Catecismo também o ponto, para mostrar as profundas conexões entre liturgia judaica e cristã (1096). Também se pode observar, entre parênteses, a este propósito, que precisamente o tema Igreja e Israel é um tema transversal, que perpassa toda a obra e não pode ser julgado a partir de um trecho singular. Que a forte acentuação da pneumatologia do Catecismo aproxime também às Igrejas do Oriente, evidentemente não tem necessidade de ser realçado. Por fim, o Catecismo dedicou a devida atenção também ao tema culto e cultura. Tem sentido falar de inculturação, na realidade, se a dimensão da cultura é essencial para o culto como tal. E por sua vez, um encontro inter-cultural pode ser algo mais do que uma exterioridade artificialmente sobreposta, só se nas formas rituais desenvolvidas pelo culto cristão se encontra pré-contido um vínculo interno com outros cultos e formas culturais. Por conseguinte, o Catecismo realçou claramente a dimensão cósmica da liturgia cristã, que é fundamental para a escolha e para a explicação dos seus símbolos. A este propósito diz-se:  “As grandes religiões da humanidade testemunham, muitas vezes de modo impressionante, este sentido cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A Liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça, da nova criação em Jesus Cristo” (1149). Infelizmente nalguns sectores da Igreja a reforma litúrgica foi concebida de maneira unilateralmente intelectual como forma de ensino religioso e, além disso, foi, muitas vezes de maneira preocupante, culturalmente empobrecida, quer no âmbito das imagens quer da música e da configuração do espaço litúrgico e da celebração. Com uma interpretação orientada unilateralmente para a comunidade, que desejava olhar só para as exigências dos presentes, o grande alcance cósmico da liturgia e, desta forma, a sua amplitude e dinâmica foram, em diversos modos, reduzidos de maneira preocupante. O Catecismo oferece, contra tais desvios, os instrumentos necessários, que precisamente a nova geração espera.

A doutrina moral cristã no Catecismo

Falamos por fim da terceira parte do Catecismo “A vida em Cristo”, na qual é tratada a doutrina moral cristã. Na elaboração do livro, esta foi certamente a parte mais difícil por um lado devido a todas as diversidades, que existem sobre os princípios estruturantes da moral cristã, por outro, devido aos diferentes problemas no âmbito da ética política, da ética social e da bioética, que, face a factos sempre novos, estão num contínuo processo evolutivo, como também no âmbito da antropologia, porque aqui o debate sobre o matrimónio e a família, sobre a ética da sexualidade ainda está a ser feito. O Catecismo não pretende apresentar a única forma possível de teologia moral ou só a melhor não era esta a sua tarefa. Ele traça as linhas antropológicas fundamentais, que são constitutivas para o agir moral do homem. Tem o seu ponto de partida na apresentação da dignidade do homem, que é, ao mesmo tempo, a sua grandeza e também o motivo do seu empenho moral. Indica, pois, como estímulo interior e instrumento de discernimento do agir moral o desejo que o homem tem de ser feliz. O impulso primordial do homem, que ninguém pode negar e ao qual nos últimos tempos ninguém se opõe, é o seu desejo de felicidade, de uma vida com sentido, plena. A moral, para o Catecismo, em continuidade com os Padres, em particular Agostinho, é a doutrina da vida com sentido a ilustração, por assim dizer, das regras para a felicidade. O livro relaciona esta tendência inata no homem com as bem-aventuranças de Jesus, que libertam o conceito de felicidade de todas as banalizações, lhe conferem a sua verdadeira profundidade e, desta forma, mostram o vínculo entre o bem absoluto, o bem em pessoa Deus e a felicidade. Depois, são desenvolvidas as componentes fundamentais do agir moral a liberdade, o objecto e a intenção do agir, as paixões, a consciência, as virtudes, a sua falsificação no pecado, o carácter social do ser humano assim como, por fim, a relação entre a lei e graça. A teologia moral cristã nunca é simplesmente ética da lei, mas supera também o âmbito de uma ética das virtudes:  ela é ética dialógica, porque o agir moral do homem desenvolve-se a partir do encontro com Deus, portanto nunca é apenas um agir próprio, autárquico e autónomo, mera prestação humana, mas resposta ao dom do amor e, assim, como que um estar inseridos na dinâmica do amor do próprio Deus o único que liberta verdadeiramente o homem e o eleva à sua verdadeira estatura. Portanto, o agir moral nunca é só uma prestação, nem sequer algo incutido pelo exterior. O verdadeiro agir moral é totalmente dom e de igual modo, precisamente assim, é totalmente o nosso próprio agir, porque precisamente o que é próprio se manifesta unicamente no dom do amor e porque, por outro lado, o dom não desprestigia o homem, mas o faz voltar a si mesmo.

Penso que é muito importante que o Catecismo tenha inserido a doutrina da justificação no coração da sua ética, porque precisamente assim se torna compreensível o relacionamento de graça e liberdade, o ser a partir do outro como verdadeiro ser em si mesmo e para o outro. No debate sobre o consenso acerca da justificação entre católicos e protestantes, foi justamente apresentada várias vezes a pergunta sobre como pode a doutrina da justificação voltar a ser de novo compreensível e significativa para o homem de hoje. Penso que o catecismo com a sua apresentação do tema no âmbito da questão antropológica do recto agir do homem deu um grande passo, para tornar possível esta nova compreensão. Para mostrar qual é o espírito no qual é concebido o tratado do Catecismo sobre a justificação, gostaria de citar simplesmente três dos seus trechos, que ele por sua vez cita da grande tradição dos padres e santos. Santo Agostinho considera que “a justificação do ímpio é uma obra maior do que a criação do céu e da terra”, porque “o céu e a terra passarão, enquanto a salvação e a justificação dos eleitos nunca passarão” (Sobre Jo – 72, 3). Pensa também que a justificação dos pecadores ultrapassa a própria criação dos anjos na justiça, porque manifesta uma misericórdia maior (1994). A este propósito, eis outra citação de Agostinho uma oração do santo, na qual ele diz a Deus:  “O repouso que fizeste no sétimo dia, depois de teres realizado as tuas obras muito boas…, é uma predição que nos faz o oráculo do teu Livro:  também nós, realizadas as nossas obras bastante boas, sem dúvida por teu dom, no sábado da vida eterna repousaremos em Ti (Conf. 13, 36, 51)” (2002). E eis ainda a maravilhosa frase de Santa Teresa de Lisieux:  “Depois do exílio da terra, espero ir gozar de Vós na Pátria; mas não quero acumular méritos para o Céu:  desejo gastar-me unicamente para o Teu amor… Na noite desta vida comparecerei diante de Ti com as mãos vazias; de facto não te peço, ó Senhor, que consideres as minhas obras. Todas as nossas justiças não estão privadas de manchas aos teus olhos. Por isso, desejo revestir-me da tua Justiça e receber do Teu Amor a fruição eterna de Ti mesmo…” (2011). A secção sobre a justificação é um contributo ecuménico fundamental do Catecismo. Mostra também como não se pode conseguir descobrir de modo suficiente a dimensão ecuménica do livro, se nos limitarmos e procurar nele citações de documentos ecuménicos ou se, com base no índice dos temas, se examinam as palavras usadas, mas unicamente se o lermos na sua globalidade e, desta forma, vê-se como a busca do que une o plasma na sua globalidade.

O Catecismo trata a moral do conteúdo com base no Decálogo: o Catecismo explica o Decálogo como é justo a partir da Bíblia dialogicamente, isto é, no contexto da aliança. Com Orígenes realça que a primeira palavra do Decálogo é liberdade liberdade, que se torna acontecimento sob a guia de Deus:  “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair do país do Egipto, da condição de escravidão” (2061). Assim, o agir moral aparece como “resposta à iniciativa de amor do Senhor” (2062); com Ireneu, o Decálogo é interpretado como preparação para a amizade com Deus e para a concórdia com o próximo (2063). Se assim, por um lado, o Decálogo é visto totalmente no contexto da aliança e da história da salvação, como acontecimento de palavra e resposta, ele manifesta-se também ao mesmo tempo como ética racional, como recordação daquilo que a razão era verdadeiramente capaz de compreender. É citado de novo Ireneu:  “Desde as origens, Deus tinha enraizado no coração dos homens os preceitos da lei natural. Depois limitou-se a recordá-los à sua mente. Foi o Decálogo (Adv. Haer. 4, 15, 1)” (2070). Esta é uma característica importante na ética do Catecismo:  ele faz apelo à razão e à sua capacidade de compreensão. A moral desenvolvida a partir do Decálogo é moral racional, que vive do apoio da razão, que Deus nos deu, enquanto ao mesmo tempo ele, com a sua palavra, nos recorda o que, de modo mais profundo, está inscrito nos corações de todos nós.

Pode, talvez admirar o papel relativamente reduzido, que tem a cristologia na estruturação da ética do Catecismo. Nos manuais do tempo pré-conciliar a orientação para o pensamento jusnaturalista tinha sido amplamente predominante. O movimento de renovação do período entre as duas guerras, ao contrário, tinha impelido com vigor para uma concepção propriamente teológica da moral e proposto como seu princípio estruturante o seguimento de Cristo ou mesmo simplesmente o amor como lugar omnicompreensivo de qualquer acção moral. A constituição conciliar sobre a Igreja no mundo contemporâneo (Gaudium et spes) apoiou esta distância do pensamento meramente jusnaturalista e realçou a cristologia, em particular o mistério pascal como centro de uma moral cristã. Deveria ter-se finalmente desenvolvido uma moral autenticamente bíblica era este o imperativo, que se deduzia do Concílio, mesmo se a mencionada Constituição nos temas individuais depois, usa na realidade amplamente formas de argumentação racionais e não pretende vincular-se a uma moral da revelação devido ao facto de se tratar precisamente de um diálogo com o mundo moderno não cristão sobre todos os valores comuns essenciais. Se, de igual modo, as linhas fundamentais do Concílio podem ser designadas como um dirigir-se a uma moral interpretada de modo essencialmente bíblico, cristocêntrico, contudo no tempo pós-conciliar foi realizada muito depressa uma mudança radical:  a Bíblia não podia absolutamente transmitir qualquer moral “categorial”; os conteúdos da moral deveriam ser sempre mediados de modo meramente racional. A importância da Bíblia encontrar-se-ia a nível das motivações, não dos conteúdos. Assim, do ponto de vista do conteúdo, a Bíblia e, com ela, a cristologia desaparecia da teologia moral de modo ainda mais radical, do que tinha sido antes. A diferença com o tempo pré-conciliar consistia no facto de que agora se renunciava, entre outras coisas, também à ideia do direito natural e da lei moral natural, que contudo conservara sempre a fé na criação como base da teologia moral. Dirigimo-nos, ao contrário, a uma moral calculadora, que ultimamente podia ter como critério unicamente os presumíveis efeitos da acção e, a este propósito, incluía o princípio da ponderação dos bens ao conjunto do agir moral. Nesta difícil situação a Encíclica Veritatis splendor ofereceu esclarecimentos fundamentais sobre o proprium da moral cristã, assim como sobre a recta relação entre fé e razão na elaboração das normas éticas. O Catecismo sem pretensões sistemáticas preparou estas decisões. O princípio cristológico está presente tanto a partir do tema da felicidade (bem-aventuranças) como do da antropologia, do tema de lei e graça e precisamente também no Decálogo, na medida em que o conceito de aliança contém a última concretização da aliança na pessoa da palavra encarnada e da sua nova interpretação do Decálogo. Mas o Catecismo não pretendeu elaborar um sistema fechado. Na busca de uma ética cristologicamente inspirada é necessário ter sempre presente, também, que Cristo é o Logos encarnado, e por conseguinte, que ele quer despertar em si mesmo precisamente a nossa razão. A função originária do Decálogo recordar-nos da profundidade última da nossa razão não é abolida pelo encontro com Cristo, mas apenas conduzida à sua maturidade plena. Uma ética, que na escuta da revelação deseja ser também autenticamente racional, responde precisamente assim ao encontro com Cristo, que a nova aliança nos dá.

Quem procura no Catecismo um novo sistema teológico ou novas hipóteses surpreendentes, ficará desiludido. Este tipo de actualidade não é preocupação do Catecismo. Ele oferece, indo buscá-la à Sagrada Escritura e à riqueza global da tradição nas suas múltiplas formas, assim como inspirando-se no Concílio Vaticano II, uma visão orgânica da totalidade da fé católica, que é bela precisamente como totalidade de uma beleza, na qual se reflecte o esplendor da verdade. A actualidade do Catecismo é a actualidade da verdade novamente dita e pensada de novo. Esta actualidade permanecerá assim, muito para além das murmurações dos seus críticos.

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