A ciência moderna não desvenda todos os milagres?

– “As forças da natureza estão sendo cada vez mais exploradas. Fenômenos que eram tidos por milagrosos já não são reconhecidos como tais. Com isto o milagre parece ter perdido o seu valor na Apologética cristã…”

Visando toda a clareza possível neste problema, diremos antes de mais nada o que se entende por milagre em Teologia:

– Milagre é considerado todo acontecimento visível que o curso “habitual da natureza não explica, mas que Deus produz como sinal do sobrenatural” (esta última cláusula é importante; diferencia o milagre teológico do “milagre” vulgarmente entendido).

Se bem que feitos outrora inexplicáveis (“milagrosos”) sejam hoje perfeitamente inteligíveis, a hipótese de que a ciência venha a elucidar todos os fenômenos não pode deixar de parecer gratuita e precipitada. A ciência tem fornecido a explicação de muita coisa misteriosa, sim; mas sabemos que ela não apenas elucida enigmas; ao contrário, vai suscitando problemas novos, pondo em cheque proposições de física, química e biologia que até nossos tempos pareciam inabaláveis.

Em particular, os estudiosos professam hoje em dia não mais o determinismo absoluto das leis da natureza, mas um determinismo estatístico ou um relativo indeterminismo; admitem que, no curso normal da natureza, há sempre lugar para fenômenos que parecem derrogar às leis habituais do cosmos, mas que não se devem à intervenção de algum Agente Superior.

No século passado era em nome do determinismo absoluto que se rejeitava o milagre: julgava-se que a natureza não admitia exceções. Em nossos tempos é, antes, em nome do relativo indeterminismo que se nega o milagre: o imprevisível, o contingente – diz-se – está dentro das previsões mesmas da ciência.

Diante desta nova formulação do problema, observar-se-á primeiramente a história, devidamente autenticada: narra prodígios de tal modo extraordinários que, apesar da margem de indeterminação da natureza, parecem ficar fora das possibilidade desta (por exemplo, a ressurreição de um cadáver já em vias de putrefação, mesmo à luz da ciência otimista, não seria razoavelmente explicada pela mera combinação de forças físico-químicas e biológicas).

Admita-se, porém, que este e semelhantes prodígios se possam um dia entender pela ação de agentes naturais… Em tal hipótese, ainda fica lugar para o que em teologia se chama “milagre”: com efeito, o milagre não é qualquer fenômeno extraordinário, não é qualquer acontecimento que, por um motivo desconhecido, escape ao curso habitual da natureza; o milagre é, sim, um fato extraordinário que constitui um sinal de Deus. Ao passo que nos outros casos de prodígios não se sabe sempre indicar a respectiva causa, no caso de um autêntico milagre teológico essa causa deve ser sempre patente: é Deus quem age dando-se a reconhecer como Deus. Em outros termos: o milagre é o prodígio que se realiza num contexto religioso, com alguma referência genuína (preces, voz abalizada de um emissário…) à Onipotência Divina.

Em consequência, para se averiguar a existência de um milagre em Apologética, procurar-se-á:

1º) Chegar à certeza de que o fenômeno focalizado é realmente extraordinário, saindo fora do curso normal dos acontecimentos. A este trabalho se prestam geralmente os médicos, que investigam se o paciente sofria mesmo de tal enfermidade, se de fato está curado, se a cura foi realmente obtida sem intervenção da medicina… Caso se obtenha resposta positiva para estes quesitos, ainda não se pode afirmar ter havido milagre no caso, mas será preciso…

2º) Indagar se o fenômeno se deve à intervenção de Deus. Este exame é levado a termo por outros peritos, que investigam o uso do nome de Deus feito no decorrer do acontecimento, a honestidade moral, o equilíbrio mental do beneficiário do prodígio e de seus assistentes, os frutos produzidos pelo portento (virtude, paz, conformidade com a vontade de Deus ou o contrário),

Se este segundo exame levar a admitir a intervenção de Deus, tem-se então um autêntico milagre teológico, ou seja, um fenômeno que talvez pudesse ter sido provocado unicamente por forças da natureza, mas que, no caso, foi explicitamente suscitado por Deus, a fim de atestar a existência do Criador ou algum de seus atributos; em suma, a fim de ser sinal de Deus para os homens.

Assim entendido e comprovado, o que se chama “milagre” em teologia conserva o seu valor de argumento de credibilidade; é de notar, porém, que o Senhor não quis fazer do milagre o argumento sempre necessário para despertar a fé. Esta não deve ser tal que só se origine e verifique a toques de milagre. Mesmo quando não se serve do milagre, Deus não denega ao homem outros elementos para discernir a credibilidade (luz da mente, moções da graça, etc.).

Pode-se ver a propósito o livro de Olivier Leroi, “Miracles” (Desclée de Brouwer, 1951), que apresenta bom número de fatos extraordinários, devidamente comprovados, os quais se verificaram como sinais de realidade sobrenatural.

 

  • Fonte: Revista Pergunte e Responderemos nº 2:1957 – jun-jul/1957.

 

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