A Bíblia: suas origens

Autor: Jaime Velazquez

Há atualmente milhares e milhares de grupos autodenominados “cristãos” que seguem e professam o dogma luterano da “Sola Scriptura”. A heresia da Sola Scriptura afirma, em suma, que a Bíblia é a única regra de fé, isto é, que Revelação Divina é apenas o que se encontra escrito na Bíblia.

Esta heresia despreza toda a Tradição da Igreja que vem sendo comunicada de modo eclesial ao longo de 2000 anos. No século XVI, um frei católico agostiniano chamado Martinho Lutero declarou esta heresia (e muitas outras) iniciando então um movimento que posteriormente seria conhecido como “Reforma Protestante” (eu preferiria chamá-lo “deforma protestonta”).

Diante dessa situação, a Igreja convocou um Concílio [em Trento] em que foi refutada e condenada grande quantidade de heresias surgidas a partir deste movimento.

Foi durante a Sessão IV do Concílio de Trento, celebrada em 8 de abril de 1546, que a Igreja declarou como dogma de fé a lista dos Livros Sagrados que compõem a Sagrada Escritura. Na referida Sessão, também foi declarado que a Sagrada Tradição e as Sagradas Escrituras são as duas fontes da Revelação. No entanto, a lista dos Livros que compõem a Sagrada Escritura não foi determinada por este Concílio, mas centenas de anos antes. A Igreja não teve, até então, a necessidade de declarar de forma dogmática o referido cânon pois durante dezesseis séculos não se tinha colocado em dúvida tal coisa, salvo raras exceções.

Com o passar dos anos e principalmente em consequência do imensurável surgimento de milhares e milhares de seitas, agravado ainda por uma ignorância histórica cada vez maior, parece que hoje ninguém mais recorda da origem desse livro chamado “Bíblia”. Não faltará também algum desavisado acreditando que a Bíblia caiu do céu pronta, encadernada e com os versículos numerados e ordenados. Creiam: existem pessoas assim.

Contudo, não pretendo falar aqui da ignorância alheia (basta e sobra a minha própria ignorância), mas da origem da Bíblia e como esta chega às nossas mãos hoje. Para começar, devo estabelecer uma premissa básica: se a Bíblia é Palavra de Deus e a Bíblia teve seu cânon e composição determinados por uma Igreja, então esta Igreja deve ser aquela que recebeu o Espírito Santo por um sopro de Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme o relato de João 20,23.

Então somente me resta ir aos livros de História e procurar qual Igreja afirmou que deveria haver uma coisa chamada “Bíblia”, porque eu não sei se vocês sabem ou não, mas em nenhum lugar da Bíblia se afirma que devemos possuir uma Bíblia composta por um Antigo Testamento e um Novo Testamento. Com efeito, alguém tomou essa decisão e não apenas isso, também afirmou quais livros a compunham. Isto soa lógico ou não?

Pois bem: iniciemos o nosso percurso histórico:

O Antigo Testamento foi escrito durante um período de 1000 a 1200 anos antes de Cristo, ou seja, não foi escrito de uma só vez, mas foi escrito ao longo de 1000 anos aproximadamente. Não entrarei em detalhes. Portanto, quando Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, já existia o Antigo Testamento. Após a morte e ressurreição de Jesus Cristo, a Igreja nascente começou a escrever alguns documentos, principalmente cartas dirigidas a diferentes comunidade e, além disso, alguns Evangelhos. Aceita-se, de maneira geral, que todos estes documentos foram escritos durante o século I, seja por alguns Apóstolos, seja por alguns discípulos dos Apóstolos. Até aqui, tudo bem.

Porém, a partir da segunda metade do século II, muitos outros documentos começaram a circular nas comunidades cristãs e eram lidos e considerados verdadeiros. No século III, a confusão atingiu níveis insustentáveis, pois havia uma grande quantidade de escritos e evangelhos considerados verdadeiros pelas comunidades, o que gerava discussões e divisões. Alguns Padres da Igreja propuseram cânons ou listas de livros inspirados, rejeitando todo o resto. Foi então necessário convocar Concílios e Sínodos em diferentes regiões da Cristandade, para estabelecer de maneira definitiva a coleção dos Livros considerados inspirados e que continham a Palavra de Deus escrita.

Adivinhem qual Igreja realizou tal empreendimento?

Sim, a Igreja Católica!

Não foram os pentecostais, nem os presbiterianos, nem os luteranos, nem os anglicanos, nem os batistas, nem os puritanos, nem o Exército da Salvação, nem os mórmons, nem os Testemunhas de Jeová; muito menos a Luz do Mundo ou a Igreja Universal do Reino de Deus.

Foi a Igreja Católica, que então era governada pelo Papa de nº 37, São Dâmaso I. O estabelecimento do cânon foi obra de quatro Concílios ou Sínodos diferentes:

– O Concílio de Roma, no ano 382;
– O 3º Concílio de Hipona, no ano 393;
– O 3º Concílio de Cartago, no ano 397; e
– O 4º Concílio de Cartago, no ano 419.

Com efeito, seguindo a premissa levantada no início do artigo, poderia por acaso uma falsa igreja determinar o cânon bíblico? Não! A resposta é um não absoluto!

Apenas a verdadeira Igreja assistida pelo Espírito Santo seria capaz de perdurar dois mil anos e ainda fixar um cânon bíblico e estabelecer em si mesma aquilo que conhecemos como “Bíblia”. Isto é importante ressaltar: Nosso Senhor Jesus Cristo jamais mandou os Apóstolos escreverem uma Bíblia, nem nunca lhes disse o que deveriam escrever nela. A existência de uma Bíblia é obra direta da Igreja, é um documento eclesiástico que tem Deus Espírito Santo por Autor e que ficou sob os cuidados da referida Igreja.

Citando meu amigo Salvador Melara, “todo aquele que aceita a Bíblia e rejeita a Igreja Católica é como aquela pessoa que gosta de leite mas despreza a vaca”.

É graças à Igreja que você e eu temos hoje em nossas mãos uma Bíblia. Agradeça por isso!

Desta forma, a partir do século IV passamos a ter uma coisa chamada “Bíblia”; para sermos mais exatos, a Bíblia oficial, determinada no século IV, é a versão chamada “Vulgata”, pois foi escrita e traduzida para o latim popular da época, de modo que todos soubessem e pudessem ler. Recordemos que no século IV o latim era a língua oficial do Império Romano, que abraçava grande parte do mundo conhecido e onde as comunidades cristãs se estabeleceram principalmente. Assim, o latim não foi usado para manter a Bíblia oculta às pessoas, muito pelo contrário: foi [traduzida] para o latim popular para que qualquer um pudesse entendê-la.

Então eu me pergunto: por que hoje as milhares e milhares de seitas usam um livro católico e rejeitam a autoridade da Igreja Católica que lhes deu este Livro? Soa ilógico porque assim o é.

Como já disse Santo Agostinho em finais do século IV, não é possível rejeitar a autoridade da Igreja Católica e, ao mesmo tempo, citar as Escrituras[*]. Isto é uma contradição. Se alguma seita aceita a Bíblia como Palavra de Deus (o que é verdade) e rejeita a autoridade da Igreja Católica, cai em grave contradição, pois deveria então rejeitar a própria Bíblia já que esta nasce da autoridade da Igreja Católica. Lógica simples!

Assim, eu convido a todos a analisar a origem da Bíblia e como esta se originou no seio da Igreja. Recordemos que Nosso Senhor Jesus Cristo fundou uma Igreja para proclamar a sua Palavra e que devemos humilde submissão a esta Igreja em matérias de fé e moral.

Diante destas evidências, a Sola Scriptura carece não apenas de um fundamento racional, como também carece de um fundamento bíblico. A Bíblia não justifica a si mesma, mas encontra o seu fundamento na autoridade da Igreja que a proclama e estabelece.

Sem a Igreja, não há Bíblia!

Dessa forma, ainda que inconscientemente, todos os pastores de seitas que “enchem a boca” com a Bíblia validam a autoridade da Igreja Católica que lhes deu este Livro e os fizeram crer que é Palavra de Deus.

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NOTA:
[*] Contra a Epístola de Manes denominada “A Fundação” 4,5-6.

  • Fonte: http://www.voxveritas.com.mx
  • Tradução: Carlos Martins Nabeto

 

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